Discurso do Presidente da República na XIV Conferência Internacional sobre a Sida

Barcelona
11 de Julho de 2002


SIDA: Os problemas dos outros são problemas nossos


Quero agradecer aos Presidentes Bill Clinton e Nelson Mandela o convite para participar nesta sessão e testemunhar o meu apreço aos organizadores desta conferência.

Volvido pouco mais de um ano sobre a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidos dedicada à SIDA, em que tive o privilégio de participar, que balanço podemos fazer?

Primeiro, que a urgência do problema não diminuiu. Os números do ultimo relatório da ONUSIDA fornecem-nos uma fotografia actualizada e ainda mais dramática da situação. Hoje são já cerca de 40 milhões as pessoas infectadas pelo vírus. Se não agirmos, amanhã serão muitas mais.

Perdemos muito tempo no passado. Trata-se agora de rapidamente o recuperar. É urgente actuar não só naqueles países com taxas de infecção assustadoras, mas também naqueles, principalmente os mais vulneráveis, em que a epidemia se começa agora a expandir em ritmo acelerado.

Para que isso seja possível, é necessário continuar a mobilizar activamente a comunidade internacional para esta questão. Os progressos realizados são reais mas insuficientes.

Na área do tratamento, por exemplo, o preço das terapias antiretrovirais diminuiu drasticamente nos países em vias desenvolvimento. Todavia, na África subsariana, no ano 2001, apenas 30 000 doentes tiveram acesso a elas, um número verdadeiramente insignificante quando comparado com os 2,2 milhões de pessoas que morreram de SIDA nesse período.

Na área da prevenção, absolutamente decisiva, os casos de sucesso continuam a ser muito localizados e excepcionais.

Na área do financiamento, foi criado o Fundo Global, mas as suas dotações são manifestamente insuficientes.

Ganhámos maior consciência da dimensão do problema e das suas consequências no plano económico e social. Mas estamos ainda longe de conseguir inverter a curva ascendente da epidemia.

Onde a SIDA já assumiu proporções catastróficas, temos de minimizar os danos. Onde o pior pode ainda ser evitado, temos de denunciar a complacência e agir enquanto é tempo.

Como líderes políticos, a nossa primeira responsabilidade é enfrentar o problema e não escondê-lo ou fazer por ignorá-lo. Temos de falar com franqueza sobre a SIDA, enfrentando as questões relacionadas com a sexualidade e procurando remover o estigma associado à doença. Temos de perseverar, insistir, procurar, com imaginação, formas mais directas de chegar às pessoas, em particular aquelas que se encontram em maior risco de contrair a doença, designadamente as mulheres. Temos de mobilizar vontades e recursos e agir com rapidez e convicção.

Não posso deixar de sublinhar a situação vivida nos países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que estão a ser fortemente atingidos por esta epidemia, que agrava a situação económica e social já bastante desfavorável de sectores significativos da população.

Depois, é necessário promover o envolvimento de todos os principais actores que podem influenciar positivamente o comportamento das populações. Apelo à intervenção mais activa dos media, das figuras públicas, dos desportistas de modo a aumentar o impacto destas iniciativas, a par do trabalho já realizado pelas ONGs

Gostaria, ainda, de ver reforçado o papel das igrejas e das confissões religiosas, que podem assumir um compromisso social mais efectivo nesta urgente situação humanitária.

Sei que não existe critério absoluto para hierarquizar o sofrimento das pessoas. Mas ninguém duvidará que em torno da SIDA se centram hoje algumas das mais dolorosas e maciças formas de sofrimento humano.
Não hesitemos, então em tomá-las como pretexto e estímulo par avançar com ousadia na criação de instituições e redes de solidariedade com vocação universalista.

O Fundo Global deve ser apenas o primeiro passo. O passo seguinte deve partir da constatação de que não é possível atacar o problema da SIDA no mundo isoladamente, sem atender igualmente a questões como a pobreza ou a desigualdade nas questões de género.

Num mundo cada vez mais globalizado, não há lugar para distinções entre os problemas dos outros e os nossos problemas. Só há problemas humanos. Precisamos, para os enfrentar, de firmeza ética e de acções decididas. Está em causa a nossa própria dignidade.

Muito obrigado pela vossa atenção.