Discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia Comemorativa do 90º Aniversário da Guarda Nacional Republicana

Queluz
10 de Dezembro de 2001


Estou aqui numa importante celebração democrática e republicana.

A história republicana da Guarda Nacional atingirá, em breve, um século, atravessando as vicissitudes das profundas mudanças sociais, políticas e económicas do país, evoluindo com elas. Hoje, a Guarda Nacional Republicana está, tal como todo o país, confrontada com mais um período de amplas mutações sociais.

Vivemos, efectivamente, um época de profundas transformações na sociedade portuguesa. Nos últimos vinte anos, acentuou-se a concentração urbana e, com ela, desenvolveram-se novas formas de exclusão social, de pobreza e de violência. Os campos desertificaram-se e a escassez de população rural confronta-nos com novos problemas. O consumo de drogas atingiu proporções muito dramáticas. A criminalidade a ela associada é crescente e opera integrada em redes internacionais de forma cada mais sofisticada. As novas tecnologias são utilizadas em larga escala pelas redes criminosas, obrigando à formação de uma nova geração de quadros por parte das forças de investigação criminal e de segurança. As enormes assimetrias de desenvolvimento, entre países e entre continentes, fazem com que os fenómenos migratórios tenham atingido proporções impensáveis e tragam associados fenómenos de criminalidade organizada muito difíceis de combater. A internacionalização das redes de criminalidade obriga a um esforço crescente de coordenação dos serviços de informações nacionais e internacionais.

Tenhamos a noção de que nenhum destes problemas é exclusivamente português. Mas esta constatação, longe de nos servir de lenitivo, só agrava a dimensão desta nova realidade, porque ela se integra em fenómenos civilizacionais mais vastos aos quais os Estados nacionais, individualmente, não podem dar resposta.

Mas, uma parte destes problemas deve e pode encontrar resposta nas políticas públicas. E não é uma parte menor. Temos de reconhecer que alguns dos problemas que se colocam a Portugal no domínio da segurança são, além do mais, também fruto de modelos de desenvolvimento económico e de desatenção social que o país viveu.

Devemos, portanto, reconhecer com coragem que não é possível lidar com o problema da segurança sem procurar resolver o problema das assimetrias regionais e dos modelos de desenvolvimento urbano. Estes problemas estão por resolver em Portugal.

É importante sublinhar estes aspectos para que não se difunda a opinião de que o simples reforço dos efectivos das forças de segurança constitui remédio para os problemas – sérios, sem dúvida - que nos afligem. Essa é uma opinião errada, porque ilude – nem sempre inocentemente – a questão das causas, internas e externas, da criminalidade.

O debate da segurança está há muito na ordem do dia em Portugal. O aumento dos índices de criminalidade tornava-o inevitável. Recentemente, os acontecimentos de 11 de Setembro em New York deram-lhe outra dimensão. Um dos aspectos menos debatidos e a que sugiro que se dedique uma atenção crescente é a do papel do cidadão e das autarquias nesse combate. Durante anos, a ideia da criação de polícias municipais provocou a desconfiança e a crítica de muitos. O aparecimento de grupos de “vigilantes”, em determinadas localidades, deu o exemplo, pela negativa, daquilo que os cidadãos não devem fazer quando querem apoiar o esforço das forças de segurança.

Anos volvidos, o debate é agora outro: como criar mecanismos de participação da comunidade no esforço de segurança tendo em consideração as experiências da aplicação dos dispositivos legais já existentes?

Este é um debate sobre a cidadania. Um debate importantíssimo para a sociedade portuguesa, que não se coaduna com a demagogia, nem com a ignorância.

A Guarda Nacional Republicana tem um papel importantíssimo a desempenhar no contexto global desta problemática. A Guarda é um corpo de segurança de proximidade, por excelência. Já o era antes deste conceito se tornar num modelo de formulação de políticas. A Guarda conhece a realidade nacional profundamente. O país deve-lhe muito e quero exprimir aqui gratidão e estímulo. É muito agradável ouvir os mais altos responsáveis das Nações Unidas louvar a actividade da GNR em forças internacionais, em especial em Timor.

As novas realidades sociais obrigam-nos, porém, a exigir ainda mais da Guarda Nacional Republicana. Sei que ela responderá, como sempre, como grande profissionalismo e rigor. Mas o primeiro passo cabe ao poder político a quem cumpre a tarefa iniludível e inadiável de assegurar o esforço de modernização para que a Guarda desempenhe o papel que se deseja no esforço de segurança interna. Papel que o país precisa que ela desempenhe, e que sabe, sem sombra de dúvida, que desempenhará, e muito bem.

Essa modernização e a disponibilidade efectiva de meios para o exercício das suas missões é essencial à motivação de qualquer corpo de segurança.

Vivemos, todos o sabemos, num momento de contenção orçamental. Vamos, todavia, olhar para esta circunstância não como um problema, mas como um desafio para realizar reformas que há muito deviam estar feitas. O país tem de racionalizar recursos e melhorar a qualidade da gestão dos seus meios através de políticas de avaliação de resultados. Só uma cultura de rigor e de avaliação permite uma modernização efectiva da administração do Estado. Sei que estes são princípios que encontram eco dentro da Guarda Nacional Republicana, a qual como se sabe não tem outro objectivo do que poder desempenhar sempre melhor as missões que o Estado lhe confere.

Da sua inquestionável dedicação ao serviço da República depende não só uma parte importante do esforço de segurança do país, mas também, quero destacá-lo, um contributo inestimável para a salvaguarda de vidas humanas, através, nomeadamente, do incansável trabalho da sua Brigada de Trânsito.

As políticas de prevenção e as acções de fiscalização e repressão em matéria de segurança rodoviária, são decisivas para o combate à sinistralidade, que, em Portugal, continua muito alta. A actualização do quadro legislativo que as enforma deve ser uma preocupação constante do Estado que, assim, tem de procurar sempre respostas cada vez mais eficazes para um problema que vitima por ano tantos milhares de portugueses. A prioridade do Estado é, naturalmente, remover Portugal do lugar que ainda detêm nas estatísticas europeias de sinistralidade assegurando que anualmente menos vidas se percam e menos portugueses fiquem irremediavelmente diminuídos.

Devo, a este propósito, louvar o esforço de sensibilização dos condutores, de patrulhamento das estradas e de repressão da infracção que a Brigada de Trânsito leva diariamente a cabo. Ela é bem espelho e expressão do que move todo o corpo e todos os efectivos da Guarda Nacional Republicana. Servir a República, servindo os Portugueses. Importa porém dizer que esse esforço, no que respeita ás autuações, é tanto mais eficaz quanto haja efectiva capacidade do Estado de assegurar a sua execução. Os condutores têm de passar a ter a consciência clara de que as “multas”, para usar uma linguagem chã, são para pagar e não para esperar que uma qualquer circunstância as elimine.

Senhoras e Senhores membros da Guarda Nacional Republicana.

Louvo o vosso esforço e a vossa dedicação às missões que vos estão confiadas em circunstâncias e com meios disponíveis que não são os ideais. Isso só engrandece o vosso mérito que como Presidente da República quero sublinhar publicamente, com justiça e com agrado.