Discurso do Presidente da República Portuguesa na Confederação da Indústria e Patronato Finlandês

Helsínquia
10 de Outubro de 2002


Senhor Presidente da Indústria e Patronato Finlandês
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Quero começar por agradecer as palavras que o Senhor Pentti teve a amabilidade de nos dirigir, por saudar e agradecer a presença de todos os participantes neste Encontro com Empresários Portugueses e Finlandeses e fazer já um voto para que o mesmo contribua para o melhor conhecimento recíproco de Portugal e da Finlândia e para o desenvolvimento das relações económicas e comerciais entre os nossos países.

A grande distância geográfica entre Portugal e a Finlândia não impede que estejamos bastante próximos noutros domínios e que partilhemos hoje o mesmo projecto de sociedade representado pela União Europeia.

Desde o início dos anos sessenta que a Finlândia e Portugal perceberam que, num mundo cada vez mais interdependente e globalizado, a integração económica é um factor de desenvolvimento e progresso. Em 1960, Portugal foi membro fundador da EFTA, organização a que a Finlândia se associou em 1961. E foi ainda a noção de que não há melhor alternativa à integração europeia que levou, em 1986, Portugal a aderir à então Comunidade Económica Europeia e, em 1995, a Finlândia a entrar para a União Europeia. Finalmente, em 1999, fomos ambos membros fundadores da União Económica e Monetária. Hoje partilhamos a mesma moeda, o que é bastante mais do que parece. De facto, o euro, pelo seu simbolismo e potencial integrador, é mais do que uma moeda comum a vários Estados. É também um símbolo da identidade europeia e um catalisador do aprofundamento da integração europeia.

A última década foi um período de profundas e rápidas transformações que alteraram significativamente o modo de funcionamento das economias europeias e suscitaram novas questões de política geral, como por exemplo, a revisão do papel dos Estados e a necessidade de uma Governação Europeia, como tenho referido noutras ocasiões. Hoje, neste Encontro, por razões de tema e de tempo, limito-me, primeiro, a enumerar os principais marcos da integração europeia, apontando alguns desafios para o futuro da Europa, com especial incidência na área económica; e, depois, tendo subjacente a situação actual da economia portuguesa, a mostrar que é possível e desejável contar com o esforço dos empresários portugueses e finlandeses para desenvolver as relações económicas e comerciais entre os nossos países.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A criação do mercado único europeu (MUE) de 1986 a 1992 representou um progresso notável para as empresas e os consumidores europeus. As empresas passaram a ter à sua disposição um grande mercado e, portanto, a poderem crescer e funcionar a uma dimensão acrescida, realizando assim as correspondentes economias de escala, enquanto os consumidores passaram a ter a possibilidade de, mais facilmente, poderem recorrer a uma vasta gama de fornecedores e comprar onde tiverem as melhores condições de preço, qualidade e outras.

O MUE, que passou a ser "mais único" com a criação do euro, é hoje a base de sustentação e da força da economia europeia. No entanto, importa reconhecer que o mesmo ainda não está completamente acabado. Ainda há algum caminho a percorrer na liberalização e na abertura de alguns mercados, como por exemplo, a energia e os serviços financeiros, e no desenvolvimento da regulação necessária para prevenir comportamentos oligopolísticos por parte de empresas. Por outro lado, a par da abertura dos mercados e do estabelecimento de novas regras de funcionamento, também é imperativo prestar a devida atenção à política de coesão económica e social para atenuar a desigualdade de oportunidades e de possibilidades de competição entre os Estados mais e menos desenvolvidos. Nesta perspectiva, a política de coesão económica e social foi e é uma condição de viabilização do MUE, ainda mais depois da existência da moeda única europeia.

Por sua vez, a criação da união económica e monetária (UEM), acabada com a circulação física do euro desde o início do corrente ano, não só completou o MUE com todas as vantagens de uma moeda única, como também tem potencialidades para fazer evoluir a União Europeia para formas mais avançadas de integração política. No entanto, a UEM, ao substituir as políticas monetárias e cambias nacionais por uma política monetária única, requer aperfeiçoamentos na coordenação e gestão das políticas económicas, particularmente a monetária e as orçamentais, para que possa haver uma boa combinação de políticas europeias.

Creio, em particular, que é, cada vez mais, amplamente reconhecida a necessidade de corrigir um certo viés deflacionário, que se manifesta numa preocupação maior em controlar a inflação do que em promover o crescimento económico. Como tive ocasião de dizer há menos de oito dias no Instituto Universitário Europeu, em Florença, está fora de questão a necessidade de disciplina orçamental, mas estou em crer que há maneiras de rever o Pacto de Estabilidade de modo a preservar esse objectivo, corrigindo, ao mesmo tempo, o defeito atrás apontado.

Por último, o maior alargamento da história da União Europeia - que, possivelmente, terá lugar já em 2004 - fará subir para 25 o número dos seus Estados Membros e aumentar o MUE para cerca de 500 milhões de consumidores. Um alargamento desta dimensão coloca novos desafios à União Europeia. É decisivo, por isso, que a reforma que está em discussão na Convenção Europeia, que será negociada na próxima CIG, assegure um funcionamento economicamente eficaz e democraticamente legítimo das instituições europeias.

A União Europeia tem uma responsabilidade histórica e política para com os Países da Europa Central e Oriental e Portugal, como país que tem vindo a beneficiar da integração e da solidariedade europeia, deseja sinceramente que o alargamento seja bem sucedido. Para que assim seja, pelo lado da União Europeia, é pelo menos preciso que esta realize a reforma institucional adequada e disponha dos recursos indispensáveis para financiar as necessidades do alargamento.

Como disse, Portugal apoia o alargamento, sem prejuízo de algumas apreensões quanto ao seu impacto na economia portuguesa. Estas têm a ver não só com a possível insuficiência e a forma de redistribuição dos fundos comunitários, mas também com as possibilidades de algum desvio de investimento directo estrangeiro e de alguma intensificação da concorrência que os novos Estados Membros podem fazer às exportações portuguesas para terceiros países. São receios que devem ser tidos em conta, mas que não devem ser exagerados, nem fazer esquecer as oportunidades que o alargamento também traz para a economia portuguesa e que importa que os nossos empresários aproveitem da melhor maneira.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

A economia portuguesa está presentemente numa situação difícil. Estou no entanto confiante que, com o esforço e a colaboração de todos os portugueses, nomeadamente dos empresários, as dificuldades serão vencidas.

Sendo Portugal uma pequena economia aberta, o abrandamento do crescimento económico dos nossos principais clientes afecta negativamente a actividade económica em Portugal, mas não seria correcto responsabilizar apenas a má conjuntura económica internacional pelas nossas dificuldades. Elas também têm a ver com a difícil transição que a economia portuguesa está a fazer para um modelo de crescimento mais exigente, mas também mais rico e mais sustentável.

O modelo de crescimento baseado em abundante mão de obra pouco produtiva e barata nunca foi o melhor e está hoje completamente "fora de prazo", quer pela situação interna de relativa escassez de mão-de-obra - lembro aos nossos amigos finlandeses que Portugal é hoje um país de imigrantes -, quer pela situação internacional de crescente globalização da economia e da já próxima abertura da União Europeia a países com salários bastante mais baixos.

A economia portuguesa encontra-se assim numa fase de substituição dos seus motores de crescimento. Pelo lado da produção, o crescimento económico tem de passar a fazer-se mais pelo aumento da produtividade do que pelo emprego, pois só assim se consegue subir o nível de vida dos portugueses. Pelo lado da procura, o crescimento da economia tem de passar a ser puxado muito mais pelo investimento e as exportações do que pelo consumo, para se poder reduzir o desequilíbrio externo e aumentar a capacidade produtiva do país, condições indispensáveis para um crescimento duradouro.

É tendo subjacente o quadro que acabo de traçar que aproveito esta oportunidade para me dirigir directamente aos empresários que aqui estão. É nas empresas, pelo esforço conjunto de empresários, gestores e trabalhadores, que se cria riqueza e que se procede, em primeira mão, à sua distribuição. Sem a visão estratégica, a iniciativa inovadora e a capacidade de organização dos empresários não há desenvolvimento económico.

Aos empresários finlandeses quero lembrar-lhes que Portugal é hoje um país moderno e atractivo. Desde a adesão à então Comunidade Económica Europeia em 1986, Portugal investiu bastante na criação de infra-estruturas, nomeadamente rodoviárias e de telecomunicações, e na educação e formação profissional dos recursos humanos; empreendeu um vasto programa de privatizações, que reforçaram o papel da iniciativa privada e fizeram diminuir o peso do Estado na economia; liberalizou praticamente quase todos os mercados de bens e serviços; e, está actualmente em discussão pública um ante-projecto de código do trabalho. Portugal é, pois, um país dotado de boas infra-estruturas materiais e institucionais de apoio ao desenvolvimento económico e partilha com a Finlândia todo o acervo comunitário da União Europeia, a melhor garantia de estabilidade política e económica que se pode oferecer aos investidores estrangeiros.

Portugal também é um país que produz produtos de qualidade a preços competitivos. No entanto, o comércio entre Portugal e a Finlândia - apesar de parceiros na EFTA e na União Europeia, mas talvez por causa da distância física - nunca atingiu a expressão quantitativa que podia e devia ter. No ano passado, as nossas exportações de bens e serviços para a Finlândia pouco passaram de 175 milhões de euros e as correspondentes importações atingiram cerca de 210 milhões de euros.

O desenvolvimento do comércio internacional é um jogo de soma positiva, em que ambas as partes podem ganhar. Por isso, desafio os empresários portugueses, nomeadamente os que me acompanham nesta visita, a fazerem um esforço de penetração no mercado finlandês, e convido os empresários finlandeses, particularmente os que aqui estão, a conhecerem melhor e a comprarem mais bens e serviços portugueses. A excelência da relação qualidade-preço dos produtos portugueses em vários domínios é hoje reconhecida a nível internacional.

O investimento directo entre os nossos dois países também é quantitativamente muito pouco expressivo e poderia ser mutuamente proveitoso expandi-lo. Portugal necessita e está a fazer um grande esforço para atrair investimento directo estrangeiro e, também por isso, não posso deixar de convidar os empresários finlandeses para, a sós ou em parecerias com empresários portugueses, investirem mais em Portugal. E lembro ainda que o investimento de empresários portugueses na Finlândia também pode ser benéfico para a economia portuguesa se promover as exportações e as marcas portuguesas.

A nossa diplomacia económica, os responsáveis pelo ICEP e os empresários portugueses, a começar pelos que aqui estão, terão certamente todo o gosto em informar e incentivar os seus homólogos finlandeses para que estes importem mais produtos portugueses e invistam mais em Portugal. Os empresários que me acompanham nesta visita, e que representam importantes sectores da economia portuguesa, também são testemunho da esperança e da confiança que tenho no desenvolvimento das relações económicas entre Portugal e a Finlândia.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Termino com duas notas finais. A primeira, para exprimir o desejo de que Portugal e a Finlândia possam defender no seio das instituições comunitárias os princípios da igualdade e do desenvolvimento solidário dos Estados para que a Europa, para além de um enorme mercado único, também seja um grande espaço de cidadania e solidariedade entre os povos europeus.

A segunda para expressar um voto de confiança nos empresários portugueses e finlandeses e a esperança que, nesta visita ou no seu seguimento, surjam novos contactos e novos negócios que permitam desenvolver, de forma equilibrada e mutuamente vantajosa, as relações económicas e comerciais entre os nossos países.
Muito obrigado pela vossa atenção.