Discurso em Honra do Presidente da República da Eslovénia, Senhor Milan Kucan


29 de Março de 2000


Senhor Presidente,
Senhora M. Kucan
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quero, em primeiro lugar, desejar as boas vindas a Vossa Excelência, a Sua Excelentíssima Mulher e à ilustre comitiva que vos acompanha, e, em nome de Portugal e dos Portugueses, exprimir quanto nos congratulamos com a vossa presença entre nós.

Guardo da visita de Estado que efectuei à Eslovénia, em Abril do 1999, uma recordação viva e sentida, quer pela forma tão calorosa como fui recebido, quer pelo país europeu e voltado para a modernidade que encontrei e cujas principais instituições tive a honra de visitar.

É por isso com grande prazer que acolho Vossa Excelência em Portugal para esta visita de retribuição que constituirá, estou certo, um marco importante no fortalecimento da sólida amizade que liga os nossos dois países.

Senhor Presidente,

Todos os povos têm uma história. Só por isso podem existir como nação e, assim, projectar um futuro no concerto das nações.

A Eslovénia, sendo um Estado recente, é, tal como Portugal, uma nação antiga. Poderíamos remontar até aos arcanos da antiguidade, para, dos confins do império romano, evocar uma paternidade cultural e de civilização única.

Evocar a história da Eslovénia é refazer a história da Europa, com a sua diversidade de povos e nações, cuja organização política e social nem sempre coincidiu com a dos Estados soberanos que, desde muito cedo, formaram a sociedade internacional. O caso da Eslovénia é paradigmático, a vários títulos.

Primeiro, porque a coesão e unidade da nação eslovena é uma constante da sua história, apesar das condições o mais das vezes adversas com que se deparou, a permanente instabilidade territorial e a mobilidade das suas fronteiras, bem como as vicissitudes que regeram a sua subordinação a potências e poderes sucessivos.

Em segundo lugar, porque os Eslovenos souberam tirar partido do seu posicionamento estratégico, sempre tão ambicionado por uns e outros, tendo aproveitado a riqueza inerente aos pontos de passagem e de transição, em que se cruzam povos, culturas, civilizações e mentalidades diversas, para reforçarem a sua identidade colectiva, cujo factor de coesão inalienável foi a língua.

Em terceiro lugar, porque com o virar da página que correspondeu enfim à proclamação da sua independência, em 1991, a Eslovénia soube, no espaço de uma década, remar contra o tempo perdido e estabelecer bases sólidas de um Estado de direito, democrático, com uma economia de mercado viável, na firme determinação de preparar a sua integração nas estruturas euro-atlânticas e consolidar a sua credibilidade no plano externo.

Quero aqui prestar uma merecida homenagem à acção esclarecida e determinante de Vossa Excelência nesse reencontro feliz da Eslovénia com a sua história.

Senhor Presidente,

O início das negociações de adesão à União Europeia, em 30 de Março de 1998, bem como a sua eleição, nesse mesmo ano, para membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, expressam o reconhecimento da Comunidade Internacional não só dos esforços desenvolvidos pela jovem democracia eslovena como também da seriedade dos resultados obtidos.

A intensa actividade diplomática que a Eslovénia tem desenvolvido para reforçar o seu papel enquanto força estabilizadora na região, o esforço efectuado para resolver os diferendos que a opunham a alguns parceiros mais próximos, a moderação de que deu provas quando conflitos armados deflagraram em países vizinhos e o apoio concedido às forças da NATO no contexto da intervenção no Kosovo atestam a sua preparação e maturidade para enfrentar os desafios que a futura integração nas estruturas euro-atlânticas trará consigo.

Vossa Excelência sabe que Portugal apoiou, desde a primeira hora, a candidatura eslovena às estruturas euro-atlânticas, na dupla vertente da União Europeia e da NATO. Acresce que, a nível bilateral, o relacionamento luso-esloveno é excelente e multifacetado. Também não esquecemos o apoio que a Eslovénia sempre deu às posições portuguesas sobre a questão de Timor, que tem constituído uma das prioridades máximas da diplomacia portuguesa nos últimos anos.

As nossas relações assentam hoje em dia em bases sólidas. Mas é o futuro que se afigura ser o grande elo de ligação entre os nossos povos e países. Portugal e a Eslovénia têm interesses comuns e deverão unir os seus esforços para os fazer valer no quadro da União Europeia, na qual, estou certo, serão em breve parceiros a parte inteira.

Ninguém ignora que, há quinze anos atrás, quando, por exemplo, Portugal estava no lugar da Eslovénia e era país candidato, o processo de adesão, embora exigente e rigoroso, não revestia a complexidade de hoje. Não me apaziguaria ocultar que se trata de um processo que tem as suas dificuldades e que exige da vossa parte, importantes esforços de preparação. Também gostaria de salientar que importa, acima de tudo, uma adesão nas melhores condições possíveis, e que, desde já, estas pressupõem um empenhamento activo da Eslovénia no debate sobre a reforma institucional. Se Portugal, no âmbito da condução dos trabalhos atinentes à Conferência Intergovernamental, optou por consultar os candidatos sobre esta questão foi justamente porque entendeu ser a sua voz parte integrante da Europa do futuro.

Não duvido, no entanto, que esses esforços serão bem sucedidos. A solidariedade entre Estados membros e países candidatos é dever comum: são reptos de todos quer os obstáculos com que a Eslovénia e os outros países candidatos se depararão no processo de adesão, quer as dificuldades que nós, Estados membros da União Europeia, teremos de vencer no âmbito da reforma institucional.

Senhor Presidente,

A Europa dos seis, depois dos nove, dos dez, em seguida dos doze e dos quinze, a Europa que em breve passará para a vintena tem-se alargado sucessivamente e, paralelamente, aprofundado. Primeiro, era um mercado comum do carvão e do aço, tendo incluído, mais tarde, a energia atómica. Abarcou em seguida bens, serviços, capitais. Integrou igualmente a agricultura, a política de transportes, a concorrência. Previu a livre circulação de pessoas, a liberdade de estabelecimento, a política social.

O mercado interno realizado, passou-se à fase seguinte, da realização da União Monetária e Económica. Entretanto, a justiça e os assuntos internos (JAI), de um lado, a política externa e de segurança (PESC), de outro, são matérias que, vencendo resistências particulares, foram fazendo o seu percurso de combatente, acabando por ganhar letras de legalidade no Tratado de Maastricht, consolidadas no de Amesterdão. Outros desafios se perfilam hoje diante de nós: a elaboração de uma política de defesa comum, o emprego e a competitividade da economia europeia, a protecção do ambiente.

Pese embora todas as dificuldades e demoras, a Europa sempre soube conciliar alargamento e aprofundamento. Estou seguro que mais uma vez o conseguiremos. Mas estamos conscientes que o actual processo de alargamento representará para a União, e para os países candidatos, um desafio e um salto qualitativo sem precedentes. As instituições comunitárias terão de se adaptar a novas exigências.

A Conferência Intergovernamental, actualmente em curso deverá, num prazo razoável, resolver as questões mais urgentes de modo a tornar a União apta a receber os primeiros candidatos. Impõe-se, todavia, lançar uma reflexão mais profunda sobre os modelos políticos que permitirão construir a Europa do futuro. Há que mobilizar, desde já, energias criadoras, talentos visionários e sentido da oportunidade, por forma a darmos continuidade à obra dos pais fundadores. Há que ter a mesma visão antecipadora, a mesma capacidade de aliar sentido da história e percepção do interesse geral, realismo pragmático e visão do futuro.

Uma Europa alargada só poderá funcionar se cada Estado tiver um lugar próprio assegurado, independentemente do seu tamanho, da sua população e da sua riqueza. Haverá que acomodar a vontade de uns e de outros, definir um mecanismo de salvaguarda do interesse geral que proteja igualmente os interesses particulares. Não queremos apenas uma Europa de políticas comuns, de regulamentos, de burocracia. Queremos uma Europa na qual todos se possam rever, na dupla qualidade de europeus e cidadãos de Estados soberanos, um espaço de paz, de liberdade, de democracia e de prosperidade, com vocação para se expandir, mas ancorado em valores seguros e compartilhados, que é nosso dever defender de forma intransigente sempre que se encontrem ameaçados.

Precisamos de ideias novas e criativas, fundadoras de um regime próprio à União dos Estados da Europa. É necessário fomentar o debate e reflectir em conjunto sobre as bases de uma organização política à medida do projecto europeu. Não escapa a ninguém que é necessário inventar conceitos novos adaptados às realidades, novas, em construção.

Estas são questões que teremos de resolver, reptos da nossa época de mudanças. Estou certo de que, se unirmos os nossos esforços, conseguiremos delinear uma via de equilíbrio que crie as condições para que os nossos jovens de hoje sejam amanhã cidadãos do mundo, orgulhosos da Europa a que pertencem e empenhados no seu aperfeiçoamento.

Senhor Presidente,

Termino esta intervenção, reiterando as boas vindas a Vossa Excelência, saudações que, naturalmente, são extensivas a Sua Excelentíssima Mulher e à ilustre comitiva que o acompanha.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais de Sua Excelência o Presidente da República da Eslovénia e da Senhora Kucan, pela prosperidade da Eslovénia, pelo fortalecimento dos laços de cooperação e de fraternidade entre os nossos dois povos e países.