Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão Comemorativa dos 25 Anos do Conselho Superior da Magistratura

Lisboa
18 de Fevereiro de 2003


Nesta sessão comemorativa do vigésimo quinto aniversário do Conselho Superior da Magistratura, quero saudar na pessoa de V. Exª, Senhor Conselheiro Aragão Seia, todos os juízes portugueses. Gostaria também de saudar vivamente os vogais por mim nomeados para o Conselho Superior de Magistratura, Juíz Conselheiro Sampaio da Nóvoa e Dr. Guilherme da Palma Carlos, e de acentuar a sua independência, que sempre valorizei, em relação a quem os designou.

A eles atribuiu a Constituição da República o ofício de guardar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses. Não fora assim, e a cidadania ter-se-ia degradado em sujeição e a liberdade em simples conceito.

Foi para o exercício dessa função, tão essencial e tão nobre, que a Constituição conferiu aos juizes um estatuto de independência em face dos outros poderes do Estado - fardo mais do que privilégio, que aos magistrados judiciais incumbe carregar para o bem da democracia e da liberdade.

Por esse ofício, e pelo modo como tem sido exercido, aqui fica o reconhecimento da República.

Minhas senhoras e meus senhores,

A proximidade desta sessão com a da Abertura do Ano Judicial em que tive o prazer de falar aconselha-me, necessariamente, a não voltar aos temas que então abordei ou a outros afins desses.

A realidade que vivemos, porém, suscita-me e justifica as brevíssimas considerações que se seguem. A verdade é que o Conselho Superior de Magistratura está também no centro de um dos poderes do Estado e o que dele releva é essencial para avaliarmos o estado da nossa democracia. O que é novo é que é que aquilo que V.Exas. decidem tem tudo a ver com a confiança dos portugueses nas instituições judiciárias.

Nesta sociedade mediática em que vivemos, um escândalo é mesmo um escândalo e um crime grave é mesmo um crime grave.

E é bom que assim seja.

Para que a comunidade saiba dos males que há em si; para que a comoção que tudo isto suscita seja um estímulo à investigação; para que a publicidade dos factos constitua um freio contra qualquer tentação, por mais remota que seja, de acertar o passo das coisas pela importância social dos suspeitos.

Chegados, porém, aqui, haja o senso de renunciar ao espectáculo pelo espectáculo; e de fazer da notícia, não o episódio seguinte de um qualquer reality show, mas apenas o indispensável e rigoroso relato da marcha da Justiça a fazer-se. Isso, sim, é cumprir o dever de informar.

Para essa marcha é, também, indispensável, como se tem feito notar de vários quadrantes e em diferentes registos, que o julgamento dos factos e dos seus responsáveis se faça exclusivamente nos tribunais. À opinião pública cabe apenas isso mesmo – dar opinião, pois que julgar é função dos tribunais e de mais ninguém.

Mas é preciso ir mais longe.

É bom que se lembre que as questões do segredo de justiça e da prisão preventiva, tão a lume a propósito dos factos recentes, não esperaram pela agenda do espectáculo.

São tema de debate, há muitos anos. Conhecem-se bem, aliás, alguns dos habituais protagonistas.

Eu próprio chamei a atenção, por várias vezes, para a utilidade de se reflectir sobre tais questões, tendo mesmo alertado para a eventual necessidade de se sujeitar a aplicação da prisão preventiva ao contraditório, pelo menos quanto aos indícios relativos à indispensabilidade de medida tão gravosa.

E se todos percebemos que a questão do segredo de justiça está indissociavelmente ligada a interesses tão vitais do Estado como é o sucesso da investigação criminal, deve, todavia, ser sempre lembrado que ele também visa proteger o arguido e a vítima, incluindo a sua reputação.

Felizmente, quando o segredo de justiça está a dar lugar a que o bom nome do arguido ou da vítima seja gravemente atingido, já a lei permite, quer ao Ministério Público, quer ao juiz de instrução, que venham a público, mesmo com quebra do sigilo, repor a verdade das coisas.

Com o que pode dar-se alguma reparação.

Certo é que a divulgação de factos relativos à corrupção e a abusos sexuais sobre menores continua a suscitar enorme comoção e perplexidade. Por esse facto, este é, seguramente, o pior momento para se debater, de forma serena e responsável, questões tão delicadas.

Aguarde-se por melhor tempo, que o modo beneficiará.

Minhas senhoras e meus senhores,

Nesta comemoração dos vinte e cinco anos de actividade do Conselho Superior da Magistratura, convoco a memória de um poder que, anónima e devotadamente, tem guardado a Lei e procurado exaltar a Justiça, sem olhar a quem.

É nessa memória que todos podemos encontrar razões para acreditar na capacidade da magistratura portuguesa para continuar a ser o guardião dos nossos direitos, liberdades e garantias.