Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do I Congresso da Ordem dos Enfermeiros


13 de Dezembro de 2001


Quero começar por saudar, por vosso intermédio, todos os enfermeiros que trabalham nas unidades de saúde e nas escolas de enfermagem do nosso país.

A confiança dos Portugueses no sistema de saúde depende, em larga medida, da forma como se exerce a vossa actividade.

A este propósito existem sinais positivos.

Desde logo pelo ritmo de formação de novos enfermeiros.

A Ordem dos Enfermeiros foi uma das primeiras entidades que entendeu e sublinhou a necessidade de alargar a capacidade de resposta das escolas de enfermagem, de forma a dotar os hospitais e os centros de saúde com os recursos humanos indispensáveis para permitir uma resposta adequada às expectativas dos cidadãos.
E esta melhoria contempla, também, os legítimos interesses de muitos jovens, que pretendem iniciar uma formação na área da saúde. Apesar das elevadas classificações obtidas no ensino secundário e nas disciplinas específicas, o acesso a cursos sem dúvida necessários ao desenvolvimento social do País era extraordinariamente dificultado, penalizando injustamente milhares de jovens portugueses.

Depois, temos vindo a constatar o entendimento que a Ordem dos Enfermeiros faz do seu papel na sociedade portuguesa, não esgotando a sua reflexão e a sua intervenção na estrita defesa da profissão de enfermeiro. Com efeito, o interesse nacional, e em especial o dos Portugueses mais carenciados, está presente no discurso sobre a qualidade dos cuidados de enfermagem e nas preocupações efectivas dos responsáveis da Ordem dos Enfermeiros.

Ou seja, a dignidade e o prestígio da profissão desenvolvem-se coerentemente num quadro de preocupações mais latas com a efectividade social das políticas de saúde.

Penso, porém, que se torna necessário reforçar o sentido de proximidade dos enfermeiros face a quem necessita de cuidados de saúde. A uma crescente diferenciação na formação e a uma crescente complexidade na actividade profissional, não deve corresponder um distanciamento físico ou afectivo em relação aos doentes. A essa tentação devem resistir os enfermeiros.

Depois, penso que deve ser reforçado o entendimento de que o acto de saúde é pluridisciplinar, de que para o levar a cabo são necessários crescentes e aprofundados saberes, e que, também por isso, é necessário não perder de vista o âmbito de intervenção de cada um dos profissionais e a sua indispensável coordenação.

Depois, conto - contamos todos - com a indispensável contribuição dos enfermeiros para melhorar a equidade e a eficiência do sistema.

Uma das formas de melhorar a equidade do sistema é a de, progressivamente, dar voz aos destinatários dos cuidados de saúde. Vejo com satisfação que se vai dar corpo a formas de participação e de acompanhamento, quer em domínios estratégicos, quer a nível institucional, formas essas previstas há muito em diplomas legais.


A sociedade civil tem aqui um papel insubstituível, que a administração e os profissionais não podem nem devem desempenhar, sob pena do sistema se organizar e ser controlado em função do interesse dos prestadores de cuidados.

É necessário por parte de dirigentes da administração pública, o apoio activo a estes mecanismos de parceria com a sociedade, ou, no mínimo, dando cumprimento ao que diversos normativos estipulam.

O prestígio do Estado, o interesse público, a confiança nos processos negociais e nos seus actores e nos compromissos assumidos, exigem lideranças na administração pública com vastos conhecimentos técnicos e com uma noção clara dos valores democráticos presentes na actuação do Estado e das formas mais justas e efectivas de os alcançar.

Só poderemos modernizar o sistema de saúde, sem risco de cair em novas e perigosas formas de exclusão social e de descontrolo de gastos, se a administração estiver dotada do indispensável conhecimento para negociar e regular um sistema, cada vez mais complexo e no qual os diversos agentes manifestam e perseguem objectivos e interesses diversos e, por vezes, antagónicos.
Em nota final sobre as preocupações com os valores da equidade, constato, com satisfação, que preparamos respostas mais solidárias perante o risco de novas situações de exclusão, colocadas por recentes imigrações.

Depois, conto - contamos todos - com a intervenção, eu diria com a militância cívica, dos enfermeiros para promover respostas mais eficientes do nosso sistema de saúde. Deparamo-nos com situações socialmente intoleráveis de gabinetes de consulta vazios, ou de salas de operações com uma baixa utilização, enquanto milhares de doentes aguardam por uma intervenção cirúrgica ou por uma consulta em algumas especialidades. Esta situação não pode constituir uma fatalidade do sistema de saúde português.

Por isso, com as necessárias cautelas, com a evidência que a investigação, a mais diversa, nos demonstra, podemos avançar, em ritmo mais acelerado, para novas fórmulas de organização dos serviços de saúde. Novos modelos jurídicos e orgânicos que preservem os direitos e as expectativas dos profissionais, que lhes proporcionem, aliás, maior motivação e que permitam mais ganhos em saúde, com os já razoáveis recursos financeiros envolvidos neste sector.

Esta é, não me canso de repetir, também uma exigência ética. A ética não se esgota no acto isolado da intervenção profissional de cada um. A adequada gestão dos recursos no sistema de saúde é um imperativo ético. O gestor não pode despreocupadamente ignorar valores esmagadores de défice, as suas causas e a forma de o controlar. O decisor político não deve manter leis limitadoras da autonomia das unidades e da responsabilização dos dirigentes, enquanto se consomem recursos vastos, por vezes de uma forma manifestamente ineficiente.

Torna-se, portanto, necessário agir, mesmo quando certas regalias dos profissionais possam ter que ceder perante o interesse mais vasto que é o da sociedade e, em particular, dos cidadãos doentes.

Os enfermeiros sabem, de há muito, o que representa cuidar de quem sofre. Esse é um dos motivos da estima e da consideração que todos temos por vós.

Porém, a sociedade é, cada vez mais, exigente.

Por isso, pede-se aos enfermeiros um conhecimento pluridimensional dos problemas, uma compreensão das exigências da sociedade, mas também o conhecimento das necessidades, tão prementes, daquele doente concreto, que tem um nome, que está diante de cada um de vós no hospital ou no centro de saúde.

A preservação e mesmo o reforço dessa especial atenção que cada criança, cada mulher ou cada homem doente espera de vós, é provavelmente uma das chaves para melhorar a confiança dos Portugueses na qualidade dos cuidados de saúde.

Acredito que os enfermeiros Portugueses querem empenhadamente tomar esta chave nas suas mãos.