Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do Ano Lectivo 2002/2003 do Centro de Estudos Judiciários

Lisboa
19 de Setembro de 2002


Nesta abertura de ano lectivo do Centro de Estudos Judiciários, apenas uma palavra breve para saudar os futuros magistrados - judiciais e do Ministério Público - que constituem a razão de ser desta escola e do evento que hoje nos reúne.

Convosco prossegue o esforço de qualificação e de excelência desta casa, para dotar a administração da Justiça do acréscimo de meios humanos que contribua para a tornar mais expedita e mais informada – das coisas do direito e das coisas da vida.

Num tempo em que se congregam iniciativas e boas vontades para identificar e consensualisar os problemas da Justiça, as vias da sua resolução e as prioridades e ritmos de intervenção, quero relembrar-vos que todas as profissões forenses, quando a abordagem judiciária do litígio e do delito se funda na ética do contraditório e da decisão super partes, têm igual dignidade. E se decorrem relações de conflito entre os valores individuais e sociais que no litígio e no delito se jogam, só no momento de julgar, quando os factos se estabelecem e o direito se aplica, há lugar para, em definitivo, diferenciar, hierarquizar, e, nessa via, acolher ou rejeitar pretensões, louvar ou verberar condutas, absolver ou condenar.

Vale isto para dizer que é tempo de se consolidar uma ideia das profissões forenses - Juizes, Magistrados do Ministério Público, Advogados, Solicitadores –, que seja fundada na dignidade dos valores que lhes cabe servir, sem outra distinção que não seja a diversidade de funções que lhes estão cometidas.

Comportaria, por isso, inaceitável perversão da realidade que cada profissão forense quisesse reivindicar para si o monopólio da virtude e do saber, como se qualquer delas conferisse uma espécie de pentecostes, de que as outras estariam definitiva e irremediavelmente privadas.

Tal pretensão, quando existe, comporta, desde logo, uma diminuição de capacidade para intervir de um modo útil e é caminho seguro para que a Justiça funcione mal.

Quando se inicia, nesta casa, um novo ano lectivo, é o momento ritualmente adequado para vos lembrar, futuros magistrados judiciais e do Ministério Público, que não há profissões de iluminados, e que a beca não vos trará nem virtude, nem saber acrescentados.

Mas porque isto é assim, impõe-se lembrar a advogados e solicitadores que também neles não ocorre qualquer excelência pelo mero facto da profissão, e que a defesa dos valores e dos interesses que lhes está confiada só poderá ser feita num quadro de respeito pela diferenciação de funções e pela posição eminente que, na lide judiciária, cabe, inquestionável e exclusivamente, aos Juizes.

Sublinhar estas coisas, que são simples e elementares, é tanto mais necessário quanto o funcionamento da administração judiciária permanece insatisfatório, e a sua reforma, se é de regras e de procedimentos, é também do desempenho dos agentes da Justiça e das suas relações entre si.

Por isso, humildade, diligência, estudo, rigor, sentido de serviço público e de cooperação interprofissional, qualidades tanto mais necessárias quanto são exíguos os meios e desajustados muitos dos procedimentos estabelecidos.

Seria injusto negar o esforço apreciável que, nos últimos anos, tem sido feito para reordenar a organização judiciária, agilizar as leis de processo, pôr as novas tecnologias ao serviço da Justiça, redimensionar e prover quadros.

Mas é preciso prosseguir, dando continuidade à simplificação de procedimentos, à atribuição das funções de administração dos tribunais e, em geral, do sistema judiciário, a profissionais qualificados pelas ciências da gestão, à institucionalização de práticas de auditoria, que permitam avaliar desempenhos de serviços, detectar bloqueios, corrigir disfunções.

São tudo vias pelas quais será possível tornar a Justiça mais célere e equitativa, quando é sabido que a saúde e o crescimento da economia, o equilíbrio das relações laborais, a moralidade do Estado e a tranquilidade pública, dependem, em apreciável medida, de tribunais que funcionem em tempo útil e com sentido da equidade.

É, por isso, importante que a vossa formação tenha em conta esta função reguladora da administração da Justiça, que faz dos magistrados judiciais e do Ministério Público insubstituíveis agentes do progresso e da paz social – para bem da República.