Declaração de SEXA PR sobre a Guerra no Iraque

Palácio de Belém
19 de Março de 2003


Portugueses,

Os últimos desenvolvimentos não parecem deixar, infelizmente, qualquer dúvida sobre a iminência de uma intervenção militar no Iraque. A guerra é sempre uma tragédia, com o seu cortejo de mortes, de vítimas inocentes, de populações brutalmente desenraizadas, de destruição, de sofrimentos sem conta. É sempre um retrocesso terrível no caminho moral da humanidade, do seu progresso, dos princípios civilizacionais pelos quais nos regemos e dos valores que defendemos.

Assim, a guerra deve ser sempre um último recurso, só surgindo como admissível uma vez esgotados todos os meios políticos para a evitar. Por isso, só é legítima, face ao Direito Internacional, nos casos claramente tipificados na Carta das Nações Unidas. É esta a posição que tenho consistentemente defendido desde o início desta crise. É uma posição clara e bem conhecida dos portugueses.

Tal não significa, como é óbvio, qualquer complacência com o regime iraquiano, que tem uma longa e deplorável história de actuações atentatórias à paz e à segurança internacionais, de flagrante desrespeito pelos direitos humanos e de desafio à autoridade do Conselho de Segurança.

É obrigação do Iraque respeitar escrupulosamente não apenas a letra, como o espírito das resoluções das Nações Unidas, procedendo a um desarmamento completo e abstendo-se de manobras dilatórias. Defendi sempre que seria necessário esgotar os caminhos pacíficos de solução, cabendo ao Conselho de Segurança, e só a este, decidir as opções a tomar, uma vez avaliado o trabalho dos inspectores.

É esta, inquestionavelmente, a via que respeita a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional, que corresponde à tradição jurídico-cultural portuguesa reflectida na Constituição, e a que mais adequadamente corresponde aos interesses de um Estado como o nosso, proporcionando-lhe o sistema legal para defesa da sua soberania e para a regulação dos seus relacionamentos internacionais.

Foi, infelizmente, outro o entendimento que prevaleceu e que, tudo o indica, levará a uma acção militar, assente numa interpretação fortemente contestada das decisões do Conselho de Segurança e de como melhor defender a ordem internacional. Ora, a conjuntura mundial e as tensões dela decorrentes aconselhavam, pelo contrário, um processo que protegesse a autoridade da ONU e conduzisse a uma coligação tão ampla quanto possível.

Assim se garantiria que o arco de alinhamentos políticos, tal como sucedeu na 1ª Guerra do Golfo, reflectisse a imagem de um sólido consenso da Comunidade Internacional sobre a forma mais apropriada para proceder ao desarme do regime de Bagdad. Esta via de consenso seria, também, a melhor forma de consolidar a estratégia do combate, que considero prioritário, contra o terrorismo internacional, preservando não só a eficácia desta luta, como sobretudo o profundo sentimento de solidariedade e unidade originado pelos atentados de 11 de Setembro contra os EUA. Seria também essa a via para não se agravarem crispações e mal entendidos entre culturas e civilizações. Teria sido esse, por fim, o caminho desejável para preservar a unidade da Europa e da Aliança Atlântica.

A crise iraquiana suscita entre nós e no mundo em geral forte mobilização popular e divisões na opinião pública. A expressão livre destas diferenças assenta nos princípios democráticos pelos quais nos regemos e é inerente à liberdade republicana. Pela minha parte, fui sempre claro nas opções e princípios assumidos, que várias vezes explicitei e que hoje reitero.

As consequências desta crise, que não podemos ainda medir, afectarão também Portugal.

Sem prejuízo do debate político, importa agora sublinhar o dever de os órgãos de soberania preservarem a unidade nacional, já que esta é indispensável para proteger os interesses e as diversas vertentes de segurança do nosso país.

Neste sentido, tendo em conta a inexistência de um mandato expresso das Nações Unidas, as Forças Armadas Portuguesas não participarão neste conflito, não colaborarão nele, nem Portugal fará parte da coligação militar que se criar. Foi esta a minha posição, desde a primeira hora, para o caso de não haver uma resolução específica do Conselho de Segurança.

Prestaremos, no entanto, aos nossos aliados facilidades de trânsito, à semelhança de outros países europeus, alguns dos quais têm expressado, aliás, fortes reservas a uma acção militar contra o Iraque.

Foi este o entendimento que estabeleci com o Senhor Primeiro-Ministro. Outra posição do País não teria sido, para mim, aceitável.

Com a legitimidade que me advém da eleição directa, compete-me resolver divergências ou conflitos institucionais quando surjam. Não fui eleito para me limitar a opinar sobre eles. Fui eleito para encontrar soluções, para estimular e construir entendimentos que assegurem, em circunstâncias como esta, a unidade nacional. Nessa minha decisão, pesa naturalmente, para além da tão grave crise internacional que vivemos, a avaliação que faço das sérias dificuldades económicas e sociais que o país defronta.

Esperemos que a guerra que se anuncia seja breve e proporcional aos objectivos proclamados e que procure poupar a população civil. Confiemos também que sejam acauteladas as questões humanitárias, e que o povo iraquiano possa rapidamente aceder à normalidade e a um regime democrático, após um período de transição sob a égide das Nações Unidas, instância a quem deverá competir a orientação do esforço para uma futura reconstrução do Iraque, bem como a protecção da sua integridade.

A estabilidade e a segurança da região exigem também que sejam feitos esforços consequentes para relançar, desde já, o processo político que levará à criação de um Estado palestiniano, em conformidade com as propostas apresentadas pelas Nações Unidas, pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pela Rússia; são inaceitáveis mais delongas neste processo, o único que poderá pôr fim à escalada da violência e ao sofrimento das populações.

A gravidade da situação actual e as inquietações que ela naturalmente suscita não nos devem distrair de uma reflexão serena sobre o futuro. Não será fácil superar as divisões políticas provocadas por esta crise, quer entre os nossos parceiros e aliados, quer nas relações com o mundo árabe e muçulmano, a que estamos ligados por laços de vizinhança e de história.

Será necessário determinação para as ultrapassar, quer no plano europeu, quer no domínio do relacionamento transatlântico, dois pilares afinal indispensáveis para – num quadro de recíproca confiança, de efectiva cooperação e de respeito mútuo – se defender o progresso e a estabilidade internacional. Por seu lado, a Europa tem que refazer a sua unidade, reafirmar com força um projecto comum, avançar nos caminhos da sua integração, reforçar a sua capacidade de afirmação externa.

E é necessário, tão cedo quanto possível, que as Nações Unidas reassumam o papel central que lhes cabe como ponto de referência indispensável para as questões relativas à paz e à segurança mundiais.

Será esta seguramente a via que melhor protegerá os interesses de Portugal.

Acompanharei, como é meu dever, em contacto permanente com os outros órgãos do Estado, o evoluir da situação. As autoridades portuguesas tomaram medidas para reforçar a segurança do país e dos portugueses. Com a consciência da gravidade do actual momento, devemos manter-nos unidos e preparados para enfrentar os desafios que se nos colocam de uma forma serena.

A situação internacional não deve afastar, porém, a nossa atenção dos nossos próprios problemas, exigindo, pelo contrário, um esforço suplementar para lhes fazer face.

Quero dirigir uma palavra de tranquilidade aos portugueses. Tudo faremos para continuar a garantir a todos os cidadãos a confiança indispensável para que a sua vida quotidiana decorra na maior normalidade.