Discurso do Presidente da República por ocasião do Jantar em honra do Presidente da Hungria, Senhor Ferenc Mádl

Palácio Nacional da Ajuda
16 de Setembro de 2002


Senhor Presidente
Excelentíssima Senhora Madl
Minhas Senhoras e meus Senhores

É com grande satisfação que acolho Vossa Excelência em Lisboa, retribuindo assim a tocante hospitalidade com que fui recebido na memorável visita que efectuei ao vosso país em Abril de 1999. À sua mulher e a toda a comitiva que o acompanha dirijo igualmente uma palavra de calorosas boas vindas.

Desde que recuperou a liberdade, a Hungria efectuou uma transição exemplar para a democracia, que lhe permitiu, em pouco mais de uma década, reinserir-se plenamente numa tradição europeia que tanto contribuiu para forjar e de que esteve longos anos afastada, por razões alheias à sua vontade.

Neste lapso de tempo de pouco mais de uma década, as relações entre os nossos dois países conheceram um notável desenvolvimento. Tornámo-nos aliados. Em breve seremos parceiros na União Europeia. No plano bilateral, as trocas económicas expandiram-se, o intercâmbio cultural enriqueceu-se, o diálogo político aprofundou-se.

A Hungria representa hoje para Portugal um dos principais e mais prometedores parceiros no grupo dos países do próximo alargamento da União Europeia. As trocas comerciais, que no ínicio dos anos 90, não ultrapassavam uma dezena de milhões de Euros por ano, atingem actualmente um total de quase 200 milhões. Um conjunto significativo de empresas portuguesas implantaram-se na Hungria e começa agora a verificar-se um movimento no sentido inverso. Tem havido, recentemente, uma série de acções no âmbito empresarial com o objectivo de aumentar estes fluxos mutúamente benéficos.

Dirijo, por isso, uma palavra particular de saudação e estímulo aos empresários aqui presentes — os que acompanham Vossa Excelência e os portugueses que apostaram na Hungria — fazendo votos para que o vosso trabalho continue a aproximar os nossos dois países.

Seremos em breve — não tenho sobre isso qualquer dúvida — parceiros na União Europeia. Isso impõe-nos responsibilidades especiais num momento em que a Europa está perante tão importantes desafios. Congratulo-me com a presença de representantes húngaros na Convenção sobre o Futuro da Europa e espero que, na próxima Conferência Intergovernamental, marcada para 2004, a Hungria participe já de pleno direito. Não faria sentido debater matérias de tão grande significado para o nosso futuro colectivo sem que todos os interessados possam ter voz activa nesse debate.

O princípio da igualdade dos Estados constitui para Portugal pedra de toque nos debates sobre o futuro da Europa. Pugnamos para que, na próxima revisão dos tratados, esse princípio seja claramente sublinhado. Mas estamos também conscientes de que o aprofundamento da União, que reputo indispensável nesta época de globalização acelerada, nos exige espírito de compromisso, flexibilidade e imaginação para encontrarmos soluções que sirvam o interesse colectivo, pois esse é também o interesse individual de cada um dos seus membros. Creio que, nesta base, não teremos dificuldade em encontrar plataformas comuns para a defesa dos nossos interesses.

A União Europeia representa, para todos os seus Estados membros, um baluarte de ordem, progresso e solidariedade e um multiplicador de influência na cena mundial. Por isso é fundamental um esforço colectivo para compatibilizar pontos de vista e agir em conjunto.

A União Europeia tem interesses globais e não se pode alhear de nenhum dos grandes temas na agenda internacional. Não temos qualquer razão para nos envergonharmos — antes pelo contrário — do papel que desempenhamos no cena internacional. A União Europeia é, de longe, a maior fonte de ajuda pública ao desenvolvimento. Os seus países membros contribuem com uma percentagem muito significativa de tropas para as diversas operações de manutenção de paz por esse mundo fora. Nas instituições multilaterais, temos presença activa e construtiva. Em todos os grandes temas que dominam a vida internacional, a União Europeia cada vez mais se afirma como um interlocutor incontornável. Estou seguro que, com o alargamento, e com o aprofundamento da integração que irá certamente resultar da próxima CIG, essa tendência continuará a desenvolver-se e a afirmar-se.

Na presente momento histórico, em que estamos colocados perante desafios de enorme gravidade, é particularmente importante que a União Europeia seja capaz de falar a uma só voz, pois só assim será escutada. No actual debate sobre o Iraque, creio estar correcto se afirmar que, apesar de todas as "nuances" de opinião entre os parceiros, a União Europeia tem todas as condições para se apresentar unida num ponto central e decisivo: qualquer intervenção militar só deve ser contemplada num quadro de legalidade internacional. Agir de outro modo representaria um verdadeiro convite à anarquia, que outros não deixariam de aproveitar, com consequências funestas para a ordem internacional.

Não subestimamos o perigo da proliferação de armas de destruição maciça; não ignoramos a brutal tirania a que está sujeito o povo iraquiano; sabemos que o Iraque está em violação de diversas resoluções das Nações Unidas. O Iraque, todavia, não é infelizmente caso único em nenhuma destas três categorias. Apesar de graves, estas circunstâncias não nos autorizam a agir à revelia do direito internacional. Antes de contemplar qualquer solução militar é necessário esgotar os caminhos pacíficos de solução de crise, recorrer ao Conselho de Segurança e construir uma coligação tão vasta quanto possível. Registamos por isso, com grande satisfação, o compromisso claramente expresso pelo Presidente Bush, no seu recente discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, de que os Estados Unidos irão trabalhar com o Conselho de Segurança para procurar garantir o cumprimento efectivo das resoluções daquele órgão respeitantes ao Iraque.

Sempre considerámos, e sempre dissemos, que só no plano multilateral poderemos encontrar as soluções para problemas que a todos dizem respeito. Se aqueles que têm mais possibilidades de o fazer não apontarem um caminho de solidariedade e de procura ordeira de soluções comuns para problemas globais que nenhum Estado pode, sózinho, resolver, então cada Estado não terá alternativa senão cuidar apenas do seu interesse individual, quantas vezes sem olhar a meios. É uma receita certa para aumentar a conflitualidade, a violência e a barbárie num mundo sujeito a grandes e crescentes tensões. Como o 11 de Setembro demonstrou, é uma ilusão pensar que o poder e a riqueza nos colocam ao abrigo das consequências de uma globalização desgovernada.

Os desafios que temos pela frente são complexos e exigentes. Tenho todavia a convicção de que, se nos soubermos manter unidos, teremos condições para fazer vingar os nossos pontos de vista e encontrar formas eficazes de agir, no respeito pelo direito internacional. Essa é uma exigência de que não devemos abdicar.

Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

Estou convencido, Senhor Presidente, de que, trabalhando em conjunto, procurando plataformas de convergência, países com a dimensão da Hungria e de Portugal podem, melhor do que isoladamente, influir na cena europeia e internacional. Não queremos, certamente, uma sociedade internacional em que só os grandes e os poderosos tenham voz. Estou certo que esta visita nos permitirá aproximar os nossos pontos de vista, reforçar os nossos interesses mútuos, estimular um intercâmbio mais amplo e mais rico entre os nossos dois países, contribuindo deste modo para reforçar e consolidar a amizade entre a Hungria e Portugal.

Para terminar, quero desejar-lhe, mais uma vez, as boas vindas a Portugal e propor um brinde à saúde de Vossa Excelência e da sua Mulher, à prosperidade do povo húngaro e à amizade sem mácula existente entre a Hungria e Portugal.