Discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia de Inauguração das Novas Instalações do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa

Lisboa
18 de Janeiro de 2002


Quero felicitar o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e a Universidade Técnica de Lisboa pela inauguração deste edifício, com o qual toda a comunidade académica é dotada de excelentes condições para o estudo e para a investigação científica. Quero também exprimir a minha satisfação por este novo progresso verificado no pólo da Ajuda da vossa Universidade.

Gostaria de vos testemunhar a importância que atribuo ao papel que as Ciências Sociais podem desempenhar no conhecimento da sociedade portuguesa e no desenvolvimento do nosso país. Acredito que o vosso trabalho de ensino e investigação em áreas tão diversas como a Antropologia, a Sociologia, as Ciências Políticas, as Relações Internacionais, a Gestão e a Administração Pública, pode contribuir de forma muito significativa para esse grande objectivo.

Permitam-me que aproveite a circunstância de me encontrar nesta escola, e num meio de pessoas dedicadas à educação, para partilhar convosco algumas reflexões sobre este sector em que só o empenhamento de todos permitirá alcançar os necessários progressos na oferta e na qualidade da educação e da formação.

Por considerar o atraso deste sector um dos condicionamentos mais graves ao nosso desenvolvimento assumi, como uma das prioridades dos meus mandatos, seguir de perto a sua evolução. Tenho hoje um sentimento misto de satisfação por ver o caminho percorrido nos últimos anos, mas também de preocupação com o futuro.

O desenvolvimento educativo constitui uma base decisiva para as mudanças que se impõem à sociedade portuguesa, designadamente no que diz respeito ao desenvolvimento social, cultural, económico e à promoção de uma sociedade pautada por forte sentido cívico.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A minha intervenção tratará algumas preocupações que tenho sobre o desenvolvimento educativo do nosso país.

Quero, em primeiro lugar, transmitir-vos uma nota de optimismo e esperança que se prende com a democratização do acesso a todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao superior.

Nunca é demais lembrar que entre 1985 e finais da década de noventa, as taxas de escolarização na educação pré-escolar subiram de vinte e sete para cerca de setenta por cento.

No terceiro ciclo do ensino básico a subida foi de cerca de quarenta para quase noventa por cento e no ensino secundário de cerca de dezoito para mais de sessenta e três por cento. São números de que nos devemos orgulhar.

Passámos, em pouco tempo, de um sistema reservado a uma elite, a um sistema aberto à maioria da população portuguesa jovem. As crianças e os jovens provenientes das camadas sociais mais desfavorecidas e das regiões do interior - que dificilmente acediam à escola ou cedo a abandonavam - têm hoje novas oportunidades.

É também com agrado que verificamos uma evolução muito positiva no modo como a sociedade em geral e as famílias portuguesas em particular encaram a educação, considerando-a um investimento indispensável ao futuro do país e das pessoas.

Mas temos ainda de continuar este investimento e estabelecer metas para aumentar as taxas de escolarização. Com efeito, se compararmos as taxas de frequência dos ensinos básico e secundário com as dos outros países da OCDE constatamos que há ainda uma distância grande a percorrer.

Ao nível da escolaridade obrigatória tem de ser realizado um trabalho grande para a sua generalização com qualidade, extensivo ao ensino secundário, que ainda apresenta taxas de diplomados muito baixas quando comparadas com a média de setenta e nove por cento nos países da OCDE e cerca de noventa e cinco por cento no Japão.

Foi grande o esforço financeiro realizado, permitindo recuperar parte do atraso acumulado pelo nosso país, designadamente em matéria de instalações e equipamentos. Uma parte significativa dos edifícios escolares dos diferentes níveis de ensino têm condições satisfatórias de funcionamento. No ensino superior a situação é muito favorável. Grande parte das escolas, e em particular as escolas novas, têm excelentes condições de trabalho.

É importante que a sociedade portuguesa tome consciência deste progresso considerável do investimento na educação. Esforço que é necessário prosseguir.

A minha segunda preocupação diz respeito à necessidade de promover uma educação de qualidade para todos os alunos. Vejo hoje, com apreensão, aumentarem as expressões de descontentamento, no que diz respeito aos resultados obtidos pelos alunos nas escolas portuguesas. Os testes internacionais, mesmo analisados com todas as reservas, não são, com efeito, satisfatórios para nós.

Temos de ser capazes de mudar esta situação e melhorar os níveis de aprendizagem proporcionados.

A promoção do acesso não é condição suficiente para democratizar e garantir qualidade, uma vez que os alunos têm à partida situações muito diferentes. O modelo de escola destinado a populações relativamente homogéneas não serve a escola de hoje. Sabemos a distância que existe entre aqueles que pertencem a famílias com elevadas formações académicas e ambientes estimulantes de um ponto de vista cultural e aqueles que não dispõem destas condições. A uns como aos outros deve ser exigido trabalho e esforço, mas em todos deve ser despertado o gosto por aprender. A escola deve, igualmente, ensinar a estudar e deve criar hábitos de responsabilidade e cidadania.

Para que tal aconteça, é preciso que se trabalhe muito mais e é necessário compreender que o trabalho a realizar tem de ser diferente.

O desenvolvimento de uma cultura de avaliação é decisivo para a melhoria da qualidade do ensino. Uma avaliação da qual é essencial que se tirem consequências.

No ensino superior há um trabalho avançado nesse sentido. Apesar de alguns passos pontuais desenvolvidos com mérito, há ainda todo um sistema a criar para que seja possível existir nos ensinos básico e secundário uma cultura de avaliação.

A escola que defendo é uma escola de exigência para todos os alunos e professores. É uma escola que premeia o esforço daqueles que trabalham para que todos os alunos aprendam, mas é também uma escola que não aceita a indiferença face às dificuldades dos alunos e que cria condições para ajudar os professores a serem mais competentes e eficazes.

No contacto com escolas difíceis tenho conhecido gestores, professores e funcionários dedicados, cujo mérito é reconhecido por toda a comunidade escolar e que são prejudicados por uma imagem negativa que não podemos deixar alastrar. A avaliação dos professores deve, a meu ver, servir para valorizar os bons professores, ajudar a melhorar os que o queiram fazer, mas também penalizar aqueles que não cumprem as suas funções.

É urgente criar os instrumentos de avaliação necessários para prestigiar os docentes e as escolas.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Pensar uma educação de qualidade na sociedade de hoje obriga-nos a reflectir sobre a formação dos cidadãos que a escola e a sociedade promovem.

Sabemos que, na sociedade da informação e do conhecimento, se aprende nas mais diversas circunstâncias e com os mais variados recursos educativos. Os media desempenham um papel particularmente importante, são hoje poderosas “escolas” com as quais muito se aprende. Esta educação informal que adquirimos, com os media, com as associações em que participamos, com as experiências de vida e de trabalho começa a ser admitida e, em muitos casos, mesmo reconhecida e creditada.

Grande parte da nossa consciência de cidadãos, da nossa formação cívica e do que sabemos sobre a sociedade é adquirido através de processos de educação informal.

É importante que se tome consciência desta dimensão educativa e formativa da sociedade. À escola pede-se que compreenda os novos papéis que decorrem desta evolução e assuma uma formação dos cidadãos - crianças, jovens e adultos - em que se aprenda, designadamente a organizar a informação, a ter distância relativamente ao que se ouve e vê, a fazer escolhas pessoais, a compreender e intervir no mundo em que se vive.

Mas é essencial que as instituições através das quais se aprende na sociedade - associações, partidos políticos, media - tomem consciência da sua capacidade de ensinar.

Os partidos políticos devem ser, neste momento privilegiado de debate, veículos importantes de educação e de formação. Seria, por isso, fundamental que assumissem uma dimensão, também pedagógica, nos seus discursos e nas suas práticas.

Gostaria, finalmente, de exprimir a minha preocupação sobre a necessidade de gerir da melhor forma os recursos que temos. Tenho defendido, e defenderei sempre, a importância do investimento na educação, mas é indispensável repensar a utilização dos recursos. A evolução demográfica originando a diminuição do número de alunos, que se começa a fazer sentir também no ensino superior, obriga a que se repense a oferta educativa existente, designadamente em termos da rede física e das formações oferecidas. A racionalização e a redistribuição dos recursos deve ter como principal objectivo melhorar a qualidade da educação e das escolas, colocando o interesse do aluno no centro do desenvolvimento educativo.

A redistribuição de recursos é necessária para ultrapassar a situação de pobreza de muitas das escolas portuguesas, sobretudo do 1º ciclo do ensino básico em que os meios para a promoção da educação e da cultura são muito inferiores aos dos outros países da Europa.

Uma palavra ainda para o papel das autarquias que pode ser decisivo para a melhoria da qualidade do ensino, sendo a meu ver necessário que se avalie e faça um balanço do que tem sido esse papel. É importante prosseguir na transferência para as autarquias das competências previstas. Mas há novas funções que o poder local pode desempenhar como aglutinador dos diferentes parceiros educativos, mobilizando uma responsabilidade social em torno do desenvolvimento educativo e da integração de todas as crianças e jovens. É também importante que promovam projectos que visem a formação cívica de todos os cidadãos.

Acredito nas comunidades educadoras, que promovem a interacção entre as pessoas, a integração educativa e social e o desenvolvimento cultural dos seus habitantes.

É com orgulho que vejo mais esta obra de qualidade da arquitectura portuguesa e que apelo para que, com sentido cívico, se saiba tirar o maior partido das suas instalações e equipamentos, valorizando-os e preservando-os.

Com este edifício a vossa comunidade escolar adquire novos meios que rentabilizarão, seguramente, o trabalho de professores e alunos.

Colocam-se, agora, novos desafios e responsabilidades a que, estou certo, saberão responder, para bem dos vossos alunos e do país.

Renovo as minhas saudações à comunidade educativa que vai usar estas instalações e desejo-vos um bom trabalho!