Discurso de SEXA PR a convite da Associação NATO - Estónia

Tallinn
13 de Maio de 2003


Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Senhor Presidente, permita-me, em primeiro lugar, agradecer a sua presença, que muito me toca, pela honra que representa. Quero também exprimir os meus agradecimentos à Associação NATO-Estónia pela oportunidade que me foi concedida de vos dirigir a palavra. Desejo, antes de mais, manifestar a minha profunda satisfação pelo facto de a Estónia ter assinado, no início deste ano, os protocolos de adesão à NATO e à União Europeia. Felicito-vos por este resultado de alcance histórico, pelo qual lutaram com grande determinação em difíceis circunstâncias. Como futuros parceiros e aliados, esperamos que a cooperação entre os nossos países se desenvolva de forma significativa. É esse o objectivo da minha visita ao vosso país.

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Atravessamos actualmente um momento privilegiado em matéria de segurança europeia. Foram raros os momentos em que a Europa desfrutou de um período tão longo de paz, associado a um sentimento de tão grande segurança, não estando confrontada por nenhuma grande ameaça.

Lançando um olhar retrospectivo sobre o período da guerra fria, o contraste não pode ser mais marcado. Nessa altura, a Europa estava dividida. Agora, em grande medida, está em vias de se unificar. Duas alianças permanentes, dotadas de um terrível potencial bélico, olhavam-se com mútua desconfiança. Apenas uma sobreviveu. Muitos países na Europa estavam sob ocupação soviética e a independência nacional era negada aos Estados Bálticos. Agora estes países estão prestes a ser integrados na União Europeia e na NATO. A União Soviética e os Estados Unidos competiam por poder e influência em todo o mundo. Actualmente, a Rússia e a Ucrânia têm mecanismos de cooperação institucionalizados com a NATO. Washington e Moscovo cooperam também em muitos domínios. A democracia abrange actualmente a quase totalidade da Europa. Assistimos, pois, a uma mudança extraordinária. Quem poderia imaginar, há quinze anos, que poderíamos chegar tão longe e tão depressa?

Cada vez mais as questões de segurança europeia são tratadas de forma cooperativa. Com os respectivos alargamentos, a NATO e a União Europeia estabelecem uma zona de paz, segurança e prosperidade cada vez maior, que exerce um imenso poder de atracção sobre os países ainda não integrados nestas organizações. O quadro institucional de cooperação é reforçado por um vasto leque de acordos internacionais que regula as relações no âmbito da segurança e da defesa.

Desde o fim da guerra fria, o conceito de segurança tem vindo a ser reformulado, abrangendo agora uma variedade mais ampla de matérias. Já de si, este facto indica que o significado clássico de ameaça — ou seja, a ameaça de uma acção militar contra a soberania e integridade territorial de um Estado — está cada vez mais longe das nossas preocupações quotidianas. Muitos dos problemas que são agora vulgarmente incluídos numa definição mais ampla de segurança exigem certamente a nossa atenção. Questões tais como a imigração ilegal, o tráfico de drogas, a degradação ambiental, constituem ainda hoje motivo de preocupação, não se podendo, porém, comparar em termos de gravidade à ameaça do holocausto nuclear, associada à negação dos direitos e liberdades mais elementares de nações e povos inteiros.

A actual situação da segurança europeia dá-nos, por isso, muitos motivos de satisfação e esperança. A questão que devemos considerar actualmente é a de como consolidar este imenso progresso histórico.

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Todos sabemos que, após o colapso da União Soviética, os Estados Unidos da América se tornaram a potência mundial predominante. Menos vulgarmente reconhecido é o facto do papel e do poder da União Europeia também se terem grandemente expandido finda a divisão da Europa. Encurralada, durante a Guerra fria, entre as duas superpotências, a União Europeia adquiriu, com o colapso da bipolaridade. uma capacidade potencial de acção estratégica muito maior.

A questão com que se defronta actualmente a União Europeia é a de como realizar este potencial e como utilizá-lo.

A resposta necessariamente sintética que procurarei dar a esta enorme questão é dupla. Em primeiro lugar, a União Europeia precisa de encontrar um equilíbrio mais satisfatório entre poder militar e poder civil. Em segundo lugar, terá de encontrar um melhor equilíbrio na divisão de responsabilidades entre a Europa e a América do Norte, principalmente no que respeita à segurança do nosso continente.

Embora distintas, estas duas questões estão relacionadas. Na década passada, acentuou-se uma espécie de especialização entre os Estados Unidos e a Europa. Em termos militares, aumentou a diferença de capacidades entre os Estados Unidos e a Europa. Por outro lado, em áreas como a da influência económica, da assistência ao desenvolvimento, da reconstrução pós-conflito, o papel da Europa expandiu-se consideravelmente.

Se compete à União Europeia assumir, como penso, uma maior responsabilidade em matéria de segurança, especialmente na Europa, será necessário progredir na área do poder militar. Para que tal aconteça, é necessário dotar a Política de Segurança e Defesa Comum de maior substancia, realizando designadamente um esforço acrescido para colmatar conhecidas lacunas nas capacidades militares europeias.

A crescente sobreposição geográfica entre a União Europeia e a NATO, assim como a crescente interdependência em termos económicos entre a Europa e a América do Norte, mostram que estas duas organizações, e aquilo que representam, são inseparáveis. Procurar torná-las rivais não teria sentido, e só serviria para causar danos aos arranjos de segurança criados ao longo de muitas décadas que tão bem nos têm servido.

Por isso, o reforço da capacidade europeia para agir de forma independente em matéria de política e segurança externas não implica qualquer intenção de excluir os Estados Unidos da Europa. É natural que, cabendo aos Estados Unidos um papel cada vez mais importante no plano global, a União Europeia assuma, por seu lado, crescentes responsabilidades na manutenção da paz e segurança no nosso continente. Têm-se registado progressos importantes nesta área, que não devem ser subestimados. Após anos de negociações, foi celebrado um acordo entre a União Europeia e a NATO permitindo à União Europeia, em operações sob a sua responsabilidade, fazer uso das capacidades da NATO. São de evitar duplicações desnecessárias entre estas duas organizações. Ao fim e ao cabo, lembremo-nos de que as capacidades da NATO são também capacidades nossas, mesmo levando em conta o facto da contribuição dos Estados Unidos ser incomparável em algumas áreas.

A assunção de responsabilidades pela operação na Macedónia pela União Europeia será o primeiro teste do mecanismo de cooperação estabelecido com a NATO. Espero que, no próximo ano, a União Europeia possa também assumir inteira responsabilidade pela operação na Bósnia Herzegovina, ao que se seguirão, porventura, outras etapas.

Uma maior atenção ao poder militar não significa menor utilidade do poder civil. Com efeito, o poder civil é imprescindível para os desafios que se nos deparam. Desafios tais como a reconstrução pós-conflito, a promoção da democracia e o desenvolvimento económico, a luta contra a degradação do ambiente, o combate ao crime organizado e os tráficos ilegais de todos os géneros só se podem enfrentar através do poder civil.

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O sentimento de que não estávamos sujeitos a nenhuma ameaça grave, comum após o fim da Guerra fria, foi abalado pelos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro, que nos alertaram de forma poderosa para o impacte potencial do terrorismo internacional. Embora não constituísse propriamente uma nova ameaça, poucos tinham previsto que o terrorismo internacional se pudesse materializar com tal força e resultados tão catastróficos. Razão acrescida de preocupação é a ideia de que organizações terroristas possam ter acesso a armas de destruição maciças e que possam usá-las contra as nossas sociedades com efeitos devastadores.

Não devemos, sem dúvida, poupar esforços para combater o terrorismo internacional. Tal requer uma intensa cooperação entre países. Contudo, de forma geral, a força militar não é o instrumento mais adequado para lutar contra a ameaça terrorista. Decisiva é, sobretudo, uma estreita e intensa cooperação entre forças policiais e serviços de informações, associada a um consistente esforço político para negar qualquer forma de legitimidade ao terrorismo internacional, de modo a que toda a comunidade internacional se sinta obrigada a colaborar nesta luta. Esta cooperação já é uma realidade e os resultados estão à vista. Um recente relatório apresentado ao Congresso dos Estados Unidos pelo Departamento de Estado, citado no International Herald Tribune, declara que os 199 incidentes terroristas registados no ano passado representaram uma redução de 44% relativamente ao ano anterior, correspondendo ao número de incidentes deste tipo mais baixo desde 1969. No entanto, não podemos reduzir a nossa vigilância. Temos também de fazer um esforço redobrado para tratar os problemas que podem constituir um fermento para o terrorismo. Reconhecer que o terrorismo tem causas políticas não significa justificá-lo ou desculpá-lo.

Sem comprometer os seus valores essenciais, a União Europeia pode desempenhar um papel muito importante nesta luta. Especialmente importante é diminuir a crescente crispação entre o Islão e o Ocidente. Neste aspecto, acentuo a importância da política mediterrânica da União Europeia e a urgência de um esforço renovado para resolver o conflito entre Israel e os palestinianos. Agora que já foi publicado o itinerário para a paz, não podemos aceitar mais atrasos e evasivas na execução deste plano.

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Embora a Europa não tenha sido um alvo directo dos ataques do 11 de Setembro, estes não deixaram de ser uma poderosa advertência de que não estamos imunes às tensões crescentes para lá das nossas fronteiras.

À medida que se estabiliza a situação na Europa, os nossos países são, por conseguinte, chamados a intervir em regiões cada vez mais distantes. Por exemplo, a NATO decidiu assumir a responsabilidade pela força internacional de assistência à segurança em Cabul, o que seria impensável há uns anos atrás. O alargamento das responsabilidades da NATO, que teve início na ex-Jugoslávia, indica que a vitória alcançada na Guerra fria não esgotou o propósito da Aliança Atlântica. Contudo, quando é necessário actuar colectivamente sob um chapéu institucional, as condições em que se processa essa actuação têm de reunir o consenso geral entre os Estados-Membros destas instituições. Embora a NATO tenha capacidade para servir diversos propósitos úteis que transcendem as suas funções de carácter eminentemente defensivo, é necessário cautela para não comprometer a sua unidade, tentando usá-la como uma organização para todos os fins.

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Todos os Estados-Membros da União Europeia e da NATO são democracias liberais. Com efeito, a adesão aos princípios democráticos, ao Estado de Direito e ao respeito pelos direitos humanos são condições necessárias para fazer parte destas organizações. Por isso, não é de admirar que possam surgir entre si diferenças de percepção. Todavia, mesmo quando dizem respeito a importantes problemas, estas diferenças não põem em causa a parceria fundamental entre ambos os lados do Atlântico.

O Iraque é um exemplo recente. Não é agora oportuno voltar às discussões que ocorreram antes da guerra e que continuam a surgir no seu rescaldo sobre a legitimidade e justificação deste conflito. Quero apenas sublinhar que o problema do Iraque, por mais importante que seja, não põe nem porá em causa, nem tão-pouco representará um perigo, à cooperação entre os Estados Unidos e a Europa no campo da segurança europeia. Esta cooperação tem raízes profundas e é do interesse de ambas as partes, e assim continuará, estou certo, de futuro.

O maior trunfo ao dispor da União Europeia e da NATO é a força do seu exemplo e as perspectivas que abrem a países que ainda não estão em condições de aderirem a estas organizações. A motivação para se tornar membro e partilhar os benefícios que tal proporciona tem sido um poderoso incentivo para a democratização da Europa. Por isso, não devemos impor limites artificiais à participação de potenciais membros, mesmo reconhecendo que números crescentes aumentam a complexidade e colocam cada vez mais desafios à eficácia. Do mesmo modo que não negámos aos países outrora pertencentes à esfera soviética o direito de adesão, não podemos fechar as portas a outras candidaturas que agora despontam no horizonte. Não me refiro apenas aos países cujas candidaturas já foram aceites, ou seja, no caso da União Europeia, à Bulgária, à Roménia e à Turquia, mas, num futuro mais distante, a outros também.

O processo de democratização, que ganhou um importante impulso com a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética, tem ainda de ser consolidado em muitos países do nosso continente. Gostaria de assinalar que o alargamento da democracia contribui, em si mesmo, para aumentar a segurança, uma vez que não há memória na História de guerras entre democracias.

Ao fim e ao cabo, a melhor garantia de segurança e de prosperidade assenta no processo de alargamento pacífico da democracia a todo o continente europeu e para além das suas fronteiras. Não podemos impor aos outros normas uniformes de organização política através do poder militar. Contudo, pela força do nosso exemplo e pelo uso inteligente e pacífico dos nossos vastos recursos políticos e económicos, podemos ajudá-los a atingir um conjunto de aspirações essenciais que creio serem partilhadas por toda a humanidade: a satisfação dos requisitos básicos de uma vida digna, e o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Estou convencido de que este é o caminho certo a percorrer para construirmos um mundo mais seguro e pacífico.

Muito obrigado.