Discurso de SEXA PR por ocasião do jantar em sua honra oferecido pelo Presidente da República da Áustria, Sr. Thomas Klestil

Salzburgo
26 de Julho de 2002


Senhor Presidente
Excelentíssima Senhora de Klestil-Lössler

Quero em primeiro lugar dizer-lhe, Senhor Presidente, em resposta às suas amáveis palavras, que encaro com grande alegria a realização desta visita e que me honra o facto de ser convidado de Vossa Excelência para a abertura do Festival de Salzburgo, uma referência obrigatória para todos os amantes da música. Quero igualmente saudar Suas Excelências os Presidentes da Lituânia, da Estónia e da Letónia, que nos honram com a sua presença.

A Áustria e Portugal têm fortes e antigos pergaminhos na história da Europa, tendo dado decisivos contributos para a formação da sua civilização e cultura. Remontam ao século XV as relações entre as respectivas casas reais, com o casamento de uma filha do Rei D. Duarte, D. Leonor, com o Imperador Frederico III em 1452. Ao longo de séculos de contactos ininterruptos foram-se tecendo múltiplos laços entre os nossos dois países, agora renovados e potenciados pela sua comum pertença à União Europeia.

Reencontramo-nos hoje solidariamente empenhados num projecto comum, dois países com uma dimensão semelhante e, em muitas áreas, interesses convergentes, que devemos identificar e valorizar. Esta visita constitui uma oportunidade para reafirmar a nossa amizade, dar um novo estímulo às nossas relações e aprofundar o diálogo sobre um conjunto de temas vitais para o nosso futuro colectivo.


Senhor Presidente
Excelências

A União Europeia representa para os seus Estados Membros uma comunidade de destino. Nesta era de globalização, ela constitui um polo essencial da vida internacional, um instrumento decisivo para o bem estar de todos e cada um dos seus Estados Membros, um garante do respeito pela democracia e os direitos humanos.

A União Europeia encontra-se num momento crucial do seu percurso histórico. O alargamento, a reforma institucional, a próxima revisão das perspectivas financeiras, para não falar de outros temas mais específicos, como a Política Agrícola Comum , a Política Externa de Segurança e Defesa Comum ou as matérias do terceiro pilar, sobrecarregam a agenda comunitária nos próximos anos, exigindo de todos os Estados Membros grande visão e capacidade políticas.

Para podermos negociar com sucesso todos estes dossiers, julgo ser necessário, em primeiro lugar, respeitar os calendários estabelecidos. Consideramos, por isso, que é prioritário, neste momento, concluir as negociações com os países candidatos à adesão. Temos apoiado o alargamento sem vacilar, por considerar que se trata de um dever indeclinável e de uma oportunidade para toda a Europa. Se queremos uma Europa cada vez mais unida e coesa, não podemos apenas olhar de forma estreita para o interesse nacional, pois este confunde-se também com o êxito da União no seu conjunto.

Só nesse espírito poderemos abordar, com sucesso, o grande debate político sobre o futuro da Europa que já se iniciou no âmbito da Convenção e que se irá prolongar na próxima Conferência Intergovernamental. Porque a todos diz respeito, é importante que os países do alargamento possam já participar nele de pleno direito. Desse debate deve resultar uma União mais forte e mais capaz, uma União mais solidária e mais coesa do ponto de vista económico e social, uma União que se afirma com mais força no plano internacional, uma União mais próxima e inteligível para o cidadão comum. Não o conseguiremos se persistirmos em abordagens que, de forma ínvia ou aberta, subordinam o interesse colectivo a jogos de poder motivados por interesses egoístas.

Quaisquer soluções para a Europa terão de acautelar três equilíbrios fundamentais. Em primeiro lugar, o reforço, desejável e necessário, da integração, deverá ser acompanhado de mecanismos de salvaguarda do princípio da igualdade entre os Estados. Só assim a União poderá colher a adesão de todos os seus membros. Em segundo lugar, ao aprofundamento da integração política deve corresponder o reforço da coesão económica e social. Não podemos construir uma elaborada arquitectura institucional sem lhe dar conteúdo concreto no plano económico e social, que é afinal aquele que mais directamente toca os nossos cidadãos. Em terceiro lugar, a obtenção de uma maior unidade tem de acomodar um nível elevado de diversidade e levar em conta as circunstâncias específicas de cada um dos membros da União.

Uma União alargada necessita de instituições capazes de zelar pelo interesse comum e de assegurar uma visão estratégica de conjunto do seu desenvolvimento futuro. Neste aspecto, consideramos que o papel motor deve continuar a pertencer à Comissão. Por isso entendemos necessário preservar e, até, reforçar a sua independência e legitimidade própria. Mas é necessário igualmente que todos os Estados Membros sintam que participam em pé de igualdade no processo decisório e que este se desenrola de forma aberta e transparente, de acordo com regras claras por todos subscritas.

O desafio colocado pelo alargamento da União não é menor no plano económico e social do que no plano institucional. Globalmente, o alargamento constitui uma oportunidade para relançar o crescimento económico em toda a Europa, pela confiança que irá incutir nos agentes económicos e pelo expansão do mercado único a um universo de cerca de 500 milhões de pessoas. Mas, no imediato, irá aumentar as disparidades entre os níveis de desenvolvimento dos vários membros da União. Por isso, mais do que nunca, o princípio da coesão económica e social deve constituir um objectivo central e prioritário da União. Todos teremos a beneficiar com isso. As próximas perspectivas financeiras da União deverão claramente renovar o compromisso com esse princípio, sem penalizar os países, como é o caso de Portugal, que, após o alargamento, poderão ser prejudicados no acesso aos fundos estruturais.

A questão do alargamento e o aprofundamento do processo de integração que o deverá acompanhar coloca com maior acuidade a questão de como articular no seio da União unidade e diversidade. A fórmula, que defendo, de uma Federação de Estados Nação exprime essa dualidade que constitui um dos traços característicos da construção sui generis que é a União Europeia. A União Europeia não pode fazer-se contra a diversidade que é própria da Europa e dos seus Estados. Mas pode e deve realizar-se em torno de um conjunto de valores comuns, decantados ao longo de séculos de convivência nem sempre pacífica, que constituem hoje um sólido património político e moral: o respeito pelos direitos humanos, a tolerância, a solidariedade, a justiça e a paz.

Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

A cultura sempre constituiu um factor de aproximação entre os Europeus. Na música, na pintura, na literatura dos nossos diversos países reconhecemos um património comum que constitui um traço de união entre os nossos povos e um legado para a humanidade inteira. Nesta grande celebração anual de cultura que é o Festival de Salzburgo, contactamos a sensibilidade cosmopolita e refinada pela qual a Áustria é justamente reputada. Quero aqui prestar homenagem aos seus compositores inigualáveis, assim como a todos os seus homens e mulheres de cultura que tanto contribuíram para definir o espírito europeu.

É esse espírito, resultante da abertura, do diálogo e do cruzamento de culturas e influências, que nos cumpre prosseguir no novo século, na tarefa sempre inacabada de construir uma União Europeia capaz de integrar, em toda a sua diversidade, os povos do nosso continente num todo harmonioso. São esses os votos que desejo formular, ao levantar o meu copo num brinde caloroso à saúde de Vossa Excelência e de sua Mulher, à prosperidade da Áustria e do seu povo e ao futuro da União Europeia, de que orgulhosamente fazemos parte.