Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão Comemorativa do 25 de Abril

Assembleia da República
25 de Abril de 2003


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Embaixadores,
Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores


Ao renovar as minhas saudações à Assembleia da República, neste Dia da Liberdade em que evocamos a data fundadora do nosso regime democrático, quero partilhar convosco e, na vossa presença, com os portugueses, a minha reflexão activa e empenhada sobre a hora presente, que, como todos reconhecemos, se apresenta singularmente difícil, complexa e muito exigente. Mergulhados numa crise internacional, de que compreendemos a gravidade, mas de que mal adivinhamos ainda a extensão das suas consequências e perigos, é como se ela nos expusesse mais às nossas próprias fragilidades e carências, revelando-as por inteiro. Sentimos que, aos problemas que conhecemos e vivemos, muitos deles há demasiado tempo, se juntam agora novos problemas e novos desafios.

Esta situação, feita de velhos obstáculos e de novas dificuldades, dá-nos a amarga percepção de nos encontramos mais vulneráveis e mais indefesos para enfrentar o futuro. E deve dar-nos também a consciência, uma maior e mais aguda consciência plenamente assumida, de que o tempo corre contra nós, de que não o podemos perder, desperdiçar ou ignorar a sua passagem veloz e desafiadora. É nos momentos de crise que tudo se reabre: surgem, certamente, riscos e ameaças, mas também se oferece uma grande oportunidade de, desfazendo ilusões e enganos, nos reencontrarmos verdadeiramente connosco, com a nossa vontade e com a nossa ambição – uma vontade mais estável e uma ambição mais lúcida.

É nos momentos de dificuldade que devemos recusar a facilidade. É nos momentos de desafio que o pessimismo e o fatalismo têm de ser contrariados, quer nas suas faces mais tradicionais, as da resignação e da desistência, quer nas suas faces mais perversas, que são as da desresponsabilização, da incúria, da inércia, do incumprimento e do laxismo. É nos momentos de encruzilhada que é preciso ter a coragem de escolher o caminho, de afirmar responsabilidades, de agir consequentemente, de ir ao fundo dos problemas para os enfrentar e resolver, abandonando de vez aquela atitude que nos leva a falar muito das dificuldades, como se, em vez de falar delas, não tivéssemos o dever de as ultrapassar.

Que fique claro: no plano que ao Presidente da República compete, eu não me excluo, nunca me excluí, de dar um contributo constante e activo à resolução dos problemas. Pelo contrário! É nesse sentido que entendo e pratico a cooperação institucional com todos os outros órgãos de soberania. É a essa luz que tudo faço para dar maior coesão ao país, estimular as energias da sociedade, mobilizar os portugueses. Mas não há acção política digna desse nome se não houver metas de exigência e objectivos claros de médio e longo prazo. Compete ao Presidente da República tornar presentes essas metas de exigência e esses grandes objectivos. Compete-lhe também avaliar se se está no bom caminho para os alcançar, pois é nisso que se traduz o desígnio para o país de que o Presidente é portador e em nome da qual foi eleito directamente pelos portugueses. É fundado neste entendimento da minha função, que vos dirijo as palavras de hoje – palavras de preocupação, não vos escondo, mas também palavras de estímulo, de responsabilização e de confiança.

Por considerar que são esses os temas que exigem mais atenção na hora presente, vou falar-vos da crise internacional em que vivemos e dos problemas que ela nos põe, enquanto portugueses, europeus e cidadãos de um mundo globalizado; da situação económica e social do nosso país, pois nela se medem os resultados e os méritos das nossas políticas; e, finalmente, do Estado de direito e da necessidade de o aperfeiçoarmos para termos uma democracia de melhor qualidade.


Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Como disse, celebramos o 25 de Abril num momento em que a situação internacional nos motiva novas apreensões, nos põe novos problemas e nos exige novas responsabilidades. O século XXI começou mal, ao não cumprir as expectativas de paz e de progresso humano que o render dos milénios sempre faz nascer no coração dos homens. O terrorismo e a guerra marcaram tragicamente este início. Retiremos ao menos da experiência da tragédia os ensinamentos necessários para que permaneça firme a esperança em dias melhores.

O conflito do Iraque rasgou já parte do mapa de entendimentos, construções jurídicas internacionais e até de alianças estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial, pondo a nu a debilidade de Organizações e dos seus códigos normativos. Em paralelo, revelou a dificuldade de reajustamento das respectivas estruturas perante a nova distribuição de poder entre os Estados e face aos inéditos problemas políticos, económicos, culturais e religiosos que caracterizam o nosso tempo. Reconhecemo-nos mais vulneráveis, até porque sabemos globais e difusas as novas ameaças decorrentes do terrorismo internacional, da proliferação de armas de destruição maciça, da criminalidade organizada, das crispações sociais, culturais e religiosas, do enfraquecimento de diversos valores estruturantes da sociedade e do progresso humano.

Há um sentimento de inquieta precariedade que atravessa países e povos e atinge também Portugal. A esse respeito, a rara amplitude das várias iniciativas pela paz que tiveram lugar no nosso país e a diversidade da sua composição têm um significado político, social e cultural que não pode ser ignorado. Talvez mais do que qualquer crise internacional anterior, aquela que agora vivemos tem suscitado entre nós extensos debates e análises. É esse um bom sintoma, um sinal de que vivemos numa sociedade viva, democrática, plural e participativa. No mundo global em que vivemos tudo respeita a todos, não devendo nenhum país alhear-se do que acontece e também lhe diz respeito. Para Portugal, é imperativo não se alhear deste processo de múltiplas recomposições da Ordem Internacional, que abarcará tanto a ONU como a União Europeia e a OTAN, pois em qualquer delas tem interesses próprios a defender. Se não o fizermos, outros o farão por nós – e não decerto em nosso benefício.

Os portugueses conhecem a minha posição sobre as condições em que foi lançada a ofensiva militar contra o Iraque. Findo o conflito, derrubada uma odiosa ditadura, esperemos que, a partir de agora, se procure repor e reforçar o papel das Nações Unidas, na consciência de que nunca como hoje foi tão necessária uma regulação das relações internacionais, assente no respeito do direito, que recuse posições hegemónicas e decisões unilaterais. Ao mesmo tempo, importa acautelar que, uma vez estabilizada a situação de segurança e resolvidas as emergências humanitárias, a reconstrução do Iraque – política, civil, física – se processe na mais estrita transparência, tanto de métodos como de finalidades, sob a égide da ONU, para que a auto-determinação e a rápida normalização do país, protegido na sua integridade territorial, possa ser levada a cabo pelo povo iraquiano. Faço votos de que a paz permita, finalmente, um futuro de progresso para este país, ancorado na sua história, nas suas capacidades humanas e nas suas vastas riquezas nacionais.

É esta também a hora em que tudo deve ser feito para pôr termo à situação de permanente conflito entre israelitas e palestinianos, garantindo a estes o Estado a que têm direito e àqueles a segurança do seu viver quotidiano. Seria trágico, nomeadamente para as relações entre o Ocidente e o mundo árabe e muçulmano, se às ruínas e vítimas da guerra do Iraque se continuarem a somar mais escombros e mais mortos em Nablus e Telavive. Trata-se de uma tarefa inadiável, quer no plano político quer no moral.

Devemos interrogar-nos sobre o lugar que pretendemos para Portugal neste mundo em mudança. Ora, na hierarquia dos interesses portugueses, é a UE que assume a posição primeira, decisiva e sem paralelo no plano da nossa estratégia externa. Quero reafirmar aqui tal prioridade, sobretudo neste momento, em que se assiste a uma das recorrentes crispações internas europeias, de antigos ou novos cepticismos.

Tal como em anteriores ocasiões, não é esta a altura para apressados requiems. Pelo contrário! E porque nisso estão interesses portugueses fundamentais, para além de uma fundada convicção de projecto, deveremos pugnar para que a União assuma resolutamente esta fase constituinte, para dar um novo fôlego à construção europeia neste dias de crise. Não tenhamos dúvidas: o próximo Tratado poderá influenciar em larga medida o nosso futuro colectivo, como portugueses e europeus. Importará velar pela defesa de um modelo que proteja o método comunitário, o equilíbrio interinstitucional, o princípio da igualdade dos Estados. Um modelo que promova o aprofundamento das políticas de solidariedade e o estabelecimento de um quadro de objectivos que ponham termo à debilidade da sua dimensão política, designadamente no plano da acção externa e de defesa, cuja frágil expressão vem hipotecando a capacidade da União de agir como actor global e de cumprir as suas indeclináveis responsabilidades internacionais.

Um modelo que reafirme e consolide os valores e objectivos comuns que têm inspirado esta comunidade de destino, a saber: a defesa dos direitos fundamentais, a democracia, o direito, a justiça social, a solidariedade, a igualdade. Um modelo que estabeleça uma mais próxima relação com os cidadãos, procurando dar respostas às suas crescentes inquietações e expectativas, única forma de criar essa ligação afectiva que está na base do cimento de qualquer comunidade. Uma Europa consolidada por um continuado desenvolvimento das suas políticas comuns, com mais coesão económica e social, com mais capacidade competitiva, como aponta a Estratégia de Lisboa. Importa ainda garantir um melhor espaço de segurança para os cidadãos que nela vivem, o qual, sem dano para os valores essenciais de liberdade, salvaguarde o progresso da abolição das fronteiras internas através de uma reforçada cooperação policial e judiciária, de um sistema integrado de vigilância das fronteiras externas, ou de uma realista aproximação do direito penal europeu.

Reitero a nossa convicção europeísta e quero saudar com esperança os dez novos países que se juntaram a nós há pouco neste grande projecto comum, hoje aqui tão simbolicamente representados pelos Presidentes dos seus Parlamentos. Reitero esta convicção não apenas para recordar uma conhecida posição pessoal, mas para reafirmar o que, desde os anos oitenta, constitui um património político do Estado português. Sublinho-a, porque a participação activa de Portugal no actual momento de construção europeia deverá mostrar aos nossos parceiros que a opção da Europa é um desígnio nacional maioritariamente assumido. É nesta comunidade de destino que encontramos os necessários apoios, mecanismos e solidariedades políticas para garantirmos a modernização do país, defendermos o progresso económico-social, e alargarmos a nossa capacidade de projecção externa, nomeadamente em áreas da tradicional presença portuguesa.

A crise do Iraque decerto obrigará a reequacionar o papel da Aliança Atlântica suscitando, porventura, decisões delicadas sobre a extensão das responsabilidades geográficas de uma diferente OTAN. A Aliança Atlântica continua porém a desempenhar um papel central no quadro da defesa e segurança da Europa. É uma aliança antes de mais defensiva, com um papel importante na manutenção da paz e da segurança internacionais, que deve ser cumprido com a crescente colaboração da União Europeia. A Aliança Atlântica não é, no entanto, uma caixa de ferramentas que possamos utilizar em qualquer circunstância sob pena de podermos minar a sua solidez.

A União Europeia deve assumir, em articulação com a OTAN, crescentes responsabilidades no domínio da defesa, em particular nas tarefas de manutenção da paz e da segurança no nosso continente. É importante que sejam fixados novos objectivos concretos à política de defesa europeia. Não se trata apenas de colmatar conhecidas lacunas. Trata-se, também, de definir um projecto que permita à União progredir gradualmente, mas com passos firmes, em direcção a uma capacidade autónoma de defesa que melhor garanta a paz.

Repito: a UE não pode falhar este seu encontro com a História. Os problemas decorrentes da presente conjuntura geopolitica colocam aos responsáveis europeus uma escolha clara: ou dotar a União de objectivos e instrumentos que lhe confiram uma efectiva capacidade de influência diplomática global, ou confiná-la a um estatuto regional. Ora, o progresso, a estabilidade, o equilíbrio do mundo necessitam de uma UE forte, sustentada por instituições sólidas, uma Europa reforçada por um indispensável pensamento estratégico que aproveite as várias experiências nacionais para lançar as bases de uma diplomacia externa interventiva, respaldada por uma adequada política de defesa.

É, aliás, possível – e os debates na Convenção parecem mostrá-lo – elaborar programas comuns que permitam agir com eficácia na gestão de crises, na prevenção de conflitos, na estabilização de situações. Sem atropelos de competências com a OTAN, mas antes melhorando colaborações e entendimentos, seria erro não aproveitar este momento de renovação do Tratado para finalmente se lançarem as bases adequadas de uma política comum de defesa, sustentada por um roteiro de objectivos e instrumentos (a sempre anunciada agência de armamentos seria um primeiro sinal concreto) que favoreçam o estabelecimento de capacidades militares autónomas, designadamente no campo da projecção de forças ou no domínio da informação, indispensáveis para agir – e ser credível.

Pretendemos uma Europa que não se esgote, no plano da sua política externa, na insuficiência declaratória e reactiva. Há, por isso, que assentá-la numa diferente vontade política que saiba identificar os interesses estratégicos europeus e adoptar os métodos para os cumprir.

Nenhum Estado-Nação poderá isoladamente fazer face à globalização dos problemas e aos desafios diversificados que dela decorrem. Portugal, país tradicionalmente aberto ao exterior e dele retirando garantias de independência, deverá assim saber, sem angelismos e com determinação, assegurar a sua presença nos núcleos avançados de decisão que tenderão a formar-se na futura Europa alargada.

Em democracia, deve haver uma avaliação permanente do interesse nacional que não é propriedade exclusiva de ninguém. Sem essa avaliação, os compromissos são ocos e superficiais. Mas isso não obsta a reconhecermos que a capacidade de acção internacional do Estado se reforça com a solidez e autenticidade dos consensos internos sobre as políticas externas, justificando o nosso empenho colectivo para definir linhas de orientação coerentes e duradouras.


Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Falo-vos agora da situação económica e financeira do País. O actual abrandamento da economia portuguesa veio dar destaque a problemas estruturais há muito diagnosticados e revelou novas vulnerabilidades, resultantes, em parte, da dificuldade em lidar com a intensificação da concorrência em mercados cada vez mais globalizados. A palavra "deslocalização" – pronunciada como se de uma fatalidade se tratasse – é cada vez mais utilizada para justificar o despedimento, sem pré-aviso nem justa causa, de milhares de pessoas, e não raramente somos convidados a um encolher de ombros perante a situação, com o argumento de que tudo não passa de um efeito da "globalização", também ela inevitável, também ela irreversível.

Reconhecer os problemas não significa, muito pelo contrário!, abdicar de pensar em meios adequados para os enfrentar. Alguns desses meios continuam a situar-se no quadro das políticas económicas e sociais de âmbito eminentemente nacional.

No contexto internacional, julgo que só uma perspectiva assumidamente reformista pode ser uma via possível de abordagem deste problema, que exige mais cooperação e mais regulação à escala supranacional. Regulação ao nível dos mercados financeiros, para combater excessos especulativos que, quando entregues a si mesmos, podem penalizar injustamente grupos sociais e povos já desfavorecidos; regulação ao nível dos sistemas e mercados de emprego, pondo fim a velhas e novas formas de exploração do trabalho contrárias à dignidade humana; regulação ao nível de equilíbrios ambientais que salvaguardem interesses vitais das gerações futuras; regulação ao nível dos fluxos informacionais, tentando evitar que o seu potencial universalista seja posto ao serviço da força bruta e de interesses particulares ilegítimos.

Portugal, uma pequena economia aberta, tem interesse directo em participar activamente em todas as iniciativas que contribuam para regular as relações económicas internacionais. E, desde logo, a nível europeu, lutando para que se aperfeiçoem e concretizem princípios e normas impeditivos de manifestações brutais de desregulação como as que permitem transferir, de um dia para o outro, recursos e postos de trabalho – tantas vezes criados com apoios comunitários - de países onde vigoram direitos sociais duramente conquistados para países onde tais direitos continuam a ser negados às populações.

Sem essa regulação e sem essas regras, é um mundo sem Lei que estamos a construir – e, como a história nos ensina, isso é abrir a porta a todos os perigos e a todas as ameaças.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores

A década de oitenta do século que há pouco findou ficou marcada, em muitos países da Europa Ocidental, por concepções e políticas defensoras de um recuo generalizado da presença do Estado na vida económica e social, apresentado então como uma nova receita infalível ou um novo dogma, que se apresentava em oposição ao dogma da estatização.

O tempo correu e a avaliação dos vários efeitos negativos de tal orientação sobre as condições de equidade e protecção sociais suscitou, ao longo do decénio passado, uma inflexão da acção política no sentido de assegurar que a transferência para a gestão privada de actividades antes confiada ao Estado decorresse no quadro de regras públicas respeitadoras do interesse geral das populações.

A questão está na ordem do dia em Portugal e é, e continuará a ser, de decisiva importância no futuro do desenvolvimento português e nas suas características fundamentais. Aceita-se que, por razões de eficiência económica e de controle da despesa pública, haja uma redução do papel prestador do Estado; mas também se sustenta que continue a pertencer ao Estado, através de códigos de regulação devidamente explicitados, e de uma acção fiscalizadora eficaz, a responsabilidade última pela defesa do interesse geral.

Tenho defendido ser crucial que a transferência de algumas funções do Estado para privados seja conduzida segundo princípios definidos com transparência e de acordo com procedimentos tecnicamente fundamentados e testados com o rigor e a seriedade requeridos pela defesa do interesse público. Entendo que, se assim não acontecer, é grande o risco de essa transferência vir a gerar custos sociais e económicos altamente gravosos, sobretudo para as populações mais frágeis, ainda que, no curto prazo, ela permita alcançar ganhos financeiros e políticos apetecíveis. Foi esta a perspectiva que adoptei ao apreciar o diploma sobre a Rede de Cuidados de Saúde Primários, o qual só entrará em vigor quando for aprovada a criação de uma entidade reguladora que enquadre a participação dos operadores privados e sociais no âmbito da prestação de serviços públicos.

Parece-me, por outro lado, indispensável que a Administração Pública se abra à inovação de forma a responder às expectativas dos cidadãos e a garantir que o interesse público seja salvaguardado. De facto, nesta progressiva alteração das funções tradicionais do Estado, ou a Administração Pública incorpora novos saberes e novas tecnologias e reforça valores fundamentais como a confiança, a responsabilidade, a imparcialidade, o profissionalismo e a qualidade na sua relação com o indivíduo, a sociedade e o mercado, ou, não o fazendo, a sua falta de capacidade reguladora trará consigo novas e mais dramáticas injustiças, ficando o Estado dependente de interesses privados ou sectoriais, quase sempre não coincidentes com o interesse público.

No tempo actual, aos Governos não se colocam apenas os desafios decorrentes da necessidade de aperfeiçoamento das funções de intervenção reguladora do Estado. Aos Governos, hoje, pede-se mais e melhor. Pede-se que seja capaz de uma visão estratégica de longo prazo e da capacidade de acção correspondente. Posto perante lógicas de mercado, em grande parte não reguladas e que cada vez mais ultrapassam as fronteiras nacionais, não pode o Estado – sobretudo em sociedades com múltiplas fragilidades estruturais, como é o nosso caso – abdicar de uma ambição forte, quer em matéria de reposicionamento estratégico da economia nacional, quer em matéria de construção de uma rede sustentada de protecção social para os cidadãos mais vulneráveis.

Factos recentes da nossa vida colectiva, como os que se têm traduzido por um acréscimo repentino do desemprego, são bem reveladores das responsabilidades e exigências estratégicas que, nos dois eixos enunciados, se colocam às políticas públicas. Começo pelo segundo. É indispensável estabilizar patamares generalizados de protecção dos cidadãos, de forma a prevenir e atenuar, tanto quanto possível, quer o sofrimento das pessoas mais expostas aos riscos, quer os próprios níveis de conflitualidade social. Nada menos aconselhável a este respeito do que provocar roturas forçadas em relação a consensos laboriosamente conseguidos ou a políticas anteriores testadas com êxito – o assunto é demasiado delicado para se compadecer com demarcações ideológicas excessivas ou com experimentalismos de eficácia duvidosa, como se, para inovar em política, tudo tivesse sempre de ser mudado ou se tivesse de recomeçar do zero.

Quanto à intervenção estratégica do Estado, esta tem de começar por exigir uma antecipação prudente dos cenários dentro dos quais se poderá processar o desenvolvimento empresarial e a criação de emprego no País. Garantir condições para o incremento da competitividade ou para a reestruturação atempada de certos sectores de actividade especialmente expostos à concorrência externa não pode ser considerado, como alguns ideólogos da não-intervenção sugerem, como uma intrusão desnecessária e perniciosa do Estado na vida económica. Em Países da União Europeia com estruturas produtivas bem mais sólidas do que as nossas, esse tipo de actuação é correntemente assumido de forma descomplexada, com vantagens visíveis.

É inquestionável que o Estado deve intervir em domínios tais como o do incentivo e apoio à inovação tecnológica e à formação continuada de recursos humanos. Com graves défices acumulados nesta matéria, custa a aceitar que sejam tão tímidos ainda os resultados obtidos. Como também não se compreende que os esforços feitos por sucessivos governos na definição do quadro institucional enquadrador deste tipo de intervenção possam ser postos em causa sempre que ocorre uma mudança política. Mais uma vez insisto nas vantagens de uma cultura de continuidade e amadurecimento relativamente a uma cultura da demarcação, tantas vezes meramente artificial, nominalista e quase ritual. Isto é tanto mais de sublinhar quando, muitas vezes e infelizmente, o que tem continuidade são apenas as más práticas.


Senhor Presidente e Senhores Deputados
Minhas Senhoras e meus Senhores

Mudar o estado actual da economia portuguesa é um desafio incontornável e urgente. Vivemos não apenas uma mera crise conjuntural, agravada pela situação internacional, mas também uma crise estrutural, que se reflecte nos défices acumulados da balança de transacções e no substancial aumento do endividamento externo do País. Temos de encarar de frente e com determinação os problemas de fundo da economia portuguesa, olhando menos para o passado e mais para o futuro. A retoma da economia portuguesa, para ser sustentada, tem de assentar na confiança dos portugueses, num projecto mobilizador e em boas políticas públicas.

A necessidade de controlar as finanças públicas – condição da nossa credibilidade externa – é uma obrigação fundamental que requer medidas estruturais e não se faz apenas com medidas excepcionais irrepetíveis nem com uma redução aparente do défice público. Mas esta exigência de consolidação orçamental duradoura não pode fazer esquecer a preocupação com a grave estagnação da actividade económica e o aumento do desemprego. É por isso que a política económica global não pode estar só centrada nas finanças públicas. Tem que dar corpo a uma estratégia de desenvolvimento económico e social capaz de assegurar o investimento, construir uma economia mais competitiva e uma sociedade mais solidária. O saldo orçamental é um instrumento e uma responsabilidade fundamental, mas não é o objectivo final da política económica. A margem de manobra da política orçamental é relativamente estreita, mas é possível alargá-la através, por exemplo, da reforma da Administração Pública, do combate à evasão fiscal e do recurso a parcerias entre os sectores público e privado.

É indispensável reformar a Administração Pública, não só para racionalizar e controlar a despesa, mas também para aumentar a eficiência da economia e o bem estar dos cidadãos. Não reformaremos, porém, a Administração Pública enunciando apenas a sua necessidade. É preciso ir sempre alterando e corrigindo o que está mal; muitas vezes, até nem são precisas grandes alterações legislativas. Se, por exemplo, os padrões de competência profissional prevalecessem, nas nomeações e promoções, sobre quaisquer outros e se as remunerações reflectissem o mérito no desempenho das funções, estaríamos certamente a melhorar, de forma significativa, a eficiência e qualidade. Como tenho incessantemente repetido, a luta contra a fuga ao fisco também é fundamental, quer para aumentar a base tributária e as receitas fiscais, quer para impedir o sentimento de injustiça provocado pela evasão fiscal, um sentimento que corrói o comportamento cívico dos cidadãos e enfraquece a coesão nacional ao não assegurar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a Lei. O combate à evasão e fraude fiscais tem de ser prosseguido sem contemplações. Esse combate cabe antes de mais ao Governo. Mas os cidadãos também podem e devem colaborar, cumprindo os seus deveres e exigindo aos outros que também os cumpram.

A Resolução da Assembleia da República sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2003-2006, aprovada no início do ano, define orientações úteis para a solução do problema orçamental assente numa programação financeira plurianual e no contexto de uma estratégia de desenvolvimento económico e social a médio prazo. Essas recomendações não podem ficar como simples intenções. Têm de ter consequências, quanto mais não seja porque são necessárias para a solução dos problemas económicos e sociais do País. E ninguém melhor do que os Senhores Deputados para tirar as consequências das referidas recomendações, quer porque as mesmas foram aprovadas nesta Câmara por larga maioria, quer porque em parte respeitam a matéria da competência exclusiva da Assembleia da República.

O debate de política geral sobre a orientação da despesa pública, previsto, na Lei de Estabilidade Orçamental, para o próximo mês, será uma boa ocasião para centrar a discussão parlamentar nestas questões tão importantes e começar a dar corpo às recomendações da Resolução. Estou certo de que os Senhores Deputados aproveitarão a oportunidade para discutir a fundo, e numa perspectiva de médio prazo, a política económica e financeira de Portugal. Seria igualmente importante que essa política, ou algumas das suas componentes, pudesse beneficiar de uma base de apoio alargada. Seria também um bom serviço prestado ao País.

Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais. Foi isso que quis sublinhar com a jornada que estou a realizar sobre a Inovação.

Temos de ter uma mão-de-obra mais instruída e qualificada para poder desempenhar tarefas mais sofisticados e produzir bens e serviços com mais valor acrescentado. A produtividade também depende da inovação em sentido amplo, designadamente na organização do trabalho, na diferenciação e qualidade dos produtos e na estratégia de comercialização. Repito: o que conta não é a mão de obra barata, mas sim a qualificação dos recursos humanos, a sua cultura e formação técnica.

Temos de continuar, por isso, a investir nas pessoas. Este é o nosso maior desafio. Esta é uma responsabilidade do Estado, mas também das próprias pessoas, a quem se pede uma vontade permanente para aprender ao longo da vida, e das empresas e restantes organizações, que não devem descurar a valorização do seu activo mais precioso: aqueles que nelas trabalham. A nossa educação tem de ter mais qualidade e produzir novas respostas à mudança dos nossos tempos. É indispensável que todos os cidadãos e profissionais possuam uma maior cultura científica e tecnológica sem a qual não se pode compreender o mundo em que vivemos e, muito menos, nele actuar conscientemente. Só assim poderemos fazer da Sociedade de Informação uma sociedade onde efectivamente todos tenham livre acesso ao conhecimento e à comunicação.

Podemos registar como um bom sinal a visibilidade que a ciência já alcançou em Portugal. Temos de continuar particularmente atentos a esta questão, para que os ganhos conquistados se consolidem e não possam vir a ser postos em causa, por forma a servirem para o lançamento de políticas dinâmicas de educação e de inovação. Demos passos consideráveis em pouco mais de uma década, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

O papel dos empresários é, também e como é óbvio, fundamental para aumentar a produtividade e a competitividade da economia. Precisamos de mais e melhores empresários. Precisamos de empresários com visão estratégica, com espírito de liderança e com capacidade de organização e de gestão das empresas. Precisamos de empresários inovadores nos produtos e nos processos de fabrico, capazes de organizarem e motivarem os trabalhadores. Só empresas inovadoras, tecnologicamente avançadas e eficientes podem pagar salários que se vão aproximando dos níveis europeus e permanecerem suficientemente competitivas no mercado global. Precisamos também de empresas e empresários que assumam a responsabilidade social que lhe compete prestando a devida atenção às questões do desenvolvimento sustentável, nomeadamente ao ambiente e à coesão social, e cultivando uma atitude ética socialmente responsável nas relações com os trabalhadores e com a sociedade em geral.

Precisamos de empresas economicamente competitivas, financeiramente sólidas e com accionistas e gestores com visão. Só assim poderemos preservar o controlo de centros de decisão estratégica para a nossa economia. Essa é uma tarefa que cabe primordialmente às empresas e um desafio à sua capacidade para estabelecerem as parcerias necessárias. Todavia, as regras do jogo da economia de mercado não são apenas estritamente económicas e o Estado não pode alhear-se da questão dos centros de decisão, recorrendo a instrumentos como a política de privatizações ou a gestão das suas participações sociais. Onde seja estratégico assegurar uma presença nacional relevante, deverá manter-se uma participação pública, ainda que como mero catalisador das parcerias. O Estado não deve ter vergonha em manter empresas com capital maioritariamente público; deve é dotar-se de instrumentos adequados para a sua gestão.

Seria prova de ingenuidade ou incúria se a questão dos centros de decisão não fosse tida em conta na condução da política económica, como aliás acontece nos nossos parceiros da União Europeia. Porém, o Estado tem de distinguir bem entre interesses particulares, nos quais não se deve envolver, e interesse nacional, que lhe cabe defender. Nesta perspectiva, qualquer tomada de posição ou actuação do Governo não pode ser feita à custa da eficiência económica e do interesse dos consumidores, nem à margem da economia aberta em que nos inserimos.


Senhor Presidente e Senhores Deputados

Há mais de duas décadas que a expressão "reformas estruturais" domina o léxico político português e a generalidade dos programas de governo. Algumas se fizeram e muitas outras ficaram por fazer ou pararam a meio. Feitas as contas, a sensação que fica é a de que não tem existido nem uma hierarquia de prioridades clara que ordene a sequência dessas reformas, nem uma determinação política suficiente, para realizar, de forma profunda e consequente, aquelas que são as mais difíceis de fazer.

Hoje, torna-se evidente que, entre os factores que debilitam a nossa capacidade de reagir a conjunturas adversas, avultam a insuficiente eficácia da administração de um Estado centralista e burocrático, as vicissitudes da reforma do sistema político, as graves consequências provocadas pelos problemas acumulados na administração da justiça e uma insuficiente conceptualização dos papeis regulador e fiscalizador do Estado. Não são incidentes de percurso que nos devem distrair da necessidade de se prosseguirem os esforços de reforma do sistema político. Esta exige um trabalho permanente, progressivo, persistente. A Comissão para a Reforma do Sistema Político tem desenvolvido uma importante acção e quero saudá-la por isso. O caminho já percorrido permite-nos esperar novos e mais consensualizados desenvolvimentos neste domínio, tão decisivo para a credibilidade da democracia portuguesa. A qualidade da nossa democracia depende, em larga medida, da nossa capacidade para renovar o contrato entre o Estado de direito e os cidadãos, aumentando a eficácia e a credibilidade do primeiro, a confiança e a participação dos segundos.

A democracia, para se revitalizar, precisa de sangue novo. A vivência democrática não deve ser confundida com consensos artificiais ou com o desempenho meramente burocrático, ou pior ainda, autista, dos mandatos representativos, de que só poderiam resultar um maior afastamento entre cidadãos e eleitos e um esvaziamento das virtualidades regeneradoras próprias do regime democrático.

O confronto vivo e clarificador de políticas alternativas e de programas de governo é essencial à sobrevivência e autenticidade da vida política em democracia. O que nos deve preocupar não é a diferença de posições ou a existência assumida de divergências, mas antes o perigo de vermos o debate político reduzido apenas a confrontações sobre o que é acessório ou mediaticamente compensador no curto prazo.

A vitalidade da democracia exige, por outro lado, uma atitude de cooperação institucional que passa, em primeiro lugar, por uma compreensão rigorosa das funções que cabem a cada um, mas também por uma assunção plena das responsabilidades próprias. Os acontecimentos mais recentes no plano internacional e as dificuldades que atravessamos, no plano interno, fizeram subir o tom do debate político. Nada há, nisso, de dramático, desde que saibamos, todos, centrar a discussão sobre o que é essencial para os interesses dos portugueses e para a posição de Portugal na Europa e no Mundo.

Nesta encruzilhada de problemas e desafios que se põem à nossa democracia, a questão da Justiça continua a ser motivo de grave preocupação e exigência inadiável de uma modernidade que tarda. Sem um sistema de administração de Justiça que funcione eficazmente, não é apenas a segurança nas ruas e a paz social que estão em causa. É a credibilidade e a qualidade da democracia. E é toda a vida colectiva, desde o desenvolvimento económico e social à transparência do exercício dos poderes públicos.

É a democracia e a sua prática quotidiana que devem firmar a ideia de que ninguém está acima da lei. É este princípio que torna incompreensível que, por exemplo, em matéria de corrupção e de evasão fiscal, situações cuja dimensão e gravidade já ninguém se atreve a negar, continuem por tratar, com a eficácia necessária, as questões relativas ao sigilo bancário e ao cruzamento de informação, com a inadmissível impunidade que daí decorre. Esta omissão é tanto mais grave quanto continuam a não ser tomadas, com carácter de permanência, iniciativas de investigação e de fiscalização generalizadas, que desencorajem os corruptos e os faltosos.

Mas é preciso também que os tribunais estejam aptos a responder em tempo aos resultados da investigação e da fiscalização. São conhecidas as carências neste domínio. Há hoje uma generalizada consciência das dificuldades existentes, que atravessam todo o sistema; e estão em curso iniciativas, como é o caso do anunciado Congresso da Justiça, de que se espera um impulso renovador. Nada, todavia, se fará de duradouramente eficaz se agentes políticos, magistrados e advogados, continuarem a tratar das questões da Justiça em circuito fechado, e não correrem o risco de abrir o debate da Justiça às disciplinas que com ela se relacionam por muito que isso possa pôr em causa rotinas e poderes instalados. As experiências, frutuosas, em tempos iniciadas, não devem desaparecer.

Outro tema que tem merecido a minha atenção constante por o considerar vital para o nosso futuro é o da descentralização. Nas ultimas décadas, os territórios ganharam novas e inesperadas competências: ensino e cultura, por exemplo, informação e comunicação, saúde, desporto, emprego e transportes. O processo desta mudança não está terminado. Dirão muitos, entre os quais me incluo, que precisa de ser aprofundado. Mas, paralelamente, enfrenta hoje um duplo desafio. Primeiro: garantir em todos eles o princípio da igualdade de oportunidades, isto é, a equidade territorial. Segundo: promover uma boa articulação entre os diversos níveis de competências territoriais através de uma eficaz descentralização administrativa, que é necessário retomar.

O quadro municipal, que tem constituído a única instância jurídico-administrativa da descentralização, é cada vez mais reconhecido como insuficiente para responder às novas questões da coesão e competitividade dos territórios. Novos quadros, resultantes de aglomerações de municípios, impor-se-ão num futuro próximo. Importa que a sua criação signifique também uma ruptura com modos de actuação em que se privilegia o curto prazo em detrimento do desenvolvimento sustentável, a competição com o vizinho em desfavor da cooperação, a consolidação do poder em prejuízo da abertura à inovação, à criatividade e à partilha.

Não tenho dúvidas em estar, como sempre estive, ao lado dos que querem novos estímulos a uma descentralização, de que resulta necessariamente a criação de novos poderes territoriais e novos métodos para o seu financiamento justo. Mas, atenção! É preciso que esses novos poderes territoriais tenham em conta, em primeiro lugar, que os parceiros com os quais se têm de articular são múltiplos, e que essa multiplicidade constitui uma força e um enriquecimento para a cidadania e o sistema democrático. Em segundo lugar, que o planeamento estratégico tem de se basear num sólido inventário das condições actuais. E em terceiro lugar, que as soluções institucionais da descentralização têm de assentar em realidades credíveis e consensuais. Não seria admissível que, perdêssemos novas oportunidades.


Senhor Presidente, Senhores Deputados,
Portugueses!

Neste dia, quis que as minhas palavras reflectissem as preocupações actuais que tenho e as metas de exigência que considero fundamentais para o progresso do país e a melhoria da qualidade da nossa democracia. Como Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal, sou representante de um desígnio nacional que me compete actualizar, em cada momento decisivo, perante o país.

O caminho é estreito, mas saberemos estar à altura da exigência deste tempo. A globalização impõe-nos uma permanente atenção, uma constante adaptação. A actual encruzilhada europeia, como em todos os anteriores momentos de crise, aumenta os desafios.

As nossas instituições e os nossos comportamentos políticos têm que ser adaptados ao tempo que vivemos, mas sem transigências no que respeita aos valores que fundam a República. Temos que fortalecer a democracia. O fortalecimento da democracia e da República exige o reforço do prestígio das instituições e dos seus titulares. E o esforço desse prestígio exige o combate à corrupção, ao negocismo, à partidarização do Estado. Exige uma justiça mais eficaz, célere e universal.

A nossa modernização económica pressupõe o rigor financeiro, mas exige mais. Temos que aumentar a nossa competitividade e o nosso nível de vida. Temos que melhorar a educação e dar essa melhor educação a mais portugueses. Não enchamos a boca com slogans e palavras de ordem – por muito modernas que elas nos pareçam. Passemos aos actos. Façamos mais e lamentemos menos. Assumamos melhor a responsabilidade que cada qual tem e não achemos sempre que essa responsabilidade é dos outros. Concentremo-nos na identificação das mudanças substanciais que temos que operar na economia e na sociedade portuguesas.

Estas mudanças passam pela modernização do Estado de Direito e têm que respeitar o Estado Social e o imperativo da solidariedade entre os portugueses. Devemos saber preparar o futuro. Prepara-se o futuro reforçando a ética da responsabilidade e do trabalho, que é muitas vezes substituída pela da facilidade e do imediatismo. Temos de nos habituar a premiar as obras, o mérito e os resultados – não as promessas e as ilusões.

A cidadania, o pluralismo de propostas e a participação política devem merecer a primazia própria de uma democracia adulta. Devemos combater a intolerância e a exclusão. Apresentadas as diferenças, assumidas as opções, clarificadas as alternativas, não podemos perder tempo.

Para não perdermos tempo, temos que nos entender sobre o chamado «mínimo essencial». Ele é crucial para progredirmos. Sem esse mínimo, nenhum regime político democrático subsiste, pois fica por assegurar a continuidade e a estabilidade das instituições e do próprio tecido social. Se nos entendermos sobre o «mínimo essencial», seremos capazes de fortalecer o Estado republicano e democrático e de mobilizar a sociedade. Com a nossa capacidade de trabalho, com a nossa iniciativa, com a nossa imaginação, com a nossa força de vontade e espírito de sacrifício, recuperaremos a economia portuguesa, aproximando-nos dos nossos parceiros europeus mais desenvolvidos.

O Portugal do 25 de Abril terá sempre um papel a desempenhar na defesa do Direito e na manutenção da paz internacional. É isso que se espera de nós. De um país que há vinte e nove anos fez uma Revolução que constituiu para o Mundo um exemplo exaltante de civismo e de esperança.

Viva o 25 de Abril
Viva a Liberdade
Viva Portugal!