Cerimónia com o Presidente da República Federativa do Brasil, na Torre de Belém

Torre de Belém
08 de Março de 2000


A visita do Presidente do Brasil a Portugal tem para nós um significado muito especial pelos profundos laços históricos que nos unem. Mas este vivo sentimento de fraterna amizade que todos sentimos não pode servir para nos disfarçarmos, para nos escondermos ou para nos recusarmos a ver como realmente somos, como crescemos, como felizmente nos diferenciámos.

Quando nos demarcamos de uma certa retórica passadista, que em tempos reinava na expressão pública do nosso relacionamento, não é certamente para negar a memória comum e a vasta teia de afectos e ligações humanas que nos unem, não é certamente para renegarmos a nossa História, que foi esta e não outra.

As visitas, simbólicas, dos Presidentes da República de Portugal e do Brasil, coincidindo com as datas de partida e de chegada da Armada de Pedro Alvares Cabral, não se realizam nem para julgar o passado, nem para o ignorar, mas para, honrando e celebrando a história, construir com valores e instrumentos do presente o novo relacionamento entre os dois países e povos.

Neste reencontro de 500 anos de História, olhemo-nos agora como somos, no nosso presente e nas virtualidades enormes do nosso futuro.

Portugal e o Brasil, por viverem agora, coincidentemente, sob regimes democráticos podem fundar hoje em novos valores a história que no presente prolongará os séculos que hoje comemoramos.

A sociedade portuguesa mudou profundamente nos 25 anos que seguiram a Revolução dos Cravos: mudaram as estruturas, os comportamentos, as mentalidades. Portugal é hoje um país democrático, uma sociedade aberta, uma economia dinâmica. Pertencemos à União Europeia, uma união política e económica de Estados soberanos baseada no respeito pela democracia, pelos direitos do homem e pela solidariedade social. Não alcançámos certamente toda a liberdade e justiça que queremos e cada dia enfrentamos o peso das inércias, as dificuldades das mudanças, os constrangimentos que a economia globalizada de hoje impõe a todos nós.

É o Portugal democrático e moderno que está reencontrar-se com o Brasil de hoje, com o Brasil democrático de hoje, esse país ?gigante pela própria natureza?, mas mais gigante ainda pela sua notável capacidade de criação e de adaptação.

É graças a essa sua capacidade que o Brasil tem conseguido, também, enfrentar as consequências decorrentes do imparável processo de globalização económica e financeira em que todos estamos envolvidos e em que todos procuramos caminhos de equilíbrio e justiça social, sem certezas dogmáticas, mas sempre guiados por valores e princípios de equidade.

Por isso, o investimento português no Brasil, que hoje atinge valores há poucos anos impensáveis e, nalguns casos, incide em sectores de elevada componente tecnológica, como as telecomunicações, tem vindo a intensificar-se.

A nossa aposta no Brasil significa, para o Estado Português, mas também para a nossa sociedade civil e para os nossos investidores, a profunda confiança que temos no Brasil. Nós acreditamos no Brasil: não é já a costumada retórica dos afectos que o diz, mas a fria expressão numérica das realidades económicas. Nós acreditamos no Brasil porque estamos a aprender a conhecê-lo melhor.

Do passado reconhecemos, com lucidez, as marcas que deixámos nesse grande país e toda a História comum de que fomos feitos, e valorizamos, com orgulho, a permanente presença nele de uma comunidade portuguesa empreendedora e fraterna.

E a primeira marca que deixámos, o primeiro factor da identidade cultural brasileira vindo de nós foi sem dúvida a língua, esta língua portuguesa que hoje é tão nossa como vossa, de que nenhum de nós é dono, mas de que todos somos parte e garante.

Da nossa língua somos todos responsáveis.

Devemos juntos defendê-la e afirmá-la no Mundo, intensificando a cooperação entre as nossas instituições, públicas e privadas, na área da política da língua e da acção cultural externa e reforçando a sua presença nos foros internacionais.

Devemos juntos investir mais esforços e mais recursos na consolidação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que tanto espera de nós e da qual tanto nós podemos esperar.

Devemos juntos desenvolver e aprofundar o especial relacionamento que temos com os países africanos de língua portuguesa, e com o novo Timor em construção, no sentido de dar uma contribuição decisiva à paz, à consolidação institucional e ao desenvolvimento sustentado desses países e regiões irmãs. O drama de Angola, fruto de uma guerra que tarda em acabar, a recente tragédia em Moçambique, e a reconstrução de Timor Leste deverão merecer-nos, neste quadro, especial atenção e dedicação.

Com a visita do Presidente do Brasil a Portugal, comemoramos 500 anos de uma expedição marítima que transformou sociologicamente a realidade do Brasil. Construção múltipla e fascinante, por certo, feita de muitos contributos ao longo dos séculos, composta por variadas gentes e realizada ao longo de um processo histórico que assentou no sangue como no sonho, na paixão como na violência. O resultado dessa construção foi uma sociedade que, por injusta que possa ter sido - e foi - , mais sabedora se revelou da difícil arte de criar unidade a partir das diferenças do que a larga maioria das demais nações do Mundo!

Represento aqui, com muito orgulho, a pátria de Pedro Álvares Cabral; mas represento sobretudo a nação que é feita todos os dias pelas portuguesas e pelos portugueses de hoje, um Estado democrático, um país cada vez mais integrado no projecto europeu e cada vez mais consciente da sua identidade nacional. Recebo-o aqui, Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome de um Portugal novo, de um Portugal moderno e criativo que soube transformar-se profundamente sem esquecer as suas tradições.

Um país que acredita no futuro e se orgulha da sua história.