Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do Debate "Qualidade e avaliação da educação para um novo contrato sócio-educativo"

Lisboa
12 de Março de 2002


É com muito prazer que participo neste seminário destinado a debater uma temática a que atribuo a maior importância.

Quero felicitar o Conselho Nacional de Educação pelo contributo que tem vindo a prestar na concertação educativa, na procura de consensos, na elaboração de importantes pareceres e propostas, e na promoção de um melhor conhecimento da nossa realidade.

Tenho defendido sistematicamente que este sector deve ser encarado como uma responsabilidade de toda a sociedade, exigindo o envolvimento de diferentes parceiros no debate e na acção. Considero por isso o papel do vosso Conselho da maior relevância.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Este é um momento de balanço e reflexão sobre os caminhos percorridos e sobre os desafios do futuro. Permitam-me por isso que vos transmita algumas experiências e considerações sobre este sector.

Desde o início do meu primeiro mandato que tenho vindo a acompanhar situações e problemas educativos, através de visitas realizadas em todos os níveis de ensino e de encontros com diferentes parceiros e estudiosos destas matérias.

É com o maior interesse que tenho conhecido o trabalho que se realiza hoje em projectos de excelência, no plano da ciência e do ensino, e que tenho contactado realidades bem diferentes e difíceis, vividas, por exemplo, nas pequenas escolas do mundo rural, ou nas periferias das grandes cidades. Nestes casos, em que se vive um quotidiano muito difícil, tenho conhecido projectos de grande qualidade, portadores de novas soluções para novos problemas.

Projectos em que alunos, cuja vida decorre com grandes privações em meios sociais muito difíceis, são apoiados e orientados conseguindo, com esforço individual e das suas escolas, vencer os obstáculos com que são confrontados, afirmar-se pelas suas capacidades.

Projectos que visam criar ambientes educativos onde se aprende a participação na vida colectiva, se descobre o prazer do esforço para aprender e se estimula a formação cultural e cívica.

Projectos que são bem diferentes nos resultados atingidos, mas em que é igualmente legítimo falar de qualidade.

Todavia e infelizmente nem sempre o esforço individual existe, nem as instituições conseguem organizar-se para proporcionar condições de integração educativa e de qualidade nas aprendizagens. Nestas escolas, mesmo que alguns dos seus alunos obtenham grandes êxitos, persistem elevados índices de abandono e exclusão que questionam a qualidade.

Apesar do muito que há para fazer, é com optimismo e esperança que vejo a democratização do acesso a todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao superior, verificada nas últimas décadas. Trata-se de um processo de que nos devemos orgulhar .

É também com agrado que verifico uma evolução muito positiva no modo como a sociedade em geral, e as famílias portuguesas em particular, encaram a educação considerando-a, cada vez com maior frequência, um investimento indispensável ao futuro do país e das pessoas.

Não podemos porém repousar, porque é necessário melhorar a qualidade, aumentar ainda os níveis de frequência e porque as respostas às necessidades de educação e formação da população activa portuguesa são insuficientes e mal adaptadas aos novos públicos.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Porquê evocar aqui situações tão diversas e mesmo contraditórias?

Em primeiro lugar, por achar necessário repensar o significado de qualidade do ensino e porque considero muito importante a reflexão que o Conselho Nacional de Educação está a realizar nesse sentido. Nunca será demais associar, como o estão a fazer aqui, o binómio avaliação /qualidade. A avaliação dos alunos, dos professores e das escolas deve ser cada vez mais considerada como instrumento indispensável à promoção da qualidade.

Os processos educativos de hoje, profundamente diferentes daqueles que conhecíamos há duas ou três décadas, nos seus objectivos, nos públicos a que dizem respeito, exigem de nós humildade para reconhecer a complexidade da realidade e para evitar que se avaliem as situações de forma sumária e sem rigor, muitas vezes tendo como referências exclusivas as de um tempo em que quase tudo era diferente. Exigem também de nós humildade para reconhecer que não existem soluções feitas e que é necessário pesquisá-las com rigor. Falar em qualidade obriga a meu ver pensar essa complexidade.

Em segundo lugar, porque considero indispensável que, na definição das políticas, se tenha em conta a mudança verificada na composição social dos alunos em todos os níveis de ensino, na oferta formativa e na rede escolar. Não queiramos construir soluções para uma escola que não poderá voltar a existir, porque o mundo e os alunos não são os mesmos.

O modelo de escola destinado a populações relativamente homogéneas não serve a democracia e não se adapta às instituições que temos hoje.

Em terceiro lugar, porque temos uma grande diversidade de experiências positivas, visando promover a integração escolar dos alunos e uma educação de qualidade. É necessário conhecer, avaliar e divulgar essas experiências com exigência mas também como a ideia de que a inovação e a pesquisa são necessárias à qualidade do ensino.

É indispensável desenvolver políticas para a inovação que permitam proporcionar maior qualidade numa escola em que todos aprendam.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Na segunda parte da minha intervenção permitam-me que partilhe convosco quatro preocupações.

A primeira preocupação respeita à necessidade de repensar a escola pública de ensino não superior, bem como a formação e os serviços por ela prestados. Não me conformo nem com os insuficientes resultados obtidos nos exames e nos testes internacionais, nem com os elevados índices de insucesso e abandono escolar.

Precisamos de uma escola com equipas educativas, que ofereça serviços de educação, cultura e formação profissional, e em que os alunos possam ser acompanhados nas suas dificuldades e transições. Uma escola exigente nas aprendizagens que promove e em que a vida escolar seja organizada numa perspectiva de formação cultural e de educação para a cidadania. Uma escola que em parceria com as famílias, as autarquias e outras entidades locais, promova o acompanhamento de cada criança.

Uma escola onde exista uma cultura de avaliação e um melhor conhecimento da vida escolar. Uma avaliação, cujos resultados devem ser acessíveis e da qual é essencial que se tirem consequências.

Repensar a escola pública implica também proceder à racionalização dos recursos investidos na educação: meios humanos, verbas e equipamentos. Trata-se de matéria que exige grande responsabilidade de todos e um processo de redistribuição equilibrada que garanta às escolas e, designadamente à escola do 1º ciclo por ser ainda a mais penalizada, condições mínimas de trabalho e acesso a actividades educativas e culturais.

Uma segunda preocupação respeita às políticas relativas ao pessoal docente e em especial ao recrutamento, colocação, avaliação e formação dos professores.

É essencial que as políticas de gestão do pessoal docente coloquem o interesse das aprendizagens e a qualidade do ensino no centro das decisões relativas à estabilização dos professores.

Os professores foram decisivos na história escolar de todos nós . A qualidade da educação continua a exigir competência a cada professor mas exige igualmente o funcionamento de equipas educativas estáveis, uma avaliação pertinente e o reconhecimento do mérito dos docentes, bem como uma formação adequada às suas funções.

Tenho conhecido excelentes professores e funcionários dedicados, cujo mérito é reconhecido pelos colegas mas que são penalizados por uma imagem negativa, injusta e prejudicial à escola que não podemos deixar alastrar. A avaliação dos professores deve ser um instrumento de valorização e prestígio da escola.

A minha terceira preocupação diz respeito à educação ao longo da vida . É necessário melhorar a qualificação de todos os portugueses, e redefinir a missão das instituições educativas de modo a que estas se assumam como centros de aprendizagem e formação ao longo da vida. Centros integrados nas comunidades locais com capacidade para responder a necessidades do desenvolvimento e às expectativas das pessoas, independentemente da sua idade ou do seu percurso académico.

Para que tal aconteça é importante articular sistemas e instituições de educação e de formação, estabelecer parcerias, envolver os diversos actores e racionalizar recursos. Estes sistemas e instituições devem servir os cidadãos, permitir o seu desenvolvimento pessoal e profissional e, dessa forma, contribuir para uma sociedade mais justa, mais coesa, mas também mais competitiva.

A minha quarta preocupação diz respeito ao ensino superior. Graças à sua evolução recente, este sector poderá ter atingido agora um ponto de viragem. Com efeito, nas últimas décadas houve um aumento de formação por forma a corresponder à procura. Nem sempre o modo e o ritmo de crescimento foi, porém, o mais adequado apesar de ter sido criado um sistema de avaliação da qualidade com o objectivo de assegurar que o crescimento não conduzia a uma degradação da qualidade dos cursos.

Hoje, com a excepção de algumas áreas de formação como por exemplo a da saúde, a oferta de formação é, a nível nacional, superior à procura dos candidatos. De acordo com o Censos 2001, a percentagem da população portuguesa que atingiu o ensino superior passou de 2,6% em 1981, para 4,9% em 1991 e 10,6% em 2001. Destes cerca de 1 100 000 portugueses que atingiram o ensino superior, 390 000 são hoje estudantes o que traduz um significativo potencial de crescimento da qualificação dos portugueses.

A diminuição da pressão para continuar a expandir o sistema cria uma oportunidade para o consolidar, reforçando a qualidade pedagógica e científica e adequando a formação oferecida às necessidades das pessoas e do desenvolvimento económico, social e cultural.

O desenvolvimento qualitativo pressupõe:

Inovar nas ofertas de formação, na diversificação dos percursos de formação e nas oportunidades para os nossos concidadãos que não tiveram antes a possibilidade de frequentar o ensino superior.

Inovar na formação adequando os métodos e os conteúdos à realidade dos estudantes de hoje e assegurando que adquirem conhecimentos e competências que lhes permitam ser cidadãos activos e cultos, e exercer com competência a profissão que escolheram.

Diversificar os percursos para que cada um possa escolher vias profissionalizantes ou académicas.

Inovar nas formas de valorizar o conhecimento acumulado e as competências desenvolvidas ao longo da vida, resultado da experiência ou de formações formais ou não formais, creditando-os para o prosseguimento de estudos e a obtenção de graus ou diplomas.

Oferecer alternativas de formação utilizando as possibilidades de ensino a distância ou em horários e com ritmos compatíveis com as responsabilidades sociais, profissionais e familiares dos activos que queiram prosseguir os seus estudos. Tem de ser realizado um esforço considerável pelas instituições de modo a organizar programas e conteúdos pertinentes e adaptados às necessidades.

O objectivo tem de ser sempre servir os portugueses, sem vacilar na procura de cada vez mais igualdade de oportunidades, qualidade e rigor.

Felicito o Conselho de Educação por esta iniciativa e desejo-vos as maiores felicidades na vossa acção ao serviço de uma educação de qualidade, pois, como sabemos, essa é a primeira razão para podermos confiar no futuro.