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Discurso do Presidente da República por ocasião de um Debate Conjunto com o Presidente Carlo Azeglio Ciampi sobre o Futuro da Europa com Jovens Portugueses
Lisboa
Senhor Presidente da República Italiana,
Meus Senhores e Minhas Senhoras, Caros estudantes
Propus ao Presidente Ciampi esta iniciativa, por duas razões: - primeiro, porque a questão do futuro da Europa nos interpela directamente. Nas vésperas do Conselho Europeu de Laeken, em que vão ser tomadas decisões importantes na matéria, importa sensibilizar a opinião pública, promover o debate e incitar à reflexão, uma vez que a Europa somos nós e que a questão do seu futuro é a do nosso próprio futuro. - depois, porque quis dar oportunidade aos jovens portugueses, de dialogarem com o Presidente Ciampi, testemunha privilegiada da Europa desde a sua criação até hoje e europeísta convicto. Quem melhor do que o Presidente Ciampi poderia testemunhar pessoalmente da formidável oportunidade que representa a Europa para os jovens de hoje ? Para estimular a nossa reflexão e este debate, gostaria de suscitar algumas questões, nomeadamente a articulação entre a Europa e os Estados-Nação, assim como o futuro da União e a reforma do seu modelo político e institucional. Mas recordemos, para começar, o significado do projecto europeu e as etapas já realizadas. A construção europeia O sucesso inquestionável do grande projecto voluntarista que representa a construção europeia nem sempre é apreciado na sua justa medida. Vale por isso a pena lembrar alguns dos resultados obtidos em apenas meio século de história de um continente, reerguido dos escombros da Segunda Guerra. Conseguiu-se fazer da Europa um espaço de paz, estabilidade, segurança e prosperidade, em que a democracia, o Estado de Direito e o respeito pelos Direitos Humanos são a regra e os valores dominantes. Conseguiu-se edificar um mercado comum baseado na livre circulação de mercadorias, serviços e capitais. Conseguiu-se criar as condições da livre circulação de pessoas, desenvolver o princípio da cidadania europeia e, mais recentemente, adoptar uma Carta de Direitos Fundamentais. Criou-se a moeda única (que entrará em circulação dentro de 26 dias) e realizou-se a União Económica e Monetária. Lançaram-se as bases de uma Política Externa e de Segurança Comum e avançamos para uma Política Europeia de Defesa. Os trágicos atentados de 11 de Setembro puseram em evidência a necessidade de acelerar a cooperação no âmbito da justiça e dos assuntos internos e de consolidar ainda mais a dimensão externa da política europeia. São novos desafios que constituem outras tantas oportunidades de aprofundamento da integração europeia, em que se está, desde já, a trabalhar. A Europa e os Estados-Nação O enorme sucesso da Europa e o fantástico poder de atracção que continua a exercer, designadamente junto dos Estados candidatos à adesão reside, em parte, no facto de, longe de se substituir aos Estado-Nação, antes constituir um poderoso antídoto ao seu declínio, actuando como vector de renovação das soberanias nacionais. A Europa, correspondendo a um esforço regional de integração antes de mais económica e monetária, mas também social e política, tem permitido contrariar os efeitos negativos do movimento dominante da mundialização e da internacionalização que levam a uma progressiva limitação da soberania dos Estados, quer a nível externo quer interno. É um ponto em que insisto e para o qual chamo a atenção. À realidade dos Estados-Nação, ameaçados pelo declínio e por uma crise profunda, a Europa trouxe uma esperança, deu-lhes ambição e abriu-lhes um horizonte novo, mais alargado e dinâmico. Proporcionou-lhes instrumentos e meios de acção adequados aos desafios do mundo globalizado. Fixou objectivos e prioridades assumidas por todos. Desenvolveu políticas comuns. Criou uma consciência e um estado de espírito partilhados. Introduziu mecanismos de concertação e de diálogo, criou estruturas de governação comunitária, sem que, por isso, os Estados-Nação tivessem sofrido alterações estruturais ou atentado contra os princípios da legitimidade democrática em que repousam. A Europa tem-se construído através de uma partilha cada vez mais extensa de poderes e competências, de um exercício conjunto de responsabilidades, assente no princípio da igualdade de tratamento dos Estados Membros e no da sua solidariedade e coesão. Entre a União Europeia e os Estados Membros há relações de complementaridade e não de mera subordinação; na União Europeia coexistem a lógica da cooperação e a da integração, as instituições comunitárias não substituiram os órgãos estaduais. É porque a União Europeia não se configura como um projecto federal de tipo clássico, mas constitui uma organização sui generis de um tipo novo, que os Estados-Nação encontram nela uma oportunidade de se renovarem.
Futuro da União: alargar e aprofundar O alargamento da União, que estamos firmemente empenhados em ver realizado, é uma necessidade e um dever de solidariedade. Para além de ser um desafio pelas dificuldades que encerra, corresponde antes de mais a uma oportunidade. Oportunidade de reunificação do continente europeu, oportunidade de consolidação das democracias europeias e de um modelo de sociedade comum, oportunidade, também, de criar um espaço alargado de paz, prosperidade, bem-estar e justiça social. Mas oportunidade também de reforçar a projecção da Europa no mundo. Por seu lado, o aprofundamento do processo de integração europeia, que envolve essencialmente a reforma política da União, várias vezes adiada, é uma exigência e uma necessidade, à qual o próximo alargamento imprime urgência acrescida, sob pena de conduzir a uma desagregação do projecto europeu. A experiência mostra que não podemos ampliar indefinidamente uma construção sem pôr em causa a sua estabilidade, se não procedermos simultaneamente ao reforço das suas estruturas e alicerces, o que também é necessário se se registarem alterações significativas no espaço ambiente. O mesmo sucede com a Europa. Perante as extensões de que foi já alvo e na perspectiva da próxima ampliação, que levará à quase duplicação dos seus membros, torna-se inadiável uma reforma em profundidade tanto mais premente porquanto, justamente, também a conjuntura internacional sofreu grandes alterações. À procura de um modelo político para a Europa A construção europeia assenta no pressuposto de que a integração económica é portadora de integração política e de que uma vez a primeira alcançada, há necessariamente que proceder explicitamente à segunda. A história tem dado razão aos Pais fundadores. Parece ter-se atingido agora esse momento de viragem. Há, pois, que efectuar um salto em frente de restruturação político-institucional da União, aguardada desde o Tratado de Maastricht, de 1992. Porque a Europa é um projecto único e inovador, não me parece que nos possamos valer, para a realização desta reforma, de experiências anteriores nem recorrer aos modelos já existentes. Esta impossibilidade provoca um certo mal-estar e traduz-se designadamente na querela das denominações a atribuir a uma União mais integrada politicamente. “Federação de Estados-Nação” - poderá parecer uma contradição nos termos, mas é, a meu ver, a melhor designação para indicar o sentido do caminho que procuramos, a melhor expressão da ambição que queremos para a Europa. Ao nos propormos realizar uma Federação de Estados-Nação, entendemos dar corpo a um propósito aparentemente paradoxal, que exigirá grande determinação e engenho político. A construção de uma Federação de Estados Nação exigirá que se adopte uma Constituição Europeia e que se reforcem os fundamentos de uma democracia europeia. A Constituição Europeia, integrando a Carta de Direitos Fundamentais, permitirá imprimir um cunho político inequívoco ao projecto europeu, aproximará os povos, reforçará o conceito de cidadania e de comunidade de destino. Precisamos de um texto constitucional que plasme os princípios da vida pública europeia, que enumere os valores e direitos fundamentais que enquadram a cidadania europeia, que reafirme os princípios da igualdade entre Estados e o da sua coesão e da solidariedade, em que assenta a construção europeia, e que configure a organização dos órgãos de poder e a repartição de níveis de competência, com base no princípio de subsidiariedade. Reforçar os fundamentos da democracia europeia com vista a dar à Europa uma legitimidade acrescida, implicará proceder a uma reorganização da estrutura institucional da comunidade. Esta reforma é imprescindível na perspectiva do alargamento e decorre da vontade de aprofundar a integração política. Mas não se prende, em primeira linha, com uma pretensa falta de legitimidade democrática da União, alegação que, a meu ver, é infundada. Na verdade, não só o princípio democrático está já presente na União, nomeadamente no Parlamento Europeu, como a sua legitimidade democrática repousa também na legitimidade dos nossos Parlamentos nacionais e no controlo político que exercem sobre as decisões que os Governos tomam no plano europeu.
Para alcançar estes objectivos, precisamos certamente de uma Comissão forte, dotada de efectivas responsabilidades políticas, configurada à semelhança de um Executivo, com um Presidente dotado de extensos poderes, responsável perante o Parlamento. Mas precisamos também de proceder a um reequilíbrio institucional por forma a corrigir o peso excessivo do factor demográfico que serve de base à ponderação de vozes no Conselho e à distribuição dos assentos parlamentares. Estou em crer que, para consolidar este princípio, a criação de um órgão onde os Estados estejam representados paritariamente, como uma Segunda Câmara, constitui um caminho válido que deve ser explorado. Senhor Presidente,
Sem um debate alargado sobre o futuro da Europa, a todos os níveis e escalões da sociedade, será difícil fazer da próxima Conferência Intergovernamental um grande marco na história europeia, só comparável ao do Tratado de Roma. Ora, nós queremos que 2004 assinale a segunda fundação da Europa. Queremos mais e melhor Europa. Queremos uma Europa que seja uma comunidade de valores e de destino, um espaço comum de paz, democracia, justiça, liberdade e prosperidade, queremos uma União Europeia federadora dos nossos Estados-Nação, que proporcione, aos nossos cidadãos, uma dupla filiação e aos nossos Estados uma legitimidade redobrada, na certeza de que a união, a solidariedade e a coesão fazem a sua força. É esta ambição que temos de inculcar aos jovens europeus, incitando-os a reflectir, com o vigor, o optimismo e o entusiasmo próprios da idade, sobre o teor possível de uma futura Constituição Europeia, sobre a configuração político-institucional de uma Federação de Estados Nação e, por último, sobre a sua visão do lugar de cada País na Europa de amanhã. É um desafio que lanço aos jovens portugueses aqui presentes, como ponto de partida para o debate que abriremos daqui a pouco, mas que deverá prosseguir. É um convite à reflexão e a futuros encontros, que não deixarei de promover. Muito obrigado ao Presidente Ciampi.
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