Discurso do Presidente da República no Congresso do Ano Internacional dos Voluntários

Lisboa
01 de Dezembro de 2001


Congratulo-me vivamente com a realização deste Congresso do Ano Internacional dos Voluntários. Trata-se de um acontecimento da maior importância na sociedade portuguesa. Nele se consagra a actividade, por vezes heróica, de tantas pessoas que, hoje e no passado, têm sabido enriquecer a tradição do trabalho voluntário.

Ao longo desta manhã foram apresentados vários estudos promovidos pela Comissão Nacional para o Ano Internacional dos Voluntários. Através deles, ficámos a conhecer melhor o trabalho voluntário e a dispôr de bases mais consistentes para a sua renovação.

O conhecimento do voluntariado conduz-nos, quase inevitavelmente, a esta pergunta: como seria a sociedade portuguesa sem ele? – Seja qual fôr a resposta, ensinam-nos a história e a experiência actual que o trabalho voluntário brota espontaneamente do próprio relacionamento interpessoal, é uma expressão universal de cidadania e constitui um dinamismo básico de qualquer sociedade humana.

Em Portugal, o trabalho voluntário tem uma longa história, e tem desempenhado um papel fundamental na prevenção e solução de muitos problemas. Convém recordar, a propósito, que as suas raízes precederam o Estado moderno e até a própria formação da nacionalidade.

Ao longo de toda a Idade Média, procurou dar resposta aos diferentes problemas sociais e criou instituições diversas, de que se destacam as Misericórdias. Pode afirmar-se que, nessa época recuada, surgiu como verdadeiro sistema de protecção social, naturalmente incipiente, limitado e sem a consagração de direitos sociais.

Também remontam há muitos séculos as primeiras iniciativas de mutualismo e de associações de bombeiros. Num caso e noutro, esboçaram-se linhas de força bastante fortes que estiveram na origem do associativismo não confessional.

Deve afirmar-se, em abono da verdade, que o voluntariado foi pioneiro em relação ao trabalho remunerado e soube viver sem apoios estatais: abriu caminhos para a introdução do trabalho remunerado e até o enquadrou em instituições de base voluntária, antes do aparecimento de instituições profissionalizadas, de natureza pública ou particular.

Olhando ainda para o passado, recorde-se o impulso dado no século XIX ao voluntariado não confessional. O sindicalismo, o mutualismo, o cooperativismo, o associativismo em geral e os movimentos políticos impuseram-se a partir dessa época. É caso para perguntar: que seria da nossa democracia, desde os seus alvores, sem o trabalho voluntário da grande maioria dos seus militantes?

Entretanto, ganharam vulto as colectividades de cultura e recreio, as bandas de música, as associações desportivas, as de base económica e tantas outras que vêm enriquecendo o espectro do voluntariado no país. Nas últimas décadas do século XX, destacaram-se novos domínios de voluntariado tais como: os direitos humanos, o ambiente, a cooperação para o desenvolvimento, o desenvolvimento local.

Com base na experiência do passado e na própria natureza do voluntariado, podemos afirmar que este constitui uma realidade estruturante da sociedade portuguesa, como de qualquer outra sociedade. Ele baseia-se em impulsos anímicos de solidariedade e de cidadania. Mais ou menos organizado, surge como frente avançada nas diferentes situações humanas e sociais, procurando as respostas consideradas necessárias.

Os seus princípios e valores consagrados na respectiva lei – especialmente a gratuitidade, a solidariedade, a responsabilidade e a participação – constituem motivação de fundo, aliciante para qualquer cidadão. E correspondem a algumas das mais fortes motivações juvenis. Por tal motivo, justifica-se integrá-lo no processo educativo, como dimensão fundamental, em articulação com o desenvolvimento de iniciativas de voluntariado jovem.

A família, a escola, a empresa, outras instituições locais e as populações envolventes são espaços, naturalmente privilegiados, para a prática e a interiorização do voluntariado. E sê-lo-ão tanto mais quanto a escola se inserir na comunidade local, a empresa assumir as suas responsabilidades sociais, todas as instituições locais souberem convergir para objectivos comuns e as populações envolventes congregarem esforços na consciência de problemas e na procura das respectivas soluções.

Neste quadro de referência, importa acentuar que, muito embora o trabalho voluntário se distinga do trabalho profissional remunerado e da iniciativa económica lucrativa, não justifica nenhum tipo de incompatibilidade. Pelo contrário: as três actividades completam-se umas às outras, acontecendo até, não raro, que as mesmas pessoas se dedicam a mais do que uma, em percentagens de tempo variáveis conforme as suas condições de vida e motivações.

Porque o trabalho voluntário é tão indispensável como o remunerado, e porque a sua base solidária e cívica o leva a actuar nas diferentes situações-problema, seria altamente recomendável que recebesse um forte desenvolvimento a partir deste Ano Internacional dos Voluntários. Seria do maior interesse, a favor da prevenção e solução dos diferentes problemas, que existisse, em cada localidade, um ou mais grupos locais de voluntariado. E que tais grupos actuassem em estreita cooperação, ou parceria, entre si e com outros agentes locais.

A existência dos grupos de voluntariado proporcionaria o conhecimento dos problemas, o esforço de prevenção e solução, bem como a necessária acção concertada.

Não faz sentido responsabilizar o voluntariado pela solução dos diferentes problemas do país. O que se lhe pode pedir é que actue no contacto directo com os problemas e com as pessoas neles envolvidas, diligenciando intervir junto das entidades públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, capazes de contribuirem para as soluções necessárias.

Sem prejuízo da relevância a atribuir ao conjunto de conclusões que o Congresso venha a adoptar, afigura-se-me que a criação de grupos de voluntariado por toda a parte merece inscrever-se entre as fundamentais. Em qualquer caso, fico na expectativa dos resultados do Congresso, que poderão ser determinantes na evolução futura do trabalho voluntário.

Agradeço o esforço realizado por todas as pessoas que prepararam o Congresso. Tal esforço procurou corresponder, certamente, à honrosa história do voluntariado e contribuir para que assim continue no futuro.

Bem hajam, todos, por tudo o que foi realizado e pelos novos horizontes que estão a abrir.