Discurso do Presidente da República na Sessão de Abertura do Colóquio "Memórias Árabe-Islâmicas em Portugal"

Lisboa
23 de Outubro de 2003


Senhor Secretário-Geral da Liga dos Estados Árabes,
Senhor Presidente da Direcção da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Numa época incerta e tensa, em que se avolumam os riscos de conflitos e antagonismos étnicos, religiosos e civilizacionais, a realização destas Jornadas dedicadas às "Memórias Árabe-Islâmicas em Portugal", tem para além do seu interesse cultural, um intencional simbolismo.

Quero começar por saudar o Doutor Amr Moussa, Secretário Geral da Liga dos Estados Árabes, cuja presença confere grande significado e importância a esta iniciativa tão útil para um maior conhecimento mútuo e aprofundamento das relações entre as nossas culturas. Saúdo também todos os convidados presentes.

A Península Ibérica - e, nomeadamente, Portugal - foi, ao longo dos séculos, palco de cruzamentos sucessivos de povos e civilizações. Desse processo histórico ficaram marcas de identidades muito fortes. Entre elas, as da cultura árabe são visíveis na língua, na gastronomia, no urbanismo, na arquitectura, nos usos e costumes, no património material e imaterial.

Com efeito, desde o século VIII até à formação da nacionalidade, os cerca de quatro séculos de presença árabe em Portugal representaram uma memória que perdura e que constitui o tema central deste Colóquio.

Para compreendermos o presente precisamos de entender e conhecer melhor a história e os fundamentos das identidades culturais. O presente é sempre o resultado das muitas influências e de muitas heranças.

Portugal tem realizado nas últimas décadas um assinalável investimento no estudo e na investigação do legado árabe. Na arqueologia, na história, na literatura, no turismo cultural, têm sido muitas as iniciativas que contribuíram para o melhor entendimento do nosso passado, projectando-o na actualidade.

O diálogo entre as culturas e as civilizações constitui, mais do que nunca, um imperativo fundamental, pois é condição indispensável ao desenvolvimento, à paz, à segurança e à luta contra o terrorismo e outras formas de violência. O diálogo é ainda a única forma eficaz de combater o fanatismo, a intolerância e a desconfiança do Outro.

O Mundo globalizado em que vivemos tem de assentar em valores universais que são património de toda a Humanidade, como os que fundamentam o combate pelos Direitos Humanos e pela Democracia.
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Como vos disse, o nosso tempo apresenta fundados motivos de preocupação. É preciso evitar que os sinais inquietantes se adensem ainda mais. É necessário manter abertos os caminhos da esperança.

Tenho chamado repetidas vezes a atenção para a necessidade de se encontrar uma solução política para o conflito do Médio Oriente.

Nove anos após os Acordos de Oslo, as esperanças da paz justa e duradoura soçobraram na vaga de violência a que assistimos com uma aparente impotência ou até resignação.

Mas não há alternativa a uma resolução política, negociada, para o conflito, sob pena do agravamento constante de uma situação que provocou já milhares de mortos e de incapacitados, numa espiral crescente de violência e de ódio a que urge pôr fim.

Israelitas e Palestinianos estão condenados a viverem lado a lado e é essa realidade que se deve impor a uns e a outros. Aos Israelitas assiste o direito absoluto de viveram em paz, dentro de fronteiras seguras, longe do espectro de um novo ataque terrorista. Aos Palestinianos assiste um idêntico direito de disporem de um Estado soberano, igualmente seguro dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. A uns e a outros assiste o direito à paz e à dignidade, ao desenvolvimento, à felicidade.

É pois urgente retomar as negociações políticas, de uma forma séria e consequente, assentes nas resoluções das Nações Unidas e nos princípios que levaram a Oslo. Não há outra alternativa.

A comunidade internacional, e a Europa em particular, tem na resolução deste conflito uma responsabilidade específica, por uma razão elementar de justiça e de coerência com os princípios que defendemos, em nome da paz e da estabilidade.

Mas também porque não podemos ignorar as repercussões negativas do impasse da questão palestiniana sobre as opiniões públicas dos países árabes, susceptíveis de agravar as tensões que se fazem sentir nas relações com o mundo islâmico.

É por isso também urgente que a União Europeia relance, de uma forma eficaz, o Processo de Barcelona, aprofundando o seu relacionamento com os nossos vizinhos directos do Sul, visando o seu desenvolvimento económico e social e reforçando o diálogo entre culturas.

A Europa não joga aqui apenas a sua credibilidade, após tantas declarações de intenção que ficaram aquém dos objectivos anunciados; põe também à prova a sua capacidade para promover o desenvolvimento e reforçar a estabilidade e a segurança de uma vasta zona a que está tão intimamente ligada, ou seja, para reforçar a sua própria segurança no quadro de uma relação estreita de vizinhança claramente assumida.

Senhor Secretário-Geral
Ilustres convidados,

Felicito os organizadores desta iniciativa e sublinho a importância da sua realização. Estou certo de que ela contribuirá para relembrar esta verdade simples, mas tantas vezes esquecida: a de que o Mundo, na sua variedade riquíssima, é, afinal, um só. Pelo seu futuro, todos somos responsáveis – um futuro que, neste início de milénio, queremos que seja de segurança e de paz.