Palestra do Presidente da República numa Sessão do Mestrado em "Gestão, Ciência, Tecnologia e Inovação"

Aveiro
31 de Janeiro de 2002


Uma brevíssima nota prévia para, em primeiro lugar, saudar a Senhora Professora Helena Nazaré pela sua recente eleição como Reitora da Universidade de Aveiro e apresentar-lhe os votos das maiores felicidades no seu novo cargo; e para, em segundo lugar, manifestar aos Professores Borges Gouveia e Rosa Pires a satisfação com que correspondi ao seu desafio para participar no mestrado que orientam sobre "Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação".

Não será preciso, caros estudantes, pôr ênfase no gosto confessado com que sempre volto à Universidade, para testemunhar as suas múltiplas actividades, para sublinhar a função social que desempenha, para a exortar, como por vezes também sucede, a uma intervenção mais ousada no processo de mudança do nosso país.

Aceitei vir aqui hoje fazer-vos uma pequena comunicação versando o tema "Sistema Político e Inovação", um tema que, como calcularão, é motivo de diversas interrogações que dirijo, a começar, a mim próprio, dadas as funções que desempenho e as responsabilidade que me cabem.

Entre essas interrogações está aquela que serve de mote a esta pequena alocução - que deve fazer o sistema político para garantir a difusão da inovação na sociedade?

A pergunta é pertinente e, como a seguir veremos, é de resposta simultaneamente fácil e difícil.

Claro que a palavra inovação exige alguns esclarecimentos (que me perdoem os especialistas). Só queremos inovações boas. Há tendência para qualificar como bom tudo o que é novo. Mas como os indivíduos e as sociedades também fazem erros, temos que admitir que há inovações erradas. Apesar de não serem boas, sempre são inovações, ou porque se distinguem substancialmente de experiências anteriores ou porque são percebidas como inovações.

Sei que todos querem a boa inovação, que não querem a inovação pela inovação, mas julgo valer a pena esclarecer o assunto desde o princípio.

Ninguém duvida que precisamos de inovar. As razões desta necessidade são óbvias. Como dizia Camões, falando da sociedade do seu tempo, devemos também afirmar: nada muda já "como soía". De facto, a própria mudança é diferente da que existia há alguns anos ou algumas décadas. Basta-nos pensar em alguns exemplos de mudança.

Mudança nas atitudes sociais: mudança nas atitudes em relação à maternidade e à paternidade que fizeram a sociedade portuguesa passar de emigratória a predominantemente imigratória no espaço de uma geração; mudança nas atitudes face à violência: os acontecimentos do 11 de Setembro mostram também que no domínio da violência inovações terríveis se preparam sob os nossos pés – e sem que nos déssemos conta delas atempadamente.

Se não inovarmos, entramos num plano regressivo e dificilmente poderemos manter o nível de vida, que temos, conservar a posição de Portugal na Europa, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e no mundo.

Para continuarmos a ser um organismo vivo, temos pois que nos adaptar.

O sistema político, sendo um dos mais importantes sistemas sociais, deverá contribuir para que toda a sociedade inove. Caso contrário, se a contrariar, se a penalizar, ela terá lugar mais dificilmente e de forma muito lenta.

Se o sistema político adoptar uma atitude positiva em relação à inovação, ela desenvolver-se-á a um ritmo desejável.

Podemos perguntar: uma atitude excessivamente aberta do sistema político não contribuirá para que o ritmo de inovação seja excessivamente rápido?

Essa possibilidade é puramente teórica, julgo eu. Existem sempre nas sociedades resistências à mudança. O risco de uma mudança social demasiado rápida parece, de momento, ser mais aparente do que real.

Que contribuição pode o sistema político dar para que a boa inovação se generalize a toda a sociedade? A todos nós ocorrem numerosas medidas que podem ser tomadas. O sistema fiscal poderia, por exemplo, durante uma fase transitória, incentivar as empresas portuguesas que registam marcas e patentes – dado o baixo nível de marcas e patentes que registamos, um dos mais baixos da União Europeia. O mecanismo de financiamento das Universidades poderia, também por exemplo, premiar as que formassem melhores licenciados com menos dispêndio. Podemos multiplicar os exemplos, ao nível da Administração Pública central e local.

Mas quando encaramos medidas concretas, logo nos assalta uma outra pergunta: se a maioria dos portugueses deseja a inovação, qual a razão porque o sistema político é tão lento a difundi-la?

Por outras palavras: em vez de perguntarmos: "que contributo pode o sistema político dar para que a boa inovação se generalize a toda a sociedade?", importa antes perguntar "que condições deve o sistema político preencher para poder difundir a inovação a toda a sociedade?"

O sistema político tem que ser ele próprio inovador – é a primeira resposta que se nos oferece. Se não for inovador, não tem condições de espalhar a inovação. Para o sistema político ser inovador, tem que ser concorrencial. Se o sistema político for um somatório de rendas de situação ou de posições de monopólio, dificilmente inovará.

Assim, por exemplo, quando os regimes, embora democráticos, se deixam dominar pelo fanatismo religioso, logo verificamos que a religião é pretexto para o estabelecimento de monopólios políticos que dificilmente abdicam das suas posições e que aplicam todas as suas energias a rejeitarem a inovação – porque a inovação traz concorrência e a concorrência destrói a base social do poder dos fanatismos e dos monopolismos. Um sistema competitivo age de modo oposto: espalha constantes inovações para manter e alargar a sua base social de apoio.

Temos assim dada a resposta. Um sistema político só espalha a inovação quando é ele próprio inovador – e, por isso, competitivo.

Mas esta resposta é porventura demasiado simples e fácil. Porque não há nem pode haver nenhum sistema político que seja inteiramente concorrencial.

Qualquer regime democrático e concorrencial contém – quase inevitavelmente, diría – elementos de monopólio, elementos não concorrenciais. Os partidos políticos são siglas que podemos comparar a marcas, se fizermos o paralelismo entre o mercado político e o mercado económico. Os próprios dirigentes políticos têm uma função semelhante à das marcas: atraem lealdades duradouras, independentemente da qualidade do produto que fornecem.

Em suma, os partidos políticos, elementos essenciais da democracia, funcionam também como factor de conservação. Face ao mercado político estabelecido, o inovador é desconhecido e tem que pagar um preço alto para nele entrar. O funcionamento do sistema político é, neste sentido, automaticamente desfavorável à inovação.

Pensemos ainda numa outra dimensão política, a dimensão geográfica: quem julga poder organizar um sistema político passando por cima das lealdades locais e regionais? E quem julga poder organizar estas lealdades sem um elemento de monopólio?

É por isso, entre outras razões, que são preferíveis os sistemas de financiamento público das actividades partidárias – pois tornam-nos, em regra mais sensíveis à mudança de opinião do eleitorado e, portanto, mais abertos à mudança.

Qualquer regime democrático e concorrencial contém – não nos iludamos – elementos de monopólio. Uma maioria política pode, por exemplo, ser um factor de monopólio. Uma maioria política é o facto de um Governo poder contar duradouramente com o apoio da maioria absoluta dos deputados. Quem tem a maioria aproveita-se dela. É essa a razão que leva tantos a combaterem-na. Não é, claro, o meu caso.

Uma maioria política pode também ser um factor poderoso de inovação. A maioria política é susceptível de ser um factor de inovação por uma razão básica. É que a inovação exige uma atitude sistémica. Não podemos inovar às Segundas, Quartas e Sextas e regredir às Terças, Quintas e Sábados. Não podemos inovar na técnica de controle da despesa e regredir na técnica de cobrança da receita.

Uma maioria política permite poupar tempo e reunir as inovações necessárias para uma atitude sistémica. Mas – cuidado! – não nos iludamos. Não basta dizermos a palavra «maioria!» para que todos os males se resolvam.

Já tivemos em Portugal governos que dispunham teoricamente de uma maioria parlamentar e eram praticamente quase incapazes de governar. E já tivemos governos minoritários que, agindo em uníssono com a opinião pública, foram capazes de tomar as medidas necessárias na conjuntura. Porque a maioria serve para tomar decisões. Não são as decisões tomadas que automaticamente mantêm uma maioria futura.

O exemplo da maioria permite-me sublinhar a dificuldade de identificar a contribuição do sistema político para a inovação. Com efeito, uma mesma realidade social – a maioria política – pode originar aumento da inovação ou diminuição da inovação.

Digamos então que o sistema político, para inovar, deve ser sempre competitivo. Os elementos de monopólio devem estar sempre subordinados aos elementos jovens, vigorosos, competitivos. Deve, em suma, ser portador de uma cultura de inovação.

Assumir uma cultura de inovação significa privilegiar tanto nas estratégias a definir, como nas parcerias a estabelecer, as perspectivas, as forças sociais que representam a aposta na informação, na aprendizagem, na adaptação, no espírito criativo e empreendedor e no gosto do risco.
Senhora Reitora, Senhores Professores, Caros estudantes,

Quero concluir, agradecendo a paciência com que me escutaram.

Estarei agora, como é próprio do ambiente académico, à vossa disposição para responder às questões que entendam colocar.