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Discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia de Tomada de Posse do Sr. Almirante Mendes Cabeçadas como Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas
Palácio Nacional da Ajuda
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores Senhor Almirante Mendes Cabeçadas, V.Ex.ª acaba de ser empossado como Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, recebendo assim a legitimidade para o exercício do cargo da mais alta responsabilidade militar. A posse de V.Ex.a ocorre no momento em que o poder político decidiu rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, enquadrando um processo de aceleração da reestruturação e redimensionamento das Forças Armadas, que tem que ser encarado por todos como prioritário e realizado sem delongas nem tensões desnecessárias. Cumprimento-o no início das suas novas funções. V.Ex.a tem uma distinta carreira de Oficial da Armada portuguesa, consolidado prestígio como chefe militar no exercício de postos de comando e um abnegado espírito de bem servir a República. Faço votos de que as suas qualidades de rigor e sentido das responsabilidades contribuam decisivamente para o impulso reformador que, com determinação, os Órgãos de Soberania e a hierarquia militar têm de trazer à instituição militar num momento crucial para o seu futuro. Como se sabe, as expectativas são grandes. Excelências, Devo uma palavra de reconhecimento, a que estou certo todos se associam, ao Senhor General Alvarenga Sousa Santos no momento em que cessa as funções que com tanta dedicação e mérito desempenhou ao serviço de Portugal. As circunstâncias que levaram à substituição do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas não nos devem impedir de sublinhar e louvar os altos serviços que este distinto General prestou ao País e às Forças Armadas e o empenho que sempre colocou no reforço do seu prestígio e da sua operacionalidade. Excelências, Não podemos escamotear o facto de terem sido exonerados, por decisão política, dois Chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas no espaço de cinco anos, apesar de terem sido substantivamente diversas as razões que ditaram uma e outra exonerações. É verdade que essas decisões são normais num regime democrático, no qual as Forças Armadas estão subordinadas ao poder político e em que os Órgãos de Soberania não abdicam de assumir as suas responsabilidades políticas e constitucionais. Este é um aspecto positivo que deve ser compreendido e retido. Mas, é também verdade que tal facto deve ser analisado como reflexo de um mal estar existente nas Forças Armadas Portuguesas. Valorizemos o primeiro aspecto sem perder de vista a responsabilidade de reflexão e reforma que o segundo nos dita. Minhas Senhoras e meus Senhores, Temos de reconhecer que as Forças Armadas Portuguesas atravessam um momento particularmente delicado que exige de todos nós visão estratégica e determinação política. A situação é particularmente delicada porque as Forças Armadas Portuguesas estão a passar por um processo de reestruturação que dura há demasiado tempo. Não tem havido estabilidade no comando político desse processo: nem nas opções que progressivamente e, tantas vezes, de forma avulsa, vão sendo feitas. A necessidade de se pensar de forma integrada as Forças Armadas, a formulação de uma nova doutrina de acção conjunta subordinada aos princípios da eficácia e da complementaridade entre os Ramos, constitui um desafio que ainda não foi bem sucedido. As Leis de Programação Militar, aprovadas pela Assembleia da República, não têm sido cumpridas.
O XVº Governo Constitucional optou por rever os documentos fundadores de uma política de defesa desde o Conceito Estratégico de Defesa Nacional à Lei de Programação Militar que, por sua vez, tem de ser o corolário lógico dos documentos de orientação estratégica. Defendi reiteradamente a necessidade de revisão desses documentos por me parecer estarem desfasados das profundas alterações ocorridas nos contextos estratégicos. Por isso, a minha posição só pode ser a de incentivo a essa reflexão e esse debate. Todavia, perante a situação objectiva em que se encontram as Forças Armadas, é necessário definir um quadro temporal de referência para a revisão de todo esses instrumentos legais. O estabelecimento de um calendário deve constituir-se como um referencial de duração do processo de reforma, reestruturação e rearmamento das Forças Armadas e de avaliação da capacidade de desempenho de todos os responsáveis envolvidos. Defendo que a definição desse calendário é hoje um elemento imprescindível à capacidade de condução política de todo o processo de reformas. Erram os que pensam que aquilo que está em causa é um simples exercício de redução do sistema de forças , uma espécie de reforma contabilística das Forças Armadas. Tal como erram aqueles que pensam que a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional é um exercício académico. O que Portugal necessita é de um Sistema de Forças que assente numa revisão dos instrumentos de definição da política de Defesa Nacional, revisão essa feita à luz dos interesse permanentes de Portugal, da evolução da política de Defesa e de Segurança da União Europeia, das alterações em curso na OTAN e no contexto estratégico internacional. Para Portugal, país membro da União Europeia e fundador da Aliança Atlântica, profundamente empenhado no quadro de segurança pós-Guerra Fria, torna-se indispensável acompanhar o sentido das evoluções em curso nos nossos parceiros e aliados e dele retirar factores de planeamento fundamentais para uma nova conceptualização estratégica e para a necessária modernização e reestruturação das Forças Armadas portuguesas. As relações atlânticas são uma constante da nossa História que importa preservar. Estamos empenhados no reforço da Aliança Atlântica e da nossa afirmação no quadro da NATO. Temos de ter presente que a estrutura militar da Aliança atravessa um importante processo de alteração de conceitos e de estruturas, para além da previsível assunção de novas responsabilidades. A alteração de conceitos repercute-se directamente sobre as capacidades militares que virão a ser necessárias. Trata-se de matérias que deverão merecer uma cuidada atenção e uma discussão séria , tanto mais que não poderão ser avaliadas ou decididas fora de uma visão e de um quadro estratégicos que integrem as necessidades específicas da política europeia de Segurança e Defesa. A nossa participação na OTAN tem de ser articulada com o contexto internacional de actuação da União Europeia em que estamos inseridos, já que , hoje, é essencialmente como membro da União que Portugal cumpre essa vocação atlântica.
Portugal tem de ter presente, neste momento crucial da reforma das suas Forças Armadas, os esforços que se estão a desenvolver no sentido do reforço de uma Política de Defesa europeia em todas as suas vertentes, nomeadamente, sublinho, na compatibilização dos armamentos e equipamentos. Essa compatibilização deve constituir hoje o ordenamento conceptual de uma política de reequipamento das Forças Armadas Portuguesas. Este deve ser feito de forma estruturada e coerente, assente em opções estratégicas claramente assumidas porque amplamente debatidas. Nesta matéria não é prudente uma política casuística que pode confrontar o país com decisões que condicionam, sem o debate necessário, as opções estratégicas. Esta é, naturalmente, uma matéria a que o Presidente da República dedicará uma escrupulosa atenção. Excelências, Nos últimos anos as Forças Armadas foram chamadas ao desempenho de missões em teatros tão diversos como o Kosovo, a Bósnia-Herzegovina, Timor, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. O seu desempenho foi sempre exemplar e consensualmente louvado por todos. A competência militar das Forças Armadas Portuguesas não está nem nunca esteve em causa. O debate e muitas das divergências existentes centram-se na extensão e rapidez das reformas, nos meios disponíveis para assegurar a sua operacionalidade e reequipamento e na dignificação realista das carreiras militares. É preciso encerrar este debate. Ele está a causar danos que podem ser irremediáveis na confiança que os cidadãos devem ter na utilidade e eficácia da sua Instituição militar. E isso não pode nunca ser posto em causa. Se não se resolveram alguns dos problemas estruturais das Forças Armadas nos últimos 15 anos, em que Portugal dispôs de recursos financeiros e de um consolidado período de expansão económica, façamo-lo agora que as dificuldades orçamentais são mais agudas. Explico o aparente paradoxo: penso que a austeridade pode ser boa conselheira, tornando mais evidente que é necessário concentrarmo-nos no essencial. E que só a opção que se restrinja ao que é essencial é viável para um país da nossa dimensão e com os nossos recursos. Sublinho, entre outros, dois aspectos essenciais ao sucesso desse programa de reformas. Em primeiro lugar refiro o desenvolvimento sustentado de capacidades militares assente em forças estruturadas com base na integração equilibrada entre forças terrestres, navais e aéreas, caracterizadas pela sua complementaridade. As históricas rivalidades entre Ramos já nem como espírito de corpo são saudáveis perante a dimensão das reformas necessárias. De igual modo, deverá concluir-se o processo de repartição de competências entre os Ramos e os níveis de decisão política, de uma forma clara e eficaz. Em segundo lugar, é indispensável um compromisso claro – que deve assentar numa maioria parlamentar alargada – quanto aos montantes financeiros efectivamente disponíveis, sejam eles quais forem, para a reestruturação e o reequipamento militar. Os Órgãos de Soberania, aos quais estão subordinadas as Forças Armadas, têm de assumir a responsabilidade, que é exclusivamente sua, de definir o orçamento possível. Mas é também sua responsabilidade assegurar que esses orçamentos efectivamente estão disponíveis e são aplicados nos calendários previstos. Excelências, Tenho uma responsabilidade constitucional em matéria de Defesa Nacional e de Forças Armadas. Procuro desempenhar uma Magistratura de moderação mas também de incentivo às necessidades prementes de mudança no escrupuloso respeito pela separação de poderes e procurando sempre a cooperação institucional com os outros Órgãos de Soberania. As alterações do edifício legislativo e o desenvolvimento de um ciclo de planeamento estratégico nacional ou as mudanças estruturais e de funcionamento da Forças Armadas são por mim acompanhadas com particular atenção, porque o Presidente da República não pode ser alheio à definição e concretização de orientações políticas nestas matérias. As Forças Armadas são indissociáveis da existência do Estado Português. O país tem de se identificar com a Instituição Militar, tem de compreender e interiorizar a importância e dignidade da sua missão e de se reconhecer com orgulho no seu prestígio. É meu dever inalienável tudo fazer para que se ultrapasse com brevidade uma conjuntura menos feliz. Temos de ter consciência de que em 2004 o serviço militar obrigatório acaba e que iniciamos uma nova fase de Forças Armadas assente em voluntários. Este é no fundo o tempo de que dispomos para consolidar opções sobre as reformas necessárias e lançar as mais urgentes. Num plano, igualmente essencial, situa-se a necessidade de continuar a pugnar para que a reforma das Forças Armadas seja entendida como um desígnio nacional que deve mobilizar a vontade, a adesão e a determinação dos portugueses. Nesta perspectiva, a par das iniciativas que congreguem a participação dos vários sectores da sociedade civil, é importante dispor de uma adequada política de informação pública que proporcione aos cidadãos em geral um melhor conhecimento sobre os temas da Defesa Nacional e das Forças Armadas, e que catalize a sua receptividade para o esforço de modernização a empreender. Mas se é certo que essa política de informação e o debate aberto e participado são essenciais para se formarem consensos em torno das opções políticas a tomar nesta matéria, também é preciso interiorizar, em definitivo, que a abordagem dos assuntos relativos à Defesa Nacional e às Forças Armadas, deve ser feita, em permanência, com elevado sentido de Estado e nas instâncias próprias. A confiança que as novas gerações terão no prestígio e operacionalidade das Forças Armadas é decisiva para o sucesso do sistema de voluntariado. Temos perante nós um desafio histórico que não podemos falhar. O Presidente da República não abdicará de dar o seu contributo para que se reunam as condições com vista a assegurar o reforço do prestígio e operacionalidade das Forças Armadas. Esta é uma responsabilidade pela qual todos seremos avaliados, no contexto dos poderes constitucionais de cada órgão de soberania. Senhor Almirante Mendes Cabeçadas: Desejo a V.Exª as maiores felicidades no exercício do seu cargo, para bem das Forças Armadas de Portugal. Disse.
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