Discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia de Recepção às Forças Nacionais Destacadas em Timor-Leste e na Bósnia-Herzegovina

Aveiro
14 de Fevereiro de 2003


Excelências,

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A República convocou esta cerimónia de recepção aos contingentes militares regressados de Timor-Leste e da Bosnia-Herzegovina como preito de reconhecimento e homenagem ao desempenho de missões, realizadas no quadro de forças multinacionais, pelo 2º Batalhão de Infantaria Pára-quedista da Brigada Aerotransportada Independente, reforçado por uma Companhia de Fuzileiros e pelo 2º Batalhão de Infantaria da Brigada Ligeira de Intervenção.

Admito, com pena confesso, que a muitos portuguesas escape a importância destas missões para Portugal, o grau de dificuldade de execução que representam para as Forças Armadas, e o reconhecimento internacional do mérito próprio que os nossos militares granjeiam quando as desempenham.

Por isso, esta cerimónia tem um duplo significado; aquele que cumprimos aqui e o que projectamos para a Comunidade Nacional, convocando-a a associar-se a esta homenagem e incentivando-a a reflectir, quer sobre a relevância estratégica da participação militar portuguesa em operações multinacionais, quer sobre a importância, que é condicionante, da definição dos mandatos internacionais que enquadram essas missões.

Quero, assim, em primeiro lugar, dar público testemunho do reconhecimento do Estado e do País, pelo vosso desempenho nas missões realizadas nesses países, tantas vezes em situações difíceis. Bem hajam pela vossa dedicação a Portugal e pelo brio demonstrado, brio e profissionalismo que vos honrou como militares, que honrou as Forças Armadas Portuguesas e que honrou o País.

Portugal definiu, a partir de meados dos anos noventa, uma nova política que se caracteriza pela disponibilidade nacional em participar activamente, com o envio de meios e de forças, em operações multilaterais, no quadro dos nossos compromissos internacionais.

Nem outro podia ser o caminho a percorrer. Somos uma Nação europeia, velha de mais de oito séculos. Um país que desempenhou um papel importantíssimo na história da civilização ocidental. Portugal, ao integrar o projecto Europeu, em 1986, tinha, necessariamente, de redefinir a sua reinserção internacional, articulando agora as suas alianças históricas com a evolução da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia.

O fim do sistema de confronto entre blocos hegemónicos permitiu às Nações Unidas a formulação de novas missões internacionais, de que são exemplo aquelas que foram desempenhadas pelos elementos dos Batalhões aqui formados. Em boa verdade, creio que se poderá dizer que só a partir deste momento estiveram as Nações Unidas em condições de poder passar a desempenhar as funções que correspondem ao espírito que ditou a sua constituição: garantir a paz. Portugal não podia deixar, naturalmente, de estar presente nas grandes transformações ocorridas no sistema internacional desde o início dos anos 90.

O que está em causa é a capacidade de nos afirmarmos na comunidade internacional, participando nela, não apenas de forma passiva, mas de forma activa, respondendo com sentido de partilha de responsabilidades aos compromissos internacionais do país.

É por isso, com orgulho, que reconheço e distingo o sucesso do esforço feito pelas Forças Armadas portuguesas em resposta ao desafio que se lhes colocava. E temos de ter consciência que a definição dessa nova política colocou, desde então, novos problemas às Forças Armadas, desde a sua incontornável reestruturação ao equipamento moderno de que carece, tantas vezes, para desempenhar essas novas missões.

Hoje, decorridos alguns anos desde o alargamento da participação portuguesa nesse tipo de missões, aprofundámos uma experiência importante para as Forças Armadas. Assim, estamos agora mais conscientes da necessidade de, na definição da política de aquisições, agir com visão e prudência, ponderando sempre a nossa articulação com os sistemas das forças aliadas, designadamente, nos domínios do comando e controlo, da logística e do armamento europeus.

Por muito que, em tempos conturbados como aqueles que atravessamos, tudo pareça incerto e impreciso, é indiscutível que há uma tendência clara no sentido do reforço de mecanismos de uma política de Segurança e Defesa Comum da União Europeia. É nesse sentido, julgo, que, com visão de longo prazo, devemos trabalhar.

A nossa participação nestas missões traduz, também, o reconhecimento por Portugal das novas tarefas que estão cometidas ao sistema das Nações Unidas e do papel central que nele desempenha o Conselho de Segurança.

Por isso, cada vez mais, o problema do mandato que legitima o empenhamento de forças multinacionais se torna central à luz do direito internacional e se deve constituir como referência para a decisão dos Estados quando confrontados com a necessidade de optar pela participação nessas forças. Esta é uma evolução civilizacional extremamente positiva e dela pode depender o reforço da estabilidade, da segurança e da paz mundiais.

Ao homenagear-vos hoje pretendi chamar a atenção do país para o vosso mérito e dedicação. Mas quis, também, incentivar os portugueses a que debatam com mais profundidade tudo o que se prende com a política externa e defesa da Europa e de Portugal.

É que porque por detrás das decisões que em cada momento se tomam, estão homens e mulheres, nossos compatriotas, que partem em missões onde arriscam a sua vida, estão compromissos financeiros que comprometem mais de uma geração, e está, também, a opção entre diversos princípios e valores que devem orientar o direito internacional e, assim, o sentido que queremos dar ao papel a desempenhar por Portugal no Mundo.