Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do XXIII Congresso Português de Cardiologia

Vilamoura
14 de Abril de 2002


Gostaria que a minha presença nesta cerimónia fosse entendida, antes de mais, como sinal de reconhecimento público pela actividade dos médicos que têm contribuído para os bons resultados na saúde dos portugueses e também para o avanço do conhecimento científico na medicina.

Por isso a minha primeira reflexão é sobre a qualidade da medicina, os resultados em saúde e a qualidade da gestão.

Este congresso constitui, na verdade, um bom indicador da qualidade da medicina portuguesa e, neste caso, da cardiologia e por isso quero reafirmar que os portugueses têm bons motivos para se orgulharem dos seus médicos e os ganhos em saúde e o progresso tecnológico atestam essa positiva realidade.

Porém, o ambiente na gestão das unidades de saúde tarda em acompanhar o progresso da intervenção médica e a necessidade de dar resposta eficiente às necessidades dos doentes e da actividade profissional.

Há visivelmente uma enorme distância entre a modernização constante da resposta médica aos velhos e aos novos problemas da saúde e os pequenos passos na modernização da gestão.

E porquê? Fundamentalmente porque nunca se separou a administração da saúde da administração pública em geral.

E se esta tarda em se adaptar a um ambiente mais competitivo, de maior exigência na satisfação dos utilizadores e de procura da eficiência, a gestão da saúde só muito esforçadamente tem procurado fugir ao espartilho da burocracia e da centralização.

Mas quando o faz, os resultados parecem ser globalmente positivos.

E esta questão leva-me à segunda reflexão que é sobre a modernização da administração pública da saúde.

Tenho acompanhado com muita atenção as experiências inovadoras na gestão de unidades do Serviço Nacional de Saúde, desde a concessão da gestão no Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, até às formas de empresarialização nos Hospitais de Santa Maria da Feira e do Barlavento Algarvio e na Unidade de Saúde Local de Matosinhos.

Penso que é chegado o momento de corrigir o que houver a corrigir, mas de avançar mais rapidamente para fórmulas que possam combinar a eficiência e a equidade.

Quanto à equidade, não podemos, certamente, esquecer que o nosso sistema é universal e que a cobertura de cuidados deve constituir um objectivo e uma preocupação política e social permanente.

A correcção das assimetrias no acesso a bens e a cuidados de saúde deve motivar as políticas neste sector e as listas de espera nos hospitais e os portugueses ainda sem médico de família são sinais evidentes desta velha forma de desigualdade social.

Na procura da eficiência, devemos ter presente que existe um superior desempenho das organizações de saúde, públicas ou privadas, quando os fluxos financeiros se baseiam em relações de tipo contratualizado.

Mas para tal é necessário que o modelo assente num quadro normativo e regulamentar, em que estejam definidos com clareza os direitos e as obrigações das partes envolvidas e que haja rigor no acompanhamento e na avaliação dos resultados.

E esse rigor exige o desenvolvimento de novas e sofisticadas competências pela administração da saúde, de forma a acautelar o interesse público na negociação, contratação e avaliação da actividade dessas unidades.

É desejável, portanto, que se conheça com transparência e sem preconceitos as insuficiências e os bons resultados de cada um dos modelos e que se alargue esta capacidade de maior liberdade de gestão e de responsabilização das unidades de saúde.

E esta necessidade de se avançar com maior determinação decorre, também - e esta é a minha terceira e última reflexão – do consenso dos diversos diagnósticos e da convergência nas grandes linhas de mudança no sistema de saúde.

Que não se recomece do zero, porque não há tempo a perder e porque os diagnósticos existentes permitem múltiplas direcções, que acautelem, porém, o interesse dos cidadãos contribuintes e dos cidadãos utilizadores dos cuidados de saúde.

É necessário e urgente fazer escolhas e decidir, avaliando, para cada uma das medidas, a forma como se efectiva o objectivo último da política de saúde, que é o de maximizar o nível de saúde dos cidadãos, num quadro de afectação eficiente de recursos.

Todos nós nos devemos sentir mobilizados para que a confiança dos portugueses no seu sistema de saúde se reforce.

A todos os médicos que contribuem, com tanto entusiasmo e dedicação, para este objectivo, vai todo o meu reconhecimento.