Discurso do Presidente da República por ocasião da tomada de posse do XV Governo Constitucional

Palácio da Ajuda
06 de Abril de 2002


Senhor Primeiro Ministro e Senhores Membros do Governo
Excelências
Minhas Senhoras e Meus Senhores


Os resultados das eleições de 17 de Março, cuja realização se tornou imperativa para evitar os riscos de um impasse prolongado, representaram uma vontade de mudança que encontra expressão imediata na formação do novo Governo.

Apesar de realizadas numa situação particular que, como tenho repetido, se deve procurar evitar, as últimas eleições revelaram, afinal, que o eleitorado desejava alterar a distribuição política dos mandatos parlamentares. Nesse sentido, a dissolução da Assembleia da República a que entendi proceder teve uma justificação objectiva fundamental e, nessa medida, a realização das eleições pode ser vista como factor positivo de revitalização do sistema político e de estímulo à renovação das forças políticas e dos seus meios de intervenção.

Quero, antes de mais, felicitar o Primeiro Ministro que agora tomou posse. Desejo a Vossa Excelência a todos os membros do novo Governo os melhores sucessos no exercício das vossas funções.

Quero também agradecer ao Primeiro Ministro cessante e reconhecer as suas qualidades e os serviços prestados a Portugal, que se revelaram decisivos num período crucial da vida portuguesa, nomeadamente no quadro de negociações na União Europeia. Este meu reconhecimento é também extensivo, naturalmente, a quantos serviram o país nos seus Governos.

Como sabem bem as gerações políticas, como a minha, formadas na oposição a um regime autoritário de partido único, a alternância no poder é um valor fundamental da democracia. É, também, um sinal de confiança dos cidadãos nas instituições representativas e uma manifestação renovada de uma esperança exigente que se traduz na expectativa de uma resposta pronta e eficaz aos problemas nacionais. São indicações que ganham um significado acrescido quando uma nova geração, a que chamei a “geração da liberdade”, assumiu altas responsabilidades na vida política do País.

Senhor Primeiro Ministro,

A situação do país reclama uma capacidade de decisão política firme e determinada, na defesa dos grandes desígnios nacionais. As mudanças internas e externas colocam-nos numa encruzilhada, em que se joga o futuro da modernização económica, a afirmação de uma sociedade aberta e tolerante, o fortalecimento da coesão nacional e a projecção internacional do nosso país.

Julgo haver no país um consenso sobre os grandes problemas nacionais. Temos de afirmar a nossa ambição colectiva, assente na convicção das nossas próprias capacidades, na nossa qualificação crescente, individual e colectiva, para enfrentar os desafios da inovação e da competitividade, num mundo cada vez mais global e exigente. Temos de combater o laxismo e a apatia, pugnar por uma sociedade mais justa, mais equitativa e mais solidária. Temos de nos mobilizar todos, com confiança, em torno destes objectivos, de um verdadeiro e claro desígnio nacional.

Não temos tempo a perder nem margem para falhar. Devemos – todos – recusar os alibis e as querelas estéreis. Urge resolver os problemas com que nos defrontamos com coragem política e uma visão clara das prioridades estratégicas de Portugal.

Sabemos que na nossa longa experiência colectiva, as dificuldades costumam ser de bom conselho e estimular uma resposta eficaz, na condição de mantermos a coesão e o rumo numa linha de coerência estratégica. Essa regra exige um esforço permanente de articulação interna, que respeite e traduza a legítima pluralidade de posições e interesses, mas que valorize os consensos no que respeita aos interesses da nossa comunidade no seu conjunto. Sobretudo, impõe um espirito de responsabilidade nacional.

Para lá dos diagnósticos sobre as suas causas, ninguém pode, nem deve querer negar a existência de dificuldades nas contas públicas, no peso excessivo das despesas do Estado e nas relações económicas externas. O essencial está, pois, na capacidade de enfrentar os problemas difíceis, com determinação, e impor, com firmeza, as respostas necessárias.

Faz todo o sentido e é positivo que se discutam as grandes opções económicas e financeiras que consubstanciam a política do Governo. Coisa diferente é a discussão das contas públicas, que são o resultado da execução orçamental e, como tal, têm de estar acima de qualquer dúvida ou divergência de interpretação. Que se esclareça o que houver a esclarecer, mas que se não alimente uma controvérsia lesiva dos interesses do país.

No registo dos consensos nacionais, quero referir ainda a posição das Forças Armadas portuguesas. Desde logo, para sublinhar a relevância da sua acção externa nos últimos anos, com a presença exemplar das nossas forças em numerosas missões militares internacionais, nomeadamente nos Balcãs e em Timor-Leste, onde prestigiam o nome de Portugal. Essa demonstração eloquente das qualidades operacionais e das virtudes militares das Forças Armadas reclama, por outro lado, a necessidade urgente da sua reforma e da modernização dos seus meios, indispensáveis para garantir a nossa defesa, o cumprimento das nossas obrigações nas alianças europeias e ocidentais e a projecção internacional do País.

Para tal, é urgente ultrapassar dificuldades de percurso que prejudicaram uma definição política clara e consensual sobre as missões das Forças Armadas. Considero esse propósito prioritário e estarei, como no passado, disponível para todas as acções que possam contribuir para o prestigio da instituição militar e a modernização das Forças Armadas, no contexto de um plano rigoroso que não esqueça, também, os constrangimentos que nos advém da nossa situação orçamental.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Não vivemos tempos fáceis. O último ano findou sob o signo da tragédia, com a emergência brutal de um terrorismo catastrófico que patenteou a vulnerabilidade de todas as sociedades abertas perante o fanatismo suicida. O apelo ao afrontamento entre religiões e à luta entre civilizações representa um desafio crucial aos princípios de tolerância e do direito, que são as nossas melhores armas contra o medo e contra a violência, num combate decisivo pela liberdade e pela segurança.

A luta contra estas ameaças deve constituir uma oportunidade para recuperar a visão de um sistema internacional mais equilibrado, em que a solidariedade contra os inimigos comuns consolide as instituições, as normas e os princípios indispensáveis a uma ordem mais estável nas relações entre os Estados. A cooperação entre todos os Estados responsáveis, tal como reforço do direito internacional e das instituições multilaterais, constituem condições indispensáveis da eficácia da campanha contra o terrorismo e da estabilidade internacional. Mas esta nova visão de um sistema internacional mais equilibrado, mais regulado e mais participado, é igualmente indispensável para que seja possível caminharmos para uma diminuição das disparidades entre regiões, para permitir uma distribuição mais equitativa das oportunidades resultantes da revolução tecnológica e da globalização crescente, para consolidar, enfim, as condições de progresso, de estabilidade e de paz à escala mundial.

Compreenderão que, neste contexto, saliente os trágicos acontecimentos vividos no Médio Oriente e que reitere, com toda a clareza, o horror face a uma espiral incontrolada da violência, que destrói cada dia mais vidas e põe em causa as condições mínimas para uma solução política do conflito que opõe israelitas e palestinianos. É urgente que as partes retomem o processo negocial, única via para pôr fim à escalada da violência. Não é aceitável o que vimos diariamente: nem os ataques terroristas contra civis, nem a ocupação militar e o sofrimento de um povo que aspira legitimamente, também ele, à paz, à segurança, à dignidade, à independência e ao bem-estar. Esta é uma questão que deve mobilizar a comunidade internacional, no seu conjunto, e, particularmente nós, europeus, em nome dos princípios e da coerência.

A construção europeia debate-se com problemas sérios que não podem ser ocultados a pretexto da crise internacional decorrente do 11 de Setembro. Trata-se de questões cruciais para o futuro de Portugal e da União Europeia no seu conjunto, quando convergem as questões do alargamento, da reforma institucional e da evolução das políticas comuns. Paralelamente, as mudanças internacionais exigem uma capacidade de intervenção acrescida da União Europeia nos domínios da defesa externa e da segurança interna, bem como uma presença mais forte na política internacional.

No próximo alargamento, mais ainda do que no passado, está em causa o próprio ideal europeu, cuja credibilidade depende da nossa capacidade para edificar um espaço de paz onde tenham o seu lugar todas as democracias da Europa e para reforçar a segurança comum.

Temos de nos empenhar a fundo na constituição de uma unidade política e institucional mais forte da Europa, no respeito pelo princípio da igualdade entre os Estados membros da União Europeia. Nesse processo, perde quem virar as costas ao futuro. Portugal, com uma comunidade nacional homogénea e solidária e uma fortíssima tradição histórica, não tem razão para temer esse caminho. O interesse europeu é parte integrante dos nossos interesses nacionais e a estabilidade da posição de Portugal na Europa constitui o alicerce fundamental em que assenta a nossa política externa.

Senhor Primeiro Ministro

São conhecidas as suas qualidades políticas e pessoais e estou certo de que tudo fará para desempenhar as suas funções na defesa permanente dos interesses nacionais e da estabilidade da democracia portuguesa.

A minha interpretação sobre os poderes constitucionais e as responsabilidades políticas do Presidente da República é conhecida, foi confirmada pelo voto democrático e não varia com a alternância governamental. É uma leitura que resulta do texto constitucional cristalizado ao longo de sucessivas revisões constitucionais. Não compete assim ao Presidente da República a definição das políticas governamentais, nem lhe compete substituir-se às forças políticas da oposição para propor alternativas. O exercício dos seus poderes visa garantir a unidade do Estado, a independência nacional, a estabilidade e o pluralismo democráticos, no quadro do regular funcionamento das instituições.

As suas preocupações permanentes são o interesse e os grandes desígnios do País, a coesão nacional, a defesa dos direitos, liberdades e garantias e do bem-estar dos portugueses, o prestígio e a projecção internacional de Portugal, a afirmação da nossa língua e da nossa cultura.

O Presidente da República não é um observador passivo. Não abdica, à luz da prossecução do interesse nacional, da possibilidade de intervir, como o fez, por exemplo, na recente crise, quando considerou que o quadro parlamentar esgotara a capacidade para gerar soluções governativas sólidas e aptas a responder às necessidades do país.

Ao nomear o Governo, faço-o na convicção de que se trata de uma fórmula de estabilidade, assente no entendimento sólido e responsável entre os partidos que integram a maioria parlamentar. Nesse sentido, pode Vossa Excelência, Senhor Primeiro Ministro, no respeito pelos limites constitucionais da separação e interdependência entre os órgãos de soberania, contar com toda a cooperação e solidariedade institucionais do Presidente da República.

O Governo deve dispor da possibilidade de realização do seu programa e as oposições, cuja acção é essencial, devem possuir condições institucionais para corresponderem, através do acompanhamento crítico da acção governativa e da apresentação responsável de propostas e alternativas, à confiança política que também mereceram dos eleitores.

Reitero-lhe, Senhor Primeiro Ministro, e a toda a sua equipa, as minhas felicitações e desejos dos maiores sucessos no exercício das suas funções, consciente que do êxito do seu Governo depende a resolução dos problemas nacionais e a resposta às expectativas dos portugueses.