Visita aos Arquivos da RTP


18 de Fevereiro de 1999


Visito, hoje, o Arquivo da Radiotelevisão Portuguesa para chamar a atenção do País para a sua grande importância. Mas esta visita inaugura uma série de outras que desejo fazer para sublinhar a função dos arquivos como um sector-chave da política cultural do país.

Como diz o Prof. José Mattoso, "é necessário que os cuidados com os arquivos se tornem parte da cultura fundamental, interiorizada e constante de todos os responsáveis, em todos os níveis, e de todos os cidadãos. É um trabalho colectivo", pondo ainda em relevo "a função estratégica dos arquivos e museus para a edificação da identidade nacional, opondo esta concepção à dos depósitos para serem estudados apenas pelos historiadores e genealogistas".

O investimento e o esforço realizados no Arquivo da RTP, que estão em curso e têm de prosseguir, representam um passo importante no sentido de criar condições adequadas à conservação, organização e tratamento de um espólio, que todos os dias se acrescenta, do maior interesse para a nossa história contemporânea.

A RTP tem, de facto, à sua guarda um património público que urge valorizar, inventariar e tornar acessível, nas melhores condições, a estudiosos, investigadores e ao público em geral.

Cada vez mais o conceito de arquivo tem de ser entendido numa perspectiva dinâmica, pois trata-se de infra-estruturas culturais com suportes e cruzamentos cada vez mais complexos e globais.

O acesso aos arquivos está cada dia mais universalizado. Se a eles recorrem eruditos e investigadores especializados, as suas finalidades pedagógicas, educativas e informativas são crescentemente consideradas fundamentais para a criação de uma mentalidade mais esclarecida e mais moderna.

Não podemos esquecer que algumas das revoluções que, nas últimas décadas, mudaram a cultura e a ciência, nomeadamente na área das ciências humanas e da epistemologia, mas também as artes e a estética, resultaram de uma nova concepção dos arquivos e das suas funções estratégicas.

A renovação das fontes documentais e o alargamento de uma informação mais exacta e sustentada sobre a actividade humana, individual e colectiva, são indispensáveis para a criação de novos saberes e para a articulação entre eles.

São também imprescindíveis na construção social do passado, na invenção do futuro e no conhecimento aprofundado das estruturas da sociedade e da sua evolução.

É necessário salvaguardar o que herdámos e o que produzimos. A preservação e a gestão correcta dos arquivos históricos, civis, administrativos, económicos, científicos, políticos, militares, diplomáticos, religiosos, artísticos e outros, públicos e privados, constituem uma responsabilidade perante as gerações que nos antecederam e perante as que a nós se seguirão. Mas é também, no presente, uma condição para o nosso desenvolvimento cultural e científico.

Uma política cultural de arquivos tem, assim, de constituir um investimento prioritário, em meios e recursos, privilegiando a formação e a dignificação profissional, o trabalho com profundidade, persistência e rigor, o recurso a métodos avançados e eficazes de tratamento dos espécimes arquivísticos, a aplicação de regras e critérios rigorosos equilibrados e transparentes de acesso e consulta.

Não podemos, como tantas vezes acontece, assistir à irreversível destruição do que é insubstituível e constitui uma riqueza, cuja delapidação é irreparável. Evitá-lo é um dever do Estado e da sociedade. Não podemos correr o risco de constatarmos o seguinte: aquilo que melhor temos sido capazes de conservar é a infeliz e secular tradição de incúria e desleixo face aos arquivos nacionais.

Não é retóricamente que se defende a identidade nacional e se afirma o patriotismo. É com uma acção consequente e continuada.

A existência de uma política nacional de instalação, preservação inventariação, tratamento e apetrechamento dos arquivos e de todas as instituições depositárias da memória do País é verdadeira pedra-de-toque de uma sociedade culta, desenvolvida e moderna.

No tempo em que estamos a comemorar os 25 anos do 25 de Abril, reconheçamos que a liberdade que a Revolução nos trouxe traduziu-se também na possibilidade de olharmos para nós sem tabus. Também, para isso, os arquivos são fundamentais.

De facto, podemos hoje conhecer melhor e mais rigorosamente o que fomos e o que fizemos, como nos construímos como povo, como acertámos e como errámos. Não queremos mais usar as glórias do passado para nos desculparmos da impotência do presente ou do medo do futuro.