Discurso do Presidente da República por ocasião do banquete em honra do Presidente da República da Argentina, Fernando de la Rúa

Palácio da Ajuda
15 de Novembro de 2001


Senhor Presidente
Excelentíssima Senhora de Fernando de la Rúa
Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores


A presença de Vossa Excelência entre nós reveste-se de um alto significado. Antes de mais, por ser esta a primeira vez que temos a honra de receber em Portugal, em visita de Estado, um Presidente da Argentina. Mas também porque esta visita representa o culminar de um processo de aproximação entre os nossos dois países, animados pelo desejo de forjar uma parceria assente em valores partilhados, não apenas entre Portugal e a Argentina, mas também entre a União Europeia e a América Latina.

As nossas relações são antigas e os nossos caminhos muitas vezes se cruzaram ao longo da história. Portugal foi, aliás, o primeiro país do mundo a reconhecer a independência da Argentina, ainda antes dos Estados Unidos da América e antecedendo em um ano a independência do Brasil.

Nos últimos anos, esses históricos laços de amizade entre Portugal e a Argentina têm-se vindo a estreitar. No plano político, a natural solidariedade proporcionada por uma adesão comum aos valores da democracia tem-se traduzido num crescente e estimulante intercâmbio, quer no plano bilateral, quer no contexto das Cimeiras Ibero-Americanas e do diálogo entre a União Europeia, o Grupo do Rio e o Mercosul.

No plano económico, tem-se verificado um aumento substancial das trocas comerciais e dos investimentos portugueses na Argentina. Registo com agrado, Senhor Presidente, que se faz acompanhar nesta visita por uma importante comitiva empresarial, aqui presente. Faço votos para que esta comitiva desenvolva entre nós contactos frutuosos, contribuindo assim para um melhor aproveitamento das potencialidades que, nos domínios dos investimentos, do comércio e do turismo, existem nos nossos dois países.

O facto de amanhã serem assinados diversos acordos bilaterais é também sintomático do dinamismo que caracteriza as nossas relações.

Mas o relacionamento entre portugueses e argentinos vai além dos meros aspectos políticos e da frieza dos números. A cultura do vosso país sempre foi muito apreciada em Portugal. Nomes como os de Carlos Gardel, Astor Piazolla, Julio Cortazar e, naturalmente, Jorge Luis Borges, fazem parte do nosso universo. Borges, grande nome da literatura universal menciona, num poema famoso, os seus longínquos antepassados portugueses de Moncorvo: “vaga gente que prosigue en mi carne, oscuramente, sus hábitos, rigores y temores”.

Por outro lado, a presença na Argentina de uma Comunidade Portuguesa que ali, de forma perfeitamente integrada, participa activamente na vida institucional, económica, social e cultural do país, contribui também para este especial entendimento.

Senhor Presidente,

A Comunidade Internacional atravessa momentos difíceis e de grande perturbação. As repercussões dos bárbaros atentados do 11 de Setembro fazem-se sentir em todos os planos — militar, político, económico, cultural — agravando uma situação internacional que, desde a viragem do século, já dava sinais de crescente tensão. A brutal demonstração da vulnerabilidade das nossas sociedades abalou a confiança e obrigou-nos a reexaminar prioridades.

A luta contra o terrorismo internacional impõe-se, naturalmente, como a tarefa mais urgente na agenda internacional. Esse combate passa necessariamente pela acção militar, que apoiamos, mas também pela troca de informações e por uma maior cooperação judicial e policial, no que diz respeito não apenas ao terrorismo internacional, mas também a fenómenos que lhe estão associados, como a criminalidade organizada, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o abuso dos paraísos fiscais.

A necessidade, imediatamente evidente, de um esforço concertado de toda a comunidade internacional para combater o terrorismo e as suas causas abre novas perspectivas de cooperação internacional, podendo e devendo ser aproveitada para lhe conferir novo ímpeto. Reforçar a governabilidade internacional é o grande desafio que nos é colocado no início deste novo século. Penso que o 11 de Setembro constituiu, neste aspecto, um alerta que não podemos ignorar.

As Nações Unidas deverão desempenhar um papel fundamental neste processo, garantindo a legitimidade do nosso esforço comum, bem como o respeito pelos valores por que se devem reger todos os membros daquela organização.

As questões de segurança colectiva não poderão relegar para segundo plano os esforços no combate à pobreza, à doença, à violência política, às agressões contra o ambiente. Neste contexto, quero saudar o acordo recentemente alcançado em Marrakech, que abre caminho à ratificação do protocolo de Quioto sobre o aquecimento global, bem como o acordo obtido ontem em Doha, sobre a agenda de uma nova ronda de negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial de Comércio. São desenvolvimentos muito positivos e sinais encorajadores de que, após o 11 de Setembro, a Comunidade Internacional tomou consciência da necessidade de uma atitude mais cooperativa e conciliadora para resolver os grandes problemas internacionais.

Senhor Presidente,

Portugal sempre tem advogado a necessidade de um maior aprofundamento da integração regional, quer na Europa, quer noutros continentes, bem como o estabelecimento de mais estreitas parcerias entre os grandes blocos regionais. Apreciamos e valorizamos os esforços desenvolvidos pela Argentina, em circunstancias por vezes difíceis, no sentido de consolidar o Mercosul, espaço vital no qual a sua voz assume um papel decisivo.

Como membro da União Europeia, Portugal tem procurado dinamizar as relações entre esta organização e a América Latina. Assim, foi sob a Presidência portuguesa da União que se iniciaram as negociações sobre o futuro Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e o Mercosul. Consideramos este acordo da maior importância para consolidar as relações entre os nossos dois continentes e estamos empenhados na sua rápida conclusão.

Com vista a este desígnio, agimos não apenas por interesse, mas movidos por um sincero sentimento de proximidade para com os povos da América Latina. Esse sentimento espontâneo funda-se nas afinidades históricas, culturais e linguísticas entre os nossos mundos e alimenta-se de um entendimento sempre fácil e caloroso entre os nossos povos que, nesta visita, está uma vez mais em evidência.

Por isso, não ignorando embora as dificuldades com que a Argentina actualmente se debate, confiamos que um país como o vosso, com tão grandes tradições e tão abundantes recursos, naturais e humanos, saberá encontrar o caminho que lhe permita ultrapassar a presente conjuntura adversa. Esse é o nosso desejo e a nossa convicção.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pela saúde do Presidente Fernando de la Rúa, pelo futuro e prosperidade da Argentina e pelo desenvolvimento dos laços de amizade que unem os nossos dois povos e Estados.