Cumprimentos Corpo Diplomático


11 de Janeiro de 1999


Senhor Núncio Apostólico

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão

Agradeço-lhe, Excelência Reverendíssima, os votos tão amáveis que me transmitiu em nome do Corpo Diplomático.
   
São votos que gratamente retribúo, pedindo-vos, Senhores Embaixadores, que transmitais aos vossos Chefes de Estado, aos vossos Governos e aos vossos povos, os votos sinceros que formulo pelo seu bem estar e progresso crescentes neste novo ano que acabamos de iniciar. Ano este que, na consciência generalizada, assinalará o final do século e do milénio, revestindo-se, assim, de uma carga simbólica particular.
   
O ano que se concluiu ficou assinalado por alguns acontecimentos particularmente importantes à escala mundial. Uns de sinal positivo, outros, infelizmente, de efeitos preocupantes e tantas vezes negativos.
   
Quanto aos primeiros, lembro a Sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, dedicada à droga, e a clara determinação política, então evidenciada, de encarar frontalmente e de forma solidária uma questão que mina, tão dramaticamente, todas as nossas sociedades.
   
Entre os fenónemos de sinal particularmente negativo, gostaria de referir a crise económica e a turbulência financeira que, a partir da Ásia, se propagaram a outras regiões, com consequências igualmente preocupantes, ameaçando a estabilidade e o desenvolvimento de vários países.
   
Num e noutro caso ficou patente a necessidade de reforçarmos constantemente a nossa cooperação, por forma a encontrar soluções comummente aceites e eficazes, portadoras de confiança e de esperança, que nos permitam fazer face, solidariamente, aos novos e antigos desafios.
   
Soluções que garantam o desenvolvimento económico e social, que diminuam as disparidades existentes, que combatam a pobreza e a exclusão, que sejam factores de consolidação democrática, de estabilidade internacional e de paz.
   
Reconhecer a realidade de um mundo global em construção, fenómeno inelutável do nosso tempo, não significa nem pode significar que aceitemos, passivamente, todos os seus efeitos, nem permitir que, à sombra da globalização dos mercados, os grandes fluxos económicos e financeiros se desenvolvam sem um conjunto de regras mínimas e possam pôr em causa os valores da democracia, da solidariedade, do progresso e da coesão social em que firmemente acreditamos.
   
Entre os desenvolvimentos de carácter positivo que ocorreram no ano passado, gostaria igualmente de assinalar a decisão de estabelecer um Tribunal Penal Internacional, assim como a criação da Moeda única europeia, que constituirá, estou certo, um elemento poderoso de estabilidade financeira e de progresso económico à escala mundial.
   
Para Portugal, 1998 foi um ano particularmente significativo, marcado por acontecimentos de tão grande alcance como a nossa integração no grupo de países fundadores da Moeda única europeia, a realização da EXPO, a reunião da 8ª Cimeira Ibero-americana no Porto, a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago.
   
A EXPO 98 constituiu um grande acontecimento humano no qual nós, portugueses, nos revemos com orgulho. Em torno dos mares e da nossa aventura marítima, festejámos o encontro sempre renovado e enriquecedor entre povos e culturas, a criatividade científica e cultural, a paz e o progresso.
   
Orgulhamo-nos do apoio caloroso e tão expressivo que a Comunidade internacional nos concedeu e que muito contribuiu para o seu sucesso; agradeço muito sinceramente o empenho de todos os países e organizações representadas, assim como a diversidade tão rica das propostas que trouxeram a Lisboa.
   
Os trabalhos da 8ª Cimeira Ibero-americana demonstraram mais uma vez a utilidade de um espaço de concertação e de entendimento estreito entre povos que partilham as mesmas línguas e culturas, aprofundando a sua cooperação mútua e reforçando as relações entre a Europa e a América Latina.
   
Creio que as conclusões desta Cimeira e particularmente a declaração sobre a situação financeira internacional sublinham, justamente, a solidariedade essencial que deve prevalecer na abordagem e resolução dos problemas que afligem as nossas sociedades.
   
De igual modo, a Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, reunida em Cabo Verde, marcou uma nova etapa no estreitamento dos laços e da cooperação entre os sete países que a compõem. Valorizámos a solidariedade que nos une, reforçámos a nossa projecção na cena internacional e nos diferentes contextos regionais em que cada um dos nossos países se insere, avançámos com novas iniciativas concretas destinadas a aprofundar a nossa cooperação multifacetada.
   
Neste contexto, gostaria de mencionar a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a um escritor português, prémio este que, honrando o escritor, é motivo de legitimo orgulho para todos quantos, nos diferentes continentes, pensam e se exprimem nesta nossa língua comum.
   
Quero igualmente referir, com particular agrado, a forma empenhada e eficaz como a CPLP contribuiu para a superação pacífica da crise na Guiné-Bissau, que se espera tenha encontrado a sua definitiva resolução no acordo que conduziu à formação de um Governo de Unidade Nacional.
   
Mas não posso deixar, por outro lado, de manifestar a minha mais viva preocupação pela situação que se vive em Angola, preocupação tanto maior quanto não podem ser hoje ignorados vários indícios da sua envolvência por uma mais vasta e perigosa crise regional.
   
A Comunidade Internacional, que já tanto investiu na procura da reconciliação definitiva dos angolanos, não pode permitir que prevaleça uma situação em que são sistematicamente desrespeitadas as resoluções do Conselho de Segurança e violados os acordos livremente aceites.
   
Na Europa, Portugal participou, com o mesmo empenho e rigor que sempre consagrámos ao processo de integração europeia, em novas etapas decisivas para o aprofundamento deste projecto original e dinâmico: a concretização da União Económica e Monetária e o início das negociações que conduzirão ao alargamento progressivo da União aos países da Europa central e oriental.
   
O sucesso da união monetária dependerá de uma convergência crescente entre as políticas económicas e sociais dos Estados membros da União, do reforço constante das condições de coesão no espaço europeu e da redução das disparidades entre as diversas regiões que o compõem.
   
São estes os desafios com que a Europa se defronta e aos quais terá de dar uma resposta cabal, sob pena de se perder o sentido e a razão de ser de um projecto que tem de continuar a ser de todos e para todos, assumindo, com coragem, a solidariedade e o esforço de coesão económica e social que constituem os seus fundamentos essenciais.
   
São estes os princípios e os valores que continuaremos a defender, nomeadamente no quadro das negociações relativas à chamada Agenda 2000.
   
A Aliança Atlântica passou a incluir, no ano transacto, três novos Estados, reforçando as suas condições de elemento fundamental para a estabilidade e a segurança do nosso continente.
   
Defendemos que este processo seja prosseguido, na base de considerações objectivas e por forma a fortalecer a estabilidade democrática na Europa e o reforço da cooperação euro-atlântica, estabilizando paralelamente as nossas relações com o Mediterrâneo, a Rússia e a Ucrânia.
   
De igual modo, e com os mesmos propósitos, consideramos indispensável prosseguir o desenvolvimento da Identidade Europeia de Segurança e Defesa, dotando a Europa de meios operacionais eficazes que lhe permitam agir na defesa dos seus interesses próprios.
   
Novas propostas têm surgido relativamente à forma de garantir estes objectivos. Mas, quer no que diz respeito à PESC quer no que se refere a uma política europeia de defesa, o fundamental será a existência de uma vontade política, de um propósito comum, de um claro desejo de criação das condições indispensávies para a sua prossecução.
   
Tenho para mim que a construção europeia avançará sempre desde que prevaleça o projecto, a visão política e solidária que a enforma.
   
No final do ano terá lugar a transferência de poderes no Território de Macau, nos termos acordados entre Portugal e a República Popular da China na Declaração Conjunta.
   
É um momento importante para todas as partes. Portugal tem orgulho na sua História e boas razões para se sentir orgulhoso com Macau, uma cidade com características únicas, com uma administração moderna, uma economia desenvolvida e uma sociedade tolerante, empenhada na construção do seu futuro colectivo. Partilhamos com Macau a sua confiança, certos de que o quadro de autonomia, previsto pela Declaração Conjunta, assegurará a continuidade das suas instituições, do seu direito próprio, do seu modelo económico e do seu modo de vida.
   
As relações entre Portugal e a China, as mais antigas entre um Estado europeu e a grande potência da Ásia oriental, entram numa nova fase, que ficará marcada pela sua cooperação, que sempre desejámos exemplar, no processo de transição de Macau. Pela minha parte, estou certo de que o respeito mútuo e o espírito construtivo, demonstrados nesse processo complexo, antecipam um fortalecimento das nossas relações bilaterais e das relações entre a União Europeia e a China.
 
Senhores Embaixadores,
   
Celebrámos, no ano que passou, o quinquagésimo aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que traduziu, em 1948, a imensa aspiração à liberdade, à justiça e à paz suscitada pelos horrores vividos por milhões de seres humanos durante o conflito mundial.
   
Esta proclamação convocava todos para um combate que está longe de ter terminado: basta olharmos à nossa volta, para os conflitos étnicos que perduram, para as guerras endémicas, para os processos de paz que se ficam pelas palavras na ausência de uma verdadeira vontade política, para tantos seres submetidos à tortura e a tratamentos degradantes, para os massacres, a violência sobre as mulheres e as crianças, para a fome, a miséria e a exclusão que não só continuam a existir por todo o lado como se agravaram em muitas regiões.
   
Estamos, pois, longe de termos cumprido os objectivos da Declaração e temos todos, nisso, alguma responsabilidade.
   
O estabelecimento do Tribunal Penal Internacional constitui, sem dúvida, um passo importante para melhor garantir uma mais eficaz protecção dos Direitos Humanos à escala internacional, e faço votos para que a sua efectiva criação seja, rapidamente, uma realidade.
   
Mas nenhum Tribunal, por melhor e mais efectiva que seja a jurisdição que estabelece, será suficiente, por si só, para garantir a protecção dos Direitos Humanos; cabe-nos a todos nós zelar pelo seu constante respeito e pelo aprofundamento permanente dos objectivos enunciados, há cinquenta anos, em Paris.
   
Compreenderão, Excelências, que aborde neste contexto a questão de Timor-Leste, onde os direitos cívicos e políticos só podem passar a ser uma realidade quando se restaurar uma situação de paz no Território e os Timorenses poderem livremente conduzir os seus destinos.
   
A nossa posição é bem conhecida. Portugal não tem quaisquer interesses egoístas na questão de Timor-Leste. Tem o dever de defender os direitos dos Timorenses e, designadamente, o seu direito à autodeterminação, nos termos previstos pela Carta das Nações Unidas.
   
Nesse quadro estamos empenhados em trabalhar, com todas as partes interessadas, sobre as propostas das Nações Unidas que prevêem a criação de um estatuto especial para o Território, como uma etapa significativa num processo de transição que possa tornar possível o exercício livre e democrático do direito de autodeterminação que a comunidade internacional reconhece como um direito inalienável dos Timorenses.
   
Neste momento, é particularmente importante assegurar a plena participação dos Timorenses, designadamente através dos bons ofícios do Secretário-Geral das Nações Unidas, nas conversações sobre as propostas apresentadas, que deveriam, nomeadamente, assegurar a constituição de instituições políticas representativas da comunidade timorense. Paralelamente, parece urgente garantir a libertação dos presos políticos timorenses, uma efectiva presença das Nações Unidas e as condições mínimas de estabilidade do Território.

Excelência Reverendíssima

Senhores Embaixadores e Chefes de Missão
   
A ordem internacional tem de assentar no primado e no respeito pelo Direito Internacional, no empenho sincero na resolução pacífica dos diferendos, na boa-fé e na confiança mútua entre os Estados, na coerência das atitudes.
   
A estabilidade internacional e a paz não se compadecem com atitudes imediatistas; requerem coragem e perseverança, concertação e diálogo; requerem também o respeito escrupuloso pela legalidade internacional, pelas competência próprias das instâncias internacionais; requerem sempre que prevaleçam a Razão, a Justiça e a solidariedade.
   
Como disse, este ano que iniciamos reveste-se de um simbolismo particular.
   
Será, para todos, estou certo, um ano exigente.
   
Desejo-vos que seja também um ano de paz e de progresso para os vossos povos, e de bem-estar para os Chefes de Estado que aqui representais.
   
Pedirei especialmente aos Embaixadores dos países que tive o prazer e a honra de visitar no ano passado que transmitam os meus reiterados agradecimentos a Sua Majestade o Rei de Marrocos, e a Suas Excelências os Presidentes Herzog, Kwasniewski e Kuchma pela forma tão cordial como me acolheram e de que guardo recordações indeléveis.
   
Muito obrigado e bom ano !