Discurso proferido por SEXA PR na Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança

Nova Iorque
10 de Maio de 2002


É com particular agrado que participo nesta Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a criança. Primeiro, porque Portugal se orgulha de ser um protagonista empenhado em toda esta problemática, atribuindo uma importância decisiva à promoção dos direitos da criança. Depois, porque esta Assembleia Geral especial consagra uma viragem histórica na abordagem desta questão que nos permitirá estabelecer uma verdadeira agenda da criança para o século XXI. Por último, porque, pessoalmente, entendo que a temática da criança constitui uma prioridade política, central e decisiva para o futuro individual de cada um e o destino colectivo de qualquer sociedade.

Quero saudar o Secretário Geral das Nações Unidas, responsável pela inclusão desta Sessão Especial no quadro das importantes Conferências levadas a cabo pelas Nações Unidas e grande impulsionador dos trabalhos desenvolvidos em prol dos direitos da criança sob a égide desta Organização.

Mas quero também endereçar uma palavra de gratidão a todos quantos, representantes governamentais, da sociedade civil e dos jovens que na Ásia, África, América Latina e na Europa, participaram na preparação desta Sessão Especial. Com o seu empenho interpelaram a consciência dos políticos do mundo inteiro, tendo assim desempenhado um papel estimulante no estabelecimento de uma agenda internacional da criança e na construção de um mundo digno das crianças.

Em nome de Portugal, quero igualmente expressar o nosso reconhecimento e incondicional apoio à UNICEF, que tem tido um papel decisivo na luta pela defesa dos direitos da criança.

Esta Sessão Especial constitui uma oportunidade única para reafirmar a nossa responsabilidade pela construção de um mundo em que o direito de ser criança e jovem constitua uma realidade universal sem quaisquer distinções nem discriminações.

Mas é também um tempo forte para reclamar o direito das crianças e dos jovens a uma cidadania própria, baseada quer no reconhecimento da sua individualidade e vulnerabilidade intrínsecas, quer na sua capacidade para participar e influenciar decisões, contribuindo, assim, de uma forma decisiva, para o progresso das nossas sociedades.

É em nome desta cidadania que o desenvolvimento de políticas da criança e dos jovens, especificamente centradas na problemática que lhes é própria, reveste acuidade premente, constituindo, a meu ver, uma das principais prioridades dos nossos governos e dos poderes públicos em geral.

Doze anos após a realização da Cimeira Mundial sobre a Infância e a adopção da Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Protecção e o Desenvolvimento das Crianças, bem como do respectivo Plano de Acção, há a registar progressos significativos em vários sectores, especialmente na área da saúde e da educação.

Em Portugal, por exemplo, assistiu-se a uma redução drástica da taxa da mortalidade infantil bem como uma clara melhoria nos sistemas de saúde e educação, tendo a taxa de acesso à educação pré-escolar crescido cerca de 20% nos últimos cinco anos.

As melhorias introduzidas na vida da criança e na protecção dos seus direitos na última década, claramente salientadas no excelente Relatório do Secretário Geral, "Nós as crianças", constituem, sem dúvida, um sinal positivo e encorajador, mostrando o caminho a seguir.

São também uma irrefutável ilustração do papel decisivo que a Convenção dos Direitos da Criança, adoptada em 1989, tem desempenhado na melhoria prática e concreta da vida das crianças e dos jovens.

De facto, encontramos na Convenção dos Direitos da Criança um quadro de referência normativo e ético, inspirador de todas as acções a favor da criança. Sem a ratificação generalizada da Convenção dos Direitos da Criança, qualquer acção internacional nesta área carecerá de base de sustentação, ficando a sua eficácia seriamente comprometida. Este é o momento de reafirmar o seu valor universal e de lançar um apelo veemente à sua ratificação.

Se a Convenção dos Direitos da Criança representa um ponto de viragem e constitui um marco fundador na história da criança enquanto sujeito de direitos próprios, há agora que definir uma estratégia precisa e estabelecer uma agenda concreta, consolidando os progressos alcançados no passado, enfrentando com determinação as dificuldades persistentes e identificando os novos desafios.

Muitos destes desafios exigem a nossa intervenção urgente. Por exemplo, no âmbito da prevenção do abandono escolar, da toxicodependência e da gravidez de mães adolescentes, no combate contra a pobreza, a violência, os maus tratos e a exploração sexual das crianças.

A globalização introduziu, também nesta área, dados novos, designadamente o carácter transversal de uma boa parte dos problemas que afectam as crianças e os jovens; a recorrência no espaço e no tempo das condições em que se reproduzem situações críticas e ocorrem as dificuldades; a mundialização da violência a que a criança e os jovens são particularmente vulneráveis, assim como a sua instrumentalização.

Torna-se, pois, urgente unir os esforços e acordar numa agenda exigente e prioritária a favor da criança, garantindo a sua realização rápida e progressiva. A criança deve tornar-se núcleo de uma política própria, assente numa visão global das suas características e necessidades específicas e desenvolvida como uma finalidade em si. É necessária uma política global da criança e dos jovens, pensada a partir de um projecto de sociedade e com base nas suas especificidades, em função dos desafios que o mundo moderno nos coloca. Falta, acordar-lhe a primazia política de que é devedora porque uma sociedade que não se ocupe dos seus filhos é uma sociedade sem futuro.

Só através de uma acção conjunta, exigente e solidária da comunidade internacional será possível combater os difíceis desafios que se colocam ao desenvolvimento da criança no nosso mundo globalizado e que comprometem o progresso social dos nossos países.

Penso, na proliferação dos conflitos armados e na crescente e inaceitável vitimização e instrumentalização da criança; no efeito devastador da SIDA entre os jovens e as crianças, particularmente no seio das populações económica e socialmente mais desfavorecidas; ou ainda, na crescente marginalização e na exclusão social dos grupos mais vulneráveis, entre os quais se incluem os migrantes, as mulheres e as crianças.

A protecção da criança e a adopção de políticas públicas para a realização dos seus direitos, designadamente no âmbito do direito à educação, que, a meu ver, reveste carácter primordial e decisivo, são não só um imperativo ético e normativo, mas também a única via para construir uma sociedade mais justa e solidária, garantir o desenvolvimento económico e reforçar a democracia e o sentido da cidadania.

A defesa dos direitos da criança é um vector fundamental da política externa de Portugal no quadro da cooperação internacional e, em particular, no seio da família que lhe é mais próxima, a União Europeia; mas, também, no âmbito das Nações Unidas e, naturalmente, no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e da Comunidade Ibero-Americana, a que Portugal pertence e de que é um membro empenhado.

A nossa presença nesta Sessão Especial evidencia a firme determinação de Portugal em continuar a contribuir activamente para a realização universal dos direitos da criança quer a nível interno quer a nível da sua acção internacional.

Por isso, apraz-nos também salientar a participação nesta Cimeira de crianças e jovens de todas as regiões do mundo, incluindo de Portugal. A nosso ver, a associação destes jovens reveste-se de um inegável simbolismo. Mas, bem mais do que um gesto simbólico, ela traduz o reconhecimento solene do estatuto da criança e dos jovens como cidadãos e participantes activos na construção das nossas sociedades.

Termino, dirigindo-me muito especialmente às crianças que participaram nesta Sessão Especial, que aqui representam os verdadeiros destinatários dos nossos trabalhos e preocupações.

Quero que percebam que o nosso destino se joga todos os dias no esforço de proporcionar às nossas crianças e aos nossos jovens um mundo digno. Quero que saibam que, pela minha parte, tudo farei para edificar um "mundo para os filhos dos homens que nunca foram meninos", como tão expressivamente afirmou o escritor português, Soeiro Pereira Gomes.

Muito obrigada a todos.