Conferência de SEXA PR sobre "As Novas Perspectivas de Cooperação entre Portugal e a Letónia numa Europa Alargada"

Stockholm School of Economics - Riga
15 de Maio de 2003


Senhor Director
Senhores Embaixadores
Meus Senhores e Senhoras
Caros Estudantes


Agradeço muito sensibilizado as simpáticas palavras de boas-vindas que Vossa Excelência acaba de me dirigir. Foi com o maior prazer que acedi ao honroso convite que me foi dirigido para usar da palavra nesta prestigiada Instituição de estudos e investigação na área comercial, que tanto tem contribuído para formar jovens quadros, dirigentes empresariais e agentes económicos aptos a afrontar os desafios que se colocam à Letónia no âmbito da sua adesão à União Europeia. Cabe-lhes, em larga medida, o ónus de assegurar o funcionamento de uma economia de mercado plenamente consolidada, um processo iniciado desde a restauração da independência da Letónia em 1991.

A afirmação da soberania nacional, a democracia e o respeito pelos direitos e as liberdades fundamentais, valores caros às nossas sociedades, pressupõem também que aos cidadãos sejam garantidas condições de bem-estar, de desenvolvimento e de prosperidade.
No mundo globalizado em que vivemos, marcado pela internacionalização da economia, a abertura dos mercados e o aumento exponencial dos fluxos de trocas, só economias de mercado dinâmicas e competitivas parecem responder à dupla função de, por um lado, proporcionar um nível de rendimento capaz de satisfazer as necessidades dos cidadãos e as suas legítimas aspirações a padrões de vida sempre mais elevados e, por outro, habilitar os Estados com recursos suficientes para desempenharem as funções que naturalmente lhes cabem, designadamente a de assegurar a coesão da sociedade e a solidariedade.

Neste contexto, cabe ao comércio internacional um papel fundamental, não só, de resto, como meio de escoamento das produções, mas também enquanto motor da actividade económica e do desenvolvimento em geral.

É, no entanto, no plano do estabelecimento das relações entre os povos, do diálogo de culturas bem como dos intercâmbios e dos encontros entre civilizações que o papel do comércio na história da humanidade se revela na sua plenitude.

Permitam-me que recorde, a este propósito, as relações antigas que, desde os fins do século XIV, unem Portugal e a Letónia, mesmo se, posteriormente, decorreu um longo período, em que prevaleceram a distância geográfica e as vicissitudes da história. De facto, documentos da época referem um tráfego importante de mercadorias entre o porto de Riga e de Lisboa, que decorria no quadro da Liga Hanseática. Os Portugueses exportavam vinho, sal e fruta, os Hanseáticos levavam-nos cereais, farinha, madeiras, metais e têxteis.
Embora o terramoto de Lisboa de 1755 tenha destruído a maior parte das habitações da época, sabe-se que os edifícios das Alfândegas, construídos mesmo à beira-Tejo, onde eram armazenadas as mercadorias e cobrados os direitos aduaneiros, constituíam o centro da vida económica de Lisboa e, mesmo, do país. Posteriormente, com o desenvolvimento do grande comércio transoceânico e a progressiva decadência da Hansa, que não conseguiu resistir às contingências da distância, o volume do tráfego entre Lisboa e os portos hanseáticos diminui e os contactos tornam-se irregulares. É a partir dessa altura que Portugal encetará um ciclo exaltante da sua história, lançando-se na expansão marítima que, no dizer de alguns, terá configurado, a título percursor, o processo de globalização, ao favorecer as trocas entre a Europa, a Ásia, a América e África.

Com esta breve evocação histórica, pretendo apenas salientar dois pontos: por um lado, a nossa pertença conjunta à União Europeia, marcando um ponto de viragem na aproximação entre a Letónia e Portugal, constitui o retomar de relações antigas, que concorreram também para a criação de um património cultural e de civilização partilhado; por outro, sem este legado europeu comum, amassado ao longo dos séculos, dificilmente a presente unificação do nosso continente poderia visar, como pretendemos, a consolidação de um espaço único de integração económica e política.


Meus amigos

É com muita satisfação que me encontro de visita ao vosso belo país. A minha deslocação à Letónia corresponde à última parte de um longo périplo pelos países do alargamento, que encetei em 1996. Desde então, a história acelerou-se. Hoje, dos candidatos à União, só restam a Bulgária, a Roménia e a Turquia. Os restantes dez países da Europa Central e Oriental assinaram em Abril último os respectivos Tratados de Adesão. Dobrámos assim um cabo difícil da nossa história contemporânea, encerrando o ciclo iniciado com a queda do muro de Berlim, em 1989. A construção europeia, decerto o projecto político mais exaltante do século passado, inicia agora uma nova fase da sua caminhada de sucesso, assente em laços de confiança e de solidariedade entre os seus membros.

Portugal sempre foi um firme apoiante do alargamento. Fizemo-lo, primeiro, por convicção, porque acreditamos numa Europa unida, livre de linhas divisórias e aberta, assente na democracia, no Estado de Direito, na economia de mercado e numa comunidade de valores. Fizemo-lo depois, por coerência, porque reconhecemos, por experiência própria, a importância decisiva que a nossa própria adesão teve para a consolidação da democracia política portuguesa, para o desenvolvimento e a modernização do país e para o reforço da nossa própria projecção internacional.

Apesar de sermos reconhecidamente o país da União que menos benefícios económicos retirará do alargamento – pela nossa situação geográfica, pelas características do nosso tecido produtivo, pelo perfil do nosso quadro de relacionamentos comerciais -, sempre o entendemos como um dever, uma necessidade e uma oportunidade para a Europa. Dever de solidariedade para com as novas democracias. Oportunidade de desenvolvimento, segurança, paz e estabilidade no continente europeu. Necessidade estratégica resultante do processo de mundialização em curso, em que só uma União alargada e coesa se poderá impor como interlocutor válido, capaz de fazer valer os seus interesses e valores.

Entendo que a construção europeia é a aposta certa no futuro. Um futuro melhor passa por uma Europa reunificada, assente em instituições sólidas e em políticas de solidariedade, instrumento indispensável a uma adequada coesão. Alargar a União é também e sobretudo estar empenhado em construir um espaço de paz, de democracia, de justiça, de estabilidade, de segurança e de prosperidade partilhado por todos. Torna-se agora ainda mais indispensável que os europeus reforcem os laços entre si, se solidarizem no seu destino comum, que sintam e vivam a aventura europeia como uma oportunidade e um desafio em que da união de todos e da sua solidariedade resultará a força de cada um.

A integração europeia de Portugal é uma história bem sucedida.

Podemos assim contribuir, com a nossa experiência de sucesso em matéria de adesão para acelerar a integração da Letónia na União Europeia. Estamos abertos e dispostos a cooperar com as autoridades e instituições da Letónia para partilhar os nossos conhecimentos e políticas de sucesso bem como para evitar erros cometidos no passado.

Partilhando a casa comum europeia, Portugal e a Letónia estão agora obrigados, não só a aprofundar o seu conhecimento mútuo, mas também a estabelecer laços privilegiados de cooperação, que se poderão desenvolver aos mais diversos níveis. Primeiro e antes de tudo, ficarão ligados ao cordão umbilical europeu, assistindo-os os deveres de solidariedade, unidade e coesão, ligados por relações de confiança mútua e de comum empenho na construção europeia; em segundo lugar, estarão associados em pé de igualdade à governação europeia, tornando-se parceiros no seio do sistema de Governação da União; em terceiro lugar, terão a ocasião de aprofundarem o relacionamento bilateral nas várias vertentes – é natural que os contactos políticos se tornem mais frequentes e as consultas mais regulares a nível dos diferentes órgãos nacionais de soberania; é previsível e desejável que as relações comerciais se tornem mais intensas e que as parcerias e os investimentos recíprocos se desenvolvam; por último, serão certamente fomentados os intercâmbios culturais e os contactos entre universidades, escolas e institutos bem como um melhor conhecimento recíproco das nossas artes e letras respectivas.

Neste conjunto de novas oportunidades encontramos de resto o sentido das “quatro liberdades”, que o Tratado de Roma prevê promover através da criação de condições que possibilitem justamente a livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais no interior da Comunidade. Este objectivo, como sabemos, foi mais tarde retomado pelo Acto Único Europeu, adoptado em 1985, que oficializou a criação de um espaço sem fronteiras a partir de 1992. A este respeito importa recordar que foi com base no Acto Único, primeira tentativa de reforma dos Tratados fundadores, que a Comissão, na altura presidida por Jacques Delors, figura de proa da construção europeia, apresentou um projecto de reformas, indispensáveis à realização do Mercado Único, que se viriam a revelar decisivas para o desenvolvimento das políticas comunitárias de coesão e solidariedade. Refiro este ponto porque nunca é de mais sublinhar a importância das políticas de coesão na viabilização do projecto europeu, no duplo plano da consolidação do Mercado Único e do reforço dos laços de solidariedade entre os europeus.

Numa altura em que o alargamento da Europa fará aumentar as disparidades de níveis de desenvolvimento entre Estados Membros e que alterará os equilíbrios até agora prevalecentes, é, no meu entender, indispensável manter e até consolidar os mecanismos de coesão e as políticas de solidariedade, adaptando-as às novas realidades. Este é um dever a que estamos obrigados, se não quisermos defraudar as expectativas legítimas dos novos membros, se não quisermos pôr em risco a coesão territorial, económica e social que tem caracterizado o espaço europeu e se não quisermos desnaturar a essência da construcao europeia.

A visão que tenho da Europa para o futuro é a de uma Federação de Estados Nação, baseada nos princípios da igualdade, da coesão e da solidariedade entre parceiros, movida por uma força voluntarista e animada por um espírito de confiança mútua, em que o diálogo, a concertação e o respeito recíproco constituem os princípios basilares deste viver comum.

No nosso mundo globalizado, precisamos de uma Europa forte e unida para podermos ser, tambem, cada vez mais nos proprios, ou seja, para podermos assegurar a defesa dos nossos interesses, reforcar a nossa identidade nacional e dar-lhe uma projeccao externa acrescida. A Europa nao se substitui as agendas nacionais, mas age como uma forca catalizadora, criando uma dinamica forte de que resulta necessariamente um aumento da auto-estima nacional. Tem sido esta a experiencia de Portugal. A Europa tem sido e continuara a ser um fautor de progresso, nao so material mas tambem no plano simbolico da afirmacao das identidades nacionais.

Pela minha parte, não acredito numa Europa que possa ficar aquém desta ambição. Estou certo também de que este é o ideal que os novos parceiros desejam prosseguir, agora que a independência, a democracia e a liberdade lhes devolveu o fio, interrompido, da sua história. Acredito que esta é igualmente a sua ideia de Europa, que, juntos, nos empenharemos em tornar realidade - uma Europa que seja patria igualitaria de todos os Estados, de todas as culturas, de todas as identidades e em que os europeus se possam orgulhar da sua dupla filiacao nacional e europeia.


Muito obrigado a todos