Discurso de SEXA PR na Sessão de Encerramento da Cerimónia Comemorativa do 1º Centenário do Instituto de Higiene e Medicina Tropical

Lisboa
24 de Abril de 2003


Este é certamente um momento singular na vida de uma instituição, em que se celebra um século de existência. Cem anos que praticamente coincidem com o século XX e com o percurso que nele descreveu a nação portuguesa.

Cem anos que se iniciaram sob um já longínquo regime monárquico sem força anímica, deposto por um movimento republicano vibrante que entendia ser o único capaz de assegurar cabalmente o progresso económico, a modernização do Estado, a representação social, bem como a inserção internacional do País. Cedo, porém, uma Ditadura Militar violenta instalou um regime autoritário que durante quase metade do século se empenhou em regressar a uma ordem antiga que já não tinha sentido nos tempos modernos.

Valeu-nos o 25 de Abril democrático e solidário, que nos permitiu o reencontro com a experiência fecunda de um passado com o qual podemos aprender, para nos adaptarmos e mudarmos com vista ao futuro. E que nos garante a vitalidade e a esperança das nossas escolhas colectivas.

Mas estes cem anos foram também palco de extraordinários avanços no campo do conhecimento científico. A diversidade de instituições ligadas à actividade científica e tecnológica alargou-se enormemente.

A criação de organismos coordenadores e fomentadores da investigação, a fundação de grandes Laboratórios e Institutos públicos destinados a lançar e a apoiar a investigação de carácter mais aplicado, bem como serviços e actividades científicas em sectores estratégicos como a saúde, a alimentação, a construção, os transportes e a energia, o surgimento de poderosas comissões destinadas a coordenar e gerir conjuntamente sectores de actividade com decisiva intervenção da ciência, o aparecimento de sociedades científicas e de associações para a difusão da cultura científica, a criação de grandes organismos e programas científicos internacionais, todo este largo espectro de iniciativas tornou a prática da ciência uma actividade societal de grande relevância.

Este percurso faz também parte da história centenária do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e está associado à qualidade e ao rigor na investigação e no tratamento das doenças tropicais que aqui se instituiu, aqui se cultivou e cultiva, aqui se ensina, se aprende e se difunde.

Não é demais enaltecer o mérito dos propósitos fundadores do Instituto no campo da pesquisa e da formação. Desde 1980 integrado na Universidade Nova de Lisboa, tem, neste seu novo enquadramento universitário, as possibilidades de melhor contribuir para o esforço necessário para responder às questões do século XXI globalizado, que não se compadecem com um Portugal acientífico e acrítico, com uma sociedade ignorante quanto aos valores da prática científica no campo da saúde, da medicina e da cooperação.

O Instituto desenvolveu-se adequadamente, nas últimas décadas, centrando-se nos domínios da investigação ligados às ciências biomédicas, mas sempre com destaque para os aspectos relacionados com a Medicina Tropical, e com a Cooperação, em especial com os PALOP.

Hoje, o IHMT é um parceiro indispensável na estratégia de cooperação com esses países na área da saúde, com destaque para os problemas que decorrem do combate à SIDA.

Tenho considerado ser meu dever, quer no nosso País, quer em instâncias internacionais, conferir uma elevada prioridade ao problema da SIDA na agenda política. Destaco, em 2001, as reuniões com investigadores e técnicos do sector e com organizações não-governamentais, o Seminário que promovi sobre HIV/SIDA e Direitos Humanos, a participação na Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre SIDA e, em 2002, a participação na Conferência internacional sobre SIDA, em Barcelona, que pretendeu envolver líderes mundiais nas decisões sobre SIDA.

Cabe pois referir, neste caso particular, os propósitos do II Seminário de Saúde e Desenvolvimento que decorreu em Maio passado neste Instituto, e que procurou já apontar algumas linhas de desenvolvimento dirigidas para a cooperação com os PALOP em matéria de SIDA.

Todos sabemos que a complexidade do tempo que vivemos, bem como as incertezas que continuamente nos apresenta, exigem mais informação e maior esclarecimento, mais comunicação e maior participação, mais consciência e maior compreensão.

O destino das nossas democracias depende, em larga medida, da capacidade de saberem e poderem articular tendências diversas e conflituais. Por este motivo, o que os países têm de mais precioso reside na sua vontade de inventar, de descobrir, de realizar, de transformar.

Se a ciência está indissoluvelmente ligada à ideia que fazemos do futuro, a inovação corresponde o caminho que conseguimos construir para o atingir, todos os dias.

Sem ciência não há inovação, sem inovação não há mudança. A ciência e a inovação são as chaves do futuro e da liberdade.

Por este motivo, na semana em que justamente comemoramos o 25 de Abril, decidi empreender umas Jornadas dedicadas à Inovação, em todas as suas componentes, da investigação à competitividade, da formação à cooperação institucional. Quero que não nos esqueçamos, nestes tempos especialmente conturbados, que a ideia de modernidade tem que conquistar todos os cidadãos, tem que permear todos os sectores da sociedade.

O desenvolvimento e a sustentabilidade só resultam no contexto de processos de decisão competentes e participados. Que tirem partido do potencial de conhecimentos existente e da dignidade de todos os intervenientes, na expressão do livre exercício da cidadania.

Deste modo, criar memória é simultaneamente, um dever e uma responsabilidade. Porque uma nação sem memória é como uma grande nau à deriva, empurrada pelas ondas, vulnerável às tempestades. Que não consegue vislumbrar nenhum rumo por entre a névoa trazida pelo temporal. Que não percebe que a bonança só se entrevê quando se começa a navegar.

O centenário do IHMT que hoje comemoramos é, também, uma promessa. Mas muito haverá certamente a fazer nos cem anos que se avizinham. Daí os votos de maiores felicidades para todos aqueles que fazem deste Instituto um corpo vivo, um corpo activo e consciente das suas responsabilidades e do seu contributo para o futuro de Portugal e da Europa no mundo.