Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura da Conferência Inaugural do Centro de Cultura Árabe, Islâmica e Mediterrânica da Universidade do Algarve

Faro
04 de Dezembro de 2001


Agradeço, Senhor Reitor, Senhora Professora, o convite para esta sessão inaugural do Centro de Cultura Árabe, Islâmica e Mediterrânica, que com particular agrado aceitei.

Quero em primeiro lugar felicitar os promotores desta iniciativa cujo desígnio inicial, ao que acabamos de ser informados, pertenceu ao Professor Gomes Guerreiro, esta manhã aqui mesmo homenageado.

É uma iniciativa que permite consolidar e ampliar o conhecimento recíproco de culturas que há longos séculos ocupam esta região do Mundo. É uma iniciativa que dignifica o papel histórico do Algarve nessa vasta região mediterrânica, enquanto interface cultural de um grande mosaico de civilizações. É uma iniciativa que põe em destaque a Universidade como dinamizador de relações culturais baseadas no saber e na criação. Por tudo isto é, sem dúvida, uma iniciativa da maior oportunidade.

Nunca como hoje o desafio de um relacionamento cultural dos povos baseado no conhecimento e no respeito mútuos e na tolerância recíprocas, e capaz de aceitar as diferenças sem negar as complementaridades, foi tão decisivo para o futuro da Humanidade.

Entendo que Portugal não deve enjeitar a possibilidade de dar o seu próprio contributo para esse relacionamento inter-cultural. A nossa história é uma história rica de experiências que tem sentido e importa valorizar no contexto actual.

Na própria origem medieval da nacionalidade intervêm dois elementos culturais distintos: o norte rural de influência cristã e o sul urbano de influência islâmica. Em certo sentido, a nacionalidade é uma síntese, ou uma composição, como disse um historiador. Por outro lado, os alvores da modernidade foram marcados pela capacidade portuguesa de deslocar as fronteiras geográficas e culturais da relação entre a Europa e o resto do Mundo. O Mundo Moderno descobriu a diversidade cultural dos povos à escala planetária.

Não ignoro que o diálogo entre culturas não é fácil, e nunca o foi. As culturas tendem muitas vezes a procurar as respectivas identidades no confronto com as outras. Os particularismos culturais, legitimados por factores religiosos ou étnicos, funcionam também muitas vezes em favor da desconfiança e potenciam o antagonismo. Finalmente, as especificidades culturais alimentaram muitas vezes, infelizmente, o totalitarismo e um desejo de domínio que violou os mais sagrados direitos humanos.

É porém inquestionável que, apesar das dificuldades, dispomos hoje de um património de referências universais formados por valores e princípios que configuram a própria noção de humanidade. O respeito por esses valores e princípios, nos quais se inscrevem direitos e liberdades fundamentais, a tolerância face à diferença, a separação entre o público e o privado, impõe-se a todas as culturas. Por isso constitui a base essencial para o diálogo inter-cultural a que me reportei. Esse diálogo tem como pressuposto uma comum atitude de respeito e de valorização da dignidade humana.

A mundialização dos mercados e a abertura de fronteiras originou movimentos de deslocação de populações sem precedentes à escala planetária. As sociedades do século XXI serão cada vez mais sociedades multiculturais, onde o objectivo da coesão social exige que se saiba lidar de forma não descriminatória com o multiculturalismo.

Sucede ainda, minhas Senhoras e meus Senhores, que os acontecimentos de 11 de Setembro e a crise internacional que hoje vivemos, trouxeram a este tema uma nova acuidade.

Houve quem precipitadamente visse nesses acontecimentos o prelúdio de um novo enfrentamento de culturas, dominadas por uma componente de fanatismo religioso. Esta tese já foi criticada, mas nunca é demais insistir em que os ataques realizados contra os Estados Unidos representam um crime horrível em que são postos em causa valores reconhecidos por diferentes culturas.

De facto, é de todo inaceitável que se use o nome de Deus e se procure um fundamento religioso para cometer os mais bárbaros crimes. É incompreensível que se mate em nome dos princípios da paz, do amor e da fraternidade. É por isso que, conscientes deste perigo, as grandes religiões têm dado passos decisivos no sentido do diálogo inter-religioso, do ecumenismo e da cooperação para a paz e a justiça.
Minhas Senhoras e meus Senhores

A situação internacional, tal como se configura depois dos acontecimentos de 11 de Setembro, exige que se trave um combate, um combate colectivo, em nome do respeito pela vida, em nome dos valores democráticos, em nome dos direitos inalienáveis da pessoa humana. Este combate, como tenho referido, não se esgota em acção militares e medidas de segurança. Exige uma política de cooperação internacional – efectiva, multifacetada e solidária – que abarque não só a resposta firme ao terrorismo, mas que em simultâneo promova soluções duradouras para os conflitos e tensões que persistem em várias zonas do Mundo.

Uma delas é precisamente o Médio Oriente, onde nos últimos dias assistimos a uma nova escalada de violência. E, no entanto, a espiral de ataque e contra-ataque, que por igual condenamos, não pode fazer iludir este dado fundamental da questão: israelitas e palestinianos estão condenados e viver lado a lado. A guerra nunca poderá resolver os problemas que os opõem. Apenas as soluções políticas justas e equitativas permitirão assentar a paz em bases sólidas.

Com o apoio da comunidade internacional, com os esforços empenhados dos Estados Unidos, da União Europeia, da Rússia, das Nações Unidas, estou certo de que conseguiremos tais objectivos, desde que para tanto exista uma genuína vontade das partes.

Importa que rapidamente se possa voltar aos caminhos do diálogo evitando ainda maiores tragédias. É preciso coragem política para interromper a espiral da violência, isolar os extremismos de um lado e do outro, pôr fim a tanto sofrimento e dar uma nova oportunidade à esperança.

Urge reabilitar um processo negocial que permita recuperar a confiança. Urge relançar a esperança num futuro de paz, de segurança e de progresso para todos os povos da região.

Minhas Senhoras e meus Senhores

O contexto actual de interdependência entre os povos envolve o plano económico e político. Envolve também , e não pode deixar de envolver, o plano cultural.

A cooperação internacional, forjando instrumentos de intervenção política adequados, não pode prescindir de instrumentos de diálogo inter-cultural, permanentes, eficazes, consistentes.

Um desses instrumentos está sem dúvida no conhecimento histórico- cultural que centros como o que acaba de ser inaugurado na Universidade do Algarve promovem, densificam, divulgam. Com paciência, com rigor, com inovação.

Além da palavra de reconhecimento e de estímulo que aqui deixo aos que conceberam e executaram este projecto do Centro de Cultura Árabe, Islâmica e Mediterrânica, quero também saudar todos os que participam nesta Conferência e fazer votos para que a dinâmica que aqui vos juntou saia daqui reforçada e portanto mais profícua.