Discurso do Presidente da República por ocasião do Banquete em honra da Presidente da Irlanda, Sra. Mary McAleese

Palácio Nacional da Ajuda
04 de Novembro de 2002


Senhora Presidente
Senhor McAleese
Minhas Senhoras e meus Senhores

É uma honra e um grato prazer receber Vossa Excelência em Lisboa. Guardo da visita que efectuei à Irlanda, em Junho de 1999, as melhores recordações e muito me apraz poder retribuir a calorosa hospitalidade de que fui objecto nessa ocasião. Faço votos para que a estadia de Vossa Excelência em Portugal seja tão agradável e produtiva como foi a minha deslocação ao vosso país.

Entre a Irlanda e Portugal, há uma corrente espontânea de interesse e simpatia que torna os nossos contactos fáceis e calorosos. Somos ambos povos de tradição marítima, virados para o Atlântico, com uma forte emigração, de espírito aberto ao exterior. Situados na extremidade da Europa, somos ambos donos de uma forte identidade nacional, da qual nos orgulhamos e que queremos preservar.

Parceiros na União Europeia, temos um interesse mútuo em reforçar as nossas relações bilaterais, no plano político, económico e cultural. As trocas entre os dois países, os investimentos recíprocos, o volume dos fluxos turísticos continuam a situar-se muito aquém do possível e do desejável. O nosso conhecimento mútuo é ainda escasso. Espero que desta visita possam surgir novos impulsos que permitam desenvolver o nosso relacionamento.

Na esfera europeia, temos ambos a ganhar em trocar experiências e concertar posições. Pela forma como soube beneficiar da integração europeia para desenvolver aceleradamente a sua economia, a Irlanda é considerada por muitos um exemplo e um modelo a seguir. Queremos aprender com a vossa experiência, esperando também que a nossa vos possa em alguma medida ser útil.

Senhora Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

A visita de Vossa Excelência a Lisboa ocorre num momento de grande tensão e incerteza no plano internacional. Por um lado, somos quase diariamente assaltados por notícias de abomináveis actos terroristas nas mais variadas partes do mundo, sendo forçados a testemunhar, horrorizados e impotentes, cenas de morte e destruição em que são vítimas civis inocentes. Por outro lado, assistimos, com preocupação, a crescentes tentações de resolver pela força situações que se arrastam há muito tempo sem solução satisfatória.

Devemos levantar a nossa voz contra a barbárie do terrorismo, sejam quais forem os seus autores e sejam quais forem as circunstâncias que invocam para justificar os seus actos. Ao mesmo tempo, devemos insistir para que, no plano das relações entre os Estados, o direito internacional seja observado e respeitado. Num mundo em que a violência se torna omnipresente, é necessário, mais do que nunca, defender uma cultura de paz, de tolerância e diálogo entre povos e civilizações, de respeito pelos valores da democracia e dos direitos humanos.

Os países da União Europeia tem sido até agora poupados por este novo surto de actividade terrorista, mas seria ilusão pensarmos que estamos ao abrigo de qualquer perigo. Neste momento de incerteza e apreensão quanto ao futuro, reforça-se ainda mais o nosso apego ao ideal da construção europeia. Temos a convicção de que unidos, seremos mais fortes, mais capazes de solidariamente nos defender, mais aptos a influenciar os destinos do mundo de acordo com os nossos valores.

Queremos contar com a Irlanda neste processo de construção europeia em que estamos empenhados. Congratulamo-nos, por isso, com o resultado do referendo que teve recentemente lugar no vosso país sobre o tratado de Nice, que abre caminho, assim o espero, para a realização do alargamento dentro dos prazos previstos. Apesar das dificuldades que coloca, e que seria errado menosprezar, estou convicto que o próximo alargamento será um momento histórico do processo de construção europeia, do qual a Europa se poderá legitimamente orgulhar.


Senhora Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

A Irlanda e Portugal têm interesses e posições convergentes no grande debate que está a ser travado sobre o futuro da Europa motivado pela próxima reunificação do nosso Continente.

Acreditamos, em primeiro lugar, que a igualdade entre os Estados é um princípio básico da construção europeia que tem, em todas as circunstâncias, de ser respeitado e defendido. Ao mesmo tempo, visamos uma arquitectura institucional que aprofunde e consolide a União entre os nossos povos e permita à União dar resposta aos desafios do século XXI.

Dentro em breve a União Europeia contará mais de vinte Estados, dos quais seguramente dois terços poderão ser designados como pequenas e médias potências. É compreensível que isso possa provocar alguma ansiedade nos países de maior dimensão e que, aqui e ali, aflorem tentativas mal disfarçadas para governar a União Europeia através de um directório.

Não creio que essas tentativas tenham possibilidades de vingar. A União Europeia é uma comunidade de iguais e uma comunidade de direito e não é concebível que possa existir de outra maneira. Penso todavia que, perante a crescente complexidade do acervo comunitário, há necessidade de clarificar as regras do jogo e torná-las mais facilmente inteligíveis para os nossos cidadãos.

Sou favorável à adopção pela União Europeia de um tratado constitucional, que exprima com clareza, em linguagem que todos possam entender, os princípios básicos do funcionamento da União. Saúdo a proposta nesse sentido formulada há dias pelo Presidente da Convenção, que constitui um contributo importante para o debate em curso.

Existem naturalmente divergências quanto ao teor desse documento, que devem ser dirimidas pela negociação na próxima Conferência Intergovernamental. Em particular, Portugal não considera que este exercício deva servir como pretexto para alterar o actual equilíbrio institucional, reforçando o pendor intergovernamental da União. Aceitamos que uma União alargada obriga a repensar a forma como está organizado o poder executivo. É necessária uma instituição forte e revestida de legitimidade política para zelar pelo bem comum.Creio, todavia, que devemos nesta área continuar a defender as prerrogativas e o papel da Comissão.

Para promover a integração, dispomos de um método testado: o método comunitário. Estou em crer que o devemos também, cada vez mais, aplicar nas matérias da justiça e assuntos internos. A segurança dos nossos cidadãos, a luta contra o terrorismo e o combate ao crime internacional organizado são temas que estão no topo das preocupações dos nossos cidadãos, aos quais a União deve dar resposta.

A construção europeia é um processo evolutivo. Penso todavia que a Europa precisa de chegar a uma conclusão, ainda que provisória, no debate constitucional em que está envolvida nos últimos dez anos. É necessário recentrar o debate sobre pontos mais concretos da agenda europeia, tais como a política económica, a coesão económica e social, a reforma da política agrícola comum, o reforço da projecção externa da União e o combate ao crime organizado.

Temos uma agenda ambiciosa à nossa frente, mas não há razão para esmorecer. Apesar de todas as dificuldades e de todos os cepticismos vamos seguindo em frente, absorvendo sucessivos alargamentos e consolidando sucessos em que poucos acreditaram, como a moeda que partilhamos e que, essa sim!, é uma manifestação da Europa que toca individualmente todos os nossos cidadãos. O próximo alargamento será qualitativamente diferente dos outros, é certo, colocando dificuldades e interrogações, mas constitui, sobretudo, um desafio histórico. A formidável oportunidade que representa para mais de uma centena de milhão de europeus, e para os Estados democráticos que os representam, irá certamente reforçar a União.

São estas palavras de convicção, esperança e optimismo que vos quero transmitir neste momento de transição da vida internacional, tão carregado de tensões e interrogações. Acreditamos no nosso futuro colectivo e acreditamos que a União Europeia tem um grande papel a desempenhar no combate, sempre renovado, sempre inacabado, por um mundo melhor, mais justo, mais próspero, mais pacífico.

Na convicção de que a Irlanda e Portugal têm um papel de relevo a desempenhar nesse processo, termino levantando o meu copo à saúde de Vossa Excelência e seu marido, ao relacionamento cada vez mais estreito e profícuo entre os nossos dois países e ao futuro da União Europeia em que nos integramos.