Discurso do Presidente da República por ocasião da IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Brasília
01 de Agosto de 2002


Senhores Presidentes
Senhores Primeiro-Ministros
Senhores Ministros
Minhas Senhoras e meus Senhores

É com grande prazer que participo na IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, oportunidade privilegiada para efectuar um balanço crítico do caminho que percorremos ao longo destes últimos seis anos, mas também para traçar novas metas e linhas de orientação.

Apenas dois anos nos separam do nosso último encontro, em Maputo e no entanto como é diferente o mundo em que hoje vivemos. Os acontecimentos de 11 de Setembro marcaram a cena internacional de forma indelével, criando um sentimento de vulnerabilidade e insegurança anteriormente desconhecido. Paradoxalmente, neste contexto difícil, as alianças e solidariedades ganharam um novo valor e a cooperação entre os Estados tornou-se, mais do que nunca, imprescindível. Num mundo em que o peso da globalização é cada vez maior e em que a ameaça terrorista se tornou numa constante, também a CPLP se viu assim revestida de uma nova dimensão, que as suas múltiplas vertentes de cooperação potenciam.

Mas também no próprio seio da grande família da CPLP ocorreram, desde a Cimeira de Maputo, transformações de assinalável impacto. Destacaria, pela sua importância, os avanços muitos significativos registados no Processo de Paz em Angola e a independência de Timor Leste, Estado irmão que, no histórico dia de ontem, acolhemos na nossa Comunidade.

Formulo aqui os mais sinceros votos de que Angola enverede definitivamente pela via da Paz, do progresso e da reconciliação nacional. Saúdo o Presidente José Eduardo dos Santos pelos passos alcançados nos últimos meses, decisivos para o futuro do país e estou seguro de que o Governo angolano, os partidos políticos e a Sociedade Civil, tudo farão para que o sonho de uma Angola pacificada, democrática e moderna se torne numa realidade. Com o apoio, é certo, da ONU e da Comunidade Internacional, caberá sobretudo aos angolanos, nesta fase de sua história, tomar em mãos o seu destino, permitindo a Angola ocupar o lugar de destaque que lhe cabe no continente africano.

Acompanhámos todos com empenho e sentida emoção, o processo de transição que conduziu ao nascimento da República Democrática de Timor Leste. São inúmeros e diversificados os desafios, que nesta fase de consolidação e afirmação internacional do novo Estado, se colocam aos seus dirigentes. Estou porém seguro de que, com a sabedoria, o equilíbrio e o sentido de responsabilidade que têm caracterizado a sua acção, saberão garantir o correcto enquadramento de Timor Leste na região em que se insere e o respeito e interesse da Comunidade Internacional pelo seu país.

Saúdo muito vivamente o Presidente Xanana Gusmão, congratulando, na sua pessoa, o novo Estado membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A pertença de Timor Leste à nossa Comunidade, que é inteiramente natural, reforçando a sua diversidade e alargando o seu importante leque geográfico, que passará agora a abranger quatro continentes, constitui um factor de enriquecimento que muito prezamos.

Pensamos que a promoção e o ensino da Língua Portuguesa em Timor Leste, pela relevância de que se revestem para a afirmação do novo Estado, deverão merecer uma atenção muito especial por parte da CPLP, constituindo já uma das principais prioridades da Cooperação Portuguesa. Lanço aqui um vivo apelo a todos os Estados Membros da Comunidade para que se associem a este esforço, tão importante para os nossos irmãos timorenses, mas também para todos nós, na medida em que, mais uma vez, da divulgação da Língua Portuguesa no mundo se trata.

Ao longo destes últimos dois anos, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e mais recentemente Portugal, atravessaram processos eleitorais, nalguns casos complexos, que se traduziram em alterações significativas dos espectros políticos de cada um dos países. Em todos eles, porém, foram observados os princípios da alternância democrática, da separação de poderes e do respeito pelas instituições, num quadro de continuidade constitucional, pedras basilares e elementos aglutinadores da nossa Comunidade, que gostaríamos de ver universalmente respeitados.

Mas o nosso esforço de aperfeiçoamento da democracia não poderá quedar-se pela simples realização de actos eleitorais, devendo igualmente traduzir-se num trabalho constante, que passa pela defesa, no dia a dia, dos direitos fundamentais dos cidadãos, do Estado de Direito e do pluralismo político e por um combate tenaz a todas as formas de violência, corrupção e injustiça.
Também o Brasil deverá em breve atravessar um importante processo eleitoral, que encaramos com a serenidade e a confiança que nos inspiram a maturidade, o sentido de responsabilidade dos brasileiros e a força sempre renovada da sua democracia.

Gostaria de deixar aqui o meu sincero preito de homenagem ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, grande figura política, de altas qualidades humanas e intelectuais, respeitado amigo desde os tempos difíceis, que ao longo dos seus dois mandatos como Chefe do Estado tanto fez pelo seu país e pelo progresso e estabilidade desta região. Gostaria ainda de muito agradecer a generosa hospitalidade que nos é dispensada pelo Brasil, recordando que foi em São Luís do Maranhão, em 1989, que foram lançadas as bases daquilo que viria a ser o futuro embrião da CPLP.

Senhores Presidentes
Minhas Senhoras e meus Senhores

Fazer um balanço realista e desapaixonado dos seis anos de existência que já leva a nossa Comunidade não é tarefa fácil. Assistimos ao seu nascimento e tal como todos os Pais tendem a relevar as faltas dos filhos, também para nós se torna difícil reconhecer os seus pontos fracos e é fácil cair na tentação de sobrevalorizar os menores progressos registados.

Acreditamos, porém, que só uma análise crítica e exigente dos primeiros anos de vida da CPLP, permitindo colmatar as falhas emergentes e corrigir os erros detectados, poderá garantir o seu crescimento saudável e harmonioso.

É indiscutível que a Comunidade goza hoje de uma projecção considerável na cena internacional, suscitando um interesse crescente por parte de países terceiros e de outras organizações internacionais.

É também indiscutível que a CPLP ganhou uma dinâmica própria, alargando o âmbito da cooperação intra-comunitária aos mais diversificados sectores da actividade governamental e às mais importantes instituições do Estado. A actividade da Comunidade passou assim a desenvolver-se horizontalmente, ligando-se mais directamente ao quotidiano dos cidadãos dos seus Estados membros.

Por outro lado, a noção de pertença a uma Comunidade detentora de virtualidades únicas tem vindo a ser interiorizada e assimilada pelas Sociedades Civis do Espaço CPLP. Trata-se sem dúvida de um importante avanço, que abre novas e interessantes perspectivas de cooperação e intercâmbio ao sector privado e que contribui para a afirmação da nossa Comunidade, que assim se vê apoiada nos seus propósitos.

Já na vertente da promoção e difusão da Língua Portuguesa, matriz comum e elemento unificador dos nossos povos, penso, muito realisticamente, que o caminho a percorrer é ainda longo, exigindo de todos nós, sem excepção, um esforço adicional.

Há que garantir uma maior visibilidade e um mais forte dinamismo à acção da CPLP nesta área de importância primordial. Há que estabelecer princípios orientadores claros para a actividade do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, dotando-o de quadros adequados e garantindo o seu financiamento. Há que racionalizar os meios de que dispomos, apostando de forma ousada nas virtualidades das modernas tecnologias da informação. Há, enfim, que estabelecer prioridades e critérios de avaliação rigorosos, introduzindo, também neste domínio, um elemento de exigência e responsabilização, indispensável aos avanços que todos desejamos.

Estou seguro de que, com o concurso de todos, saberemos imprimir a esta área decisiva de intervenção da CPLP a vitalidade e o protagonismo de que tanto carece.

Penso, por outro lado, que em determinados domínios, a Comunidade se debate ainda com algumas dificuldades em concretizar e tornar palpáveis os projectos que vem desenvolvendo. Existe ainda uma barreira entre o domínio da conceptualização e a aplicação prática das iniciativas que importa ultrapassar, garantindo que os mecanismos comunitários se tornem mais ágeis e efectivos.

Neste contexto, encaro com alguma preocupação a ausência, por parte da nossa Comunidade, de acções dotadas de verdadeiro impacto no domínio do combate ao HIV/SIDA, problemática, a que, como é sabido, venho dedicando particular atenção.

A urgência e a dimensão do problema são de tal ordem, ceifando a vida de milhares de seres humanos e gangrenando o tecido económico e social de muitos dos nossos Estados membros, que exigem de nós uma resposta rápida, frontal e corajosa.

Em caso algum nos deveremos deixar inibir pela noção da desproporção existente entre o mal que nos atinge e os escassos meios de que dispomos para o combater. Importa sim agir e já. Temos muito a aprender e a beneficiar da audaciosa e percursora estratégia que, neste domínio, tão positivamente tem vindo a ser prosseguida pelo Brasil.

É urgente actuar, não só nos países cujas taxas de infecção são já muito elevadas, mas também naqueles, particularmente vulneráveis, em que a epidemia começa agora a grassar.

Por outro lado, neste contexto dramático de uma rápida e persistente expansão do HIV/SIDA, a prevenção reveste-se, como é sabido, de uma importância fundamental. Urge pois que, no seio da CPLP, mobilizemos todos aqueles que, pela sua notoriedade pública, possam influenciar positivamente o comportamento das populações, alertando-as para uma realidade que muitos tendem ainda a ignorar.

Congratulo-me, muito especialmente, com a assinatura, no decurso desta Cimeira, de um Acordo de Cooperação entre os Governos dos Estados membros sobre o Combate ao HIV/SIDA, instrumento que abrirá, sem dúvida, portas a uma mais efectiva colaboração entre as competentes autoridades dos nossos países. Acredito tratar-se de um passo de grande importância, a que importará agora conferir substância no terreno.

Senhores Presidentes

Penso poder afirmar, com realismo e imparcialidade , que, no geral, o desempenho da CPLP, ao longo destes últimos seis anos, tem sido positivo. A Comunidade tem vindo progressivamente a afirmar-se nas suas múltiplas valências, prosseguindo com dinamismo os propósitos que estão na base da sua fundação e correspondendo, razoavelmente, às expectativas que nela depositamos.

Concentremo-nos pois em fortalecer as suas áreas de maior debilidade. Não caiamos sobretudo no facilitismo e no auto-elogio. Procuremos pautar a nossa actuação por critérios de rigor e responsabilidade. E emprestemos, por fim, uma visibilidade e uma eficiência acrescidas aos nossos projectos e realizações.

Gostaria de agradecer, com amizade, a forma empenhada e dinâmica como a Drª. Dulce Pereira exerceu o seu mandato de Secretária Executiva da CPLP, cargo sem dúvida exigente, de cujo correcto desempenho muito depende o harmonioso funcionamento da Comunidade.

Os avanços que se vão regularmente registando, nos mais diversos domínios da CPLP, encorajam-nos a prosseguir a nossa caminhada. Destaco, muito particularmente, o significado da assinatura, no decurso deste nosso encontro, de cinco Acordos no domínio da Circulação de Pessoas no Espaço CPLP, os quais garantirão um considerável acréscimo de mobilidade aos cidadãos da Comunidade.

Quero ainda aqui deixar uma palavra de apreço pela projecção e pelos resultados alcançados pelo 1º Fórum Empresarial da CPLP, importante iniciativa recentemente lançada em Lisboa, que veio abrir novas perspectivas no domínio da cooperação económica e empresarial entre os Estados membros da Comunidade.

Congratulamo-nos com o anúncio ali tornado público da próxima criação de uma Conselho Empresarial e encorajamos vivamente o prosseguimento e a diversificação de contactos entre os empresários da CPLP.

Ao terminar, gostaria de agradecer ao Presidente Joaquim Chissano, meu velho amigo, a quem dirijo as mais calorosas saudações, a sabedoria e o equilíbrio com que, neste período de consolidação da CPLP, presidiu à Conferência de Chefes de Estado e de Governo.

Ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, nosso anfitrião, formulo os mais sinceros votos de sucesso para a Presidência Brasileira da CPLP. Trata-se sem dúvida de um desafio estimulante e enriquecedor, ao qual, estou certo, os nossos irmãos brasileiros saberão responder com o brio e a determinação que lhe são conhecidos.