Discurso de SEXA PR proferido no Parlamento Lituano

Vilnius
15 de Maio de 2003


Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhores Embaixadores
Meus Senhores e Senhoras


É para mim um grato prazer e uma grande honra ser recebido nesta Assembleia e poder dirigir-me aos representantes livremente eleitos do povo lituano. Reconheço neste gesto uma distinção para com o país que represento - o qual, mesmo em tempos sombrios, sempre reconheceu a soberania e a independência da Lituânia -, bem como uma marca de amizade que, ao dirigir-se ao Chefe de Estado português, é extensiva a todos os portugueses.

Agradeço-vos pois esta oportunidade e desejo, antes de mais, saudar todos os membros desta Assembleia, saudação a que naturalmente se associam os representantes dos partidos com assento no Parlamento português bem como os membros do Governo português que me acompanham nesta visita.

Desejo também manifestar o quanto me regozijo com os resultados obtidos no recente referendo que teve lugar sobre a adesão da Lituânia à União Europeia. Nestas consultas joga-se não só o vosso futuro, como também o da Europa. Ao dizerem sim à Europa, os lituanos estão a sufragar o caminho da democracia, da liberdade e do desenvolvimento trilhado desde 1991. Mas, estão sobretudo a mostrar que o seu futuro passa pela integração europeia. São sinais claros de que perceberam o sentido da história e de que estão firmemente empenhados em garantir que o século XXI será o da sua afirmação como Estado independente, livre, democrático e soberano.

Como antigo parlamentar que sou, sei que os resultados obtidos devem muito ao vosso trabalho e acção. À instituição parlamentar cabe um papel determinante na construção da democracia e na prossecução dos objectivos e das opções políticas fundamentais que fixam o rumo a uma nação e asseguram a coesão e a unidade dos cidadãos em torno de um projecto comum de sociedade. Não posso pois deixar de vos felicitar calorosamente.


Senhoras e Senhores deputados

Temos o privilégio de viver numa daquelas épocas em que o curso dos acontecimentos se acelera, confrontando-nos com a exigência de respostas adequadas aos desafios que o presente nos coloca. A vossa adesão à União Europeia tem lugar num momento particularmente complexo da história da Europa, das relações transatlânticas e da própria Comunidade Internacional.

O processo de transformações iniciado em 1989, com o fim dos regimes comunistas da Europa de leste, a queda do muro de Berlim e a independência dos Estados Bálticos, tornou possível a reunificação da Europa, desígnio histórico que desde logo a União Europeia assumiu como seu e se empenhou em realizar. Assinados os Tratados de Adesão dos novos Estados Membros no último mês em Atenas, prevista a adesão da Roménia e da Bulgária para 2007 e aceite a candidatura da Turquia, podemo-nos orgulhar de termos dobrado um cabo importante da história contemporânea. Pouco mais de cinquenta anos volvidos desde a sua criação, devemos reconhecer que a Europa cumpriu plenamente o seu desígnio - unir os Estados europeus em torno de um projecto federador, aproximar os povos, assegurar a paz e a prosperidade crescente no nosso continente.

Abrangendo agora praticamente todo o continente europeu, a União Europeia ganhou uma nova dimensão e um peso acrescido. Mas não se trata apenas de uma mudança de escala, porque os Estados Europeus estão igualmente empenhados num processo de aprofundamento da integração europeia. Vivemos um momento complexo de renovação da casa europeia. Há agora que lançar os fundamentos de uma Europa que prossiga a sua caminhada de sucesso. Há agora que dotá-la de uma ambição que lhe garanta longevidade.


Senhor Presidente

Portugal, a Grécia e a Espanha formaram o primeiro grupo de países saído de um regime autoritário e fechado a beneficiar das vantagens da integração europeia. Para a Europa, este alargamento traduziu-se por uma renovação da dinâmica comunitária e constituiu um factor muito positivo, apesar de alguns receios iniciais. Os países do Sul trouxeram consigo a sua história, o seu património cultural, a sua identidade, o dinamismo de que as jovens democracias são sempre portadoras e a ambição dos povos que, libertos do jugo do autoritarismo, pretendem colocar-se em fase com o seu tempo, zelosos da sua afirmação externa. Apesar de registarem um nível de desenvolvimento muito inferior ao da então Europa dos Nove, apesar de as suas economias acusarem um atraso significativo e de serem ainda sociedades em transição democrática, apresentando fragilidades próprias, a integração dos países do Sul foi uma aposta certa no momento certo.

Para estes países e concretamente para Portugal, a adesão à Comunidade Europeia veio reforçar os fundamentos da democracia, trouxe-nos estabilidade e criou condições para encetarmos um ciclo de desenvolvimento e de modernização que tardava. A nossa integração na Europa constituiu outrossim uma ocasião privilegiada de nos afirmarmos em pé de igualdade junto dos nossos parceiros europeus e de reforçar a nossa projecção externa. Para Portugal, a adesão representou uma oportunidade de afirmação da nossa soberania e identidade nacional. As próprias relações com o nosso único vizinho, a Espanha, mudaram com o ingresso simultâneo nas Comunidades Europeias. Superando rivalidades antigas, Portugueses e Espanhóis souberam colocar-se lado a lado, conjugar os seus esforços e participar activamente na edificação de um projecto conjunto. Daqui resultaram relações bilaterais novas, animadas por uma vontade política firme e determinada, que se concretizaram no estreitamento da concertação política e da cooperação económica, cultural e social.

Recordo-o porque me parece claro que é no quadro de concertação e solidariedade da União Europeia que os Estados-Membros acautelam melhor os seus interesses nacionais sem quebra das suas identidades, as quais, pelo contrário, ganham com ela outro espaço de afirmação.

Não obstante podermos traçar alguns paralelismos entre a adesão à União Europeia de países como Portugal e o actual alargamento, considero que esta comparação apresenta limitações evidentes. Primeiro, porque a Europa a que Portugal aderiu, há cerca de vinte anos atrás, resumia-se a um Mercado Único em formação, a um Sistema Monetário Europeu incipiente e em que a Política Externa e de Segurança Comum não existia, as matérias de Justiça e Assuntos Internos não faziam parte dos Tratados e a cidadania europeia não passava de uma utopia; depois, porque a Comunidade Económica Europeia era constituída apenas por dez membros, a maioria democracias antigas com economias prósperas, quase todos países fundadores da União, estes fortemente unidos em torno do eixo franco-alemão que desempenhava um papel determinante e incontestado; em terceiro lugar, porque o mundo estava dividido em dois blocos, dominado pela ameaça nuclear em que a defesa europeia repousava inequivocamente na Aliança Atlântica e o sistema internacional parecia reduzir-se a um jogo infindável entre Washington e Moscovo. Por todo este conjunto de factores, creio poder afirmar que beneficiámos de uma conjuntura particularmente favorável à nossa integração, facilitando-a e explicando parcialmente o seu enorme sucesso.

Não tenho pois quaisquer dúvidas de que o actual alargamento é bastante mais complexo e exigente e que, para os novos membros, a integração se defronta com dificuldades acrescidas, decorrendo além disso num contexto internacional mais volátil, marcado pelos fenómenos da globalização em que os Estados e as populações estão expostos a novas vulnerabilidades e a própria ordem internacional se encontra em recomposição.

Como em todos os momentos de mudança, a situação presente inspira-nos sentimentos de sinal contrário: por um lado, preocupação, temores e alguma ansiedade; por outro, confiança e uma esperança renovada. Pela minha parte, persisto em crer que este alargamento constitui uma oportunidade para a Europa e acredito que saberemos estar à altura do desafio que se nos coloca. A unificação europeia representa um encontro com a história que não poderemos falhar. A velha Europa dos Quinze conta com os seus novos parceiros para renovar a dinâmica comunitária, para, em conjunto, fazermos do século XXI um tempo forte de afirmação dos valores civilizacionais que partilhamos.

Apesar das dificuldades, há indícios de que estamos no bom caminho. E mesmo as recentes polémicas provocadas pela questão iraquiana, persisto em vê-las mais como um sintoma de uma crise de crescimento da Europa do que como sinais de uma qualquer ruptura. A meu ver, os trabalhos em curso no seio da Convenção com vista à elaboração de projecto de Constituição Europeia, são uma manifestação inequívoca da nossa vontade de consolidar a unidade da Europa e de imprimir ao projecto europeu um cunho vincadamente político.

A adopção da Constituição Europeia deverá representar um salto qualitativo na história da construção europeia, marcando uma etapa decisiva na via da afirmação de uma Federação de Estados-Nação Europeia. A relativa celeridade com que a ideia – afinal tão radicalmente inovadora - de um Tratado Constitucional para a Europa fez o seu caminho e se tornou agora num facto adquirido mostra como a história da União Europeia se acelerou extraordinariamente, sem dúvida devido ao efeito catalizador do presente alargamento.

A meu ver, impõe-se a adopção de uma Constituição que consagre os valores e princípios que fundam a União como projecto comum de sociedade e como uma comunidade de destino; que reconheça o princípio da coesão social, económica e territorial da União; que estipule claramente o princípio da igualdade entre Estados Membros como base da solidariedade e dos laços de confiança mútua entre parceiros; que afirme a vontade de aprofundar as políticas comuns da União para garantir um futuro de prosperidade, segurança e justiça; que reforce as bases da União Económica e Monetária, incitando os países do euro a desenvolverem uma coordenação das políticas económicas ainda mais estreita em prol do desenvolvimento sustentado e do emprego; que relance a Política Externa e de Segurança Comum, bem como a Política Europeia de Defesa; e que dote a União de uma arquitectura institucional forte e equilibrada que lhe permita prosseguir na via do aprofundamento político da Europa como União de Estados e de Povos, no respeito pelas identidades e diversidades nacionais.

Aos pessimistas, poderá recordar-se que o Tratado de Maastricht, que deu um impulso decisivo ao desenvolvimento da construção europeia, foi negociado em plena crise mundial e num período de difícil conjuntura económica. E apesar desta realidade adversa, Maastricht lançou os fundamentos políticos da União Europeia, introduziu o conceito de cidadania europeia, apresentou um plano claro para a realização da União Económica e Monetária, consolidou os laços de solidariedade entre Estados Membros através da criação dos Fundos de Coesão, consagrou nos Tratados as matérias da Política Externa e da Justiça e dos Assuntos Internos, mesmo se recorrendo à estrutura ambígua e provisória dos três pilares da construção europeia. Para a época e dado o contexto, foi uma decisão política corajosa, assente numa ambição realista mas forte para a Europa, que a prazo se revelou ser a escolha certa. Resta-nos desejar para a futura Constituição Europeia a mesma coragem política, idêntico realismo e ambição.


Meus Senhores

Para um pequeno ou médio Estado como é Portugal, não tenho pessoalmente quaisquer dúvidas de que a aposta certa e sem alternativas seguras é a Europa. Não tenho também dúvidas de que não faz sentido a oposição, que por vezes alguns pretendem estabelecer, entre a União Europeia e a Aliança Atlântica. De facto, a União Europeia, pelo grau de integração económica e política alcançado ao longo da sua história, pelo projecto de sociedade que representa para os europeus, pela ordem jurídica nova e os vínculos que criou entre os seus membros, em suma, por aquilo que representa e oferece aos cidadãos europeus, não se pode comparar com a NATO, que tem outra génese e responde a outras realidades.

A NATO é e permanece uma organização de segurança, de resto também ela em mutação. Foi criada no contexto da guerra fria, quando o mundo estava dividido em dois blocos, dominado pela perspectiva de uma guerra leste-oeste e pela ameaça nuclear, em que os interesses de segurança e defesa constituíam uma prioridade ineludível. Com o desabamento da União Soviética e o novo desenho geo-político dele decorrente ficaram criadas as condições para o estabelecimento de uma outra ordem mundial, assente nos valores da democracia, da liberdade e da igualdade. Neste contexto, se por um lado, a Aliança Atlântica viu alterados os seus objectivos iniciais, importa reconhecer que a Europa ganhou, por seu turno, uma oportunidade histórica de reunificar o continente.

Ora, neste momento de refundação e reestruturação de um e outro projecto, é necessário sobretudo apostar na definição de caminhos de cooperação, complementaridade e confiança recíproca. Só assim reforçaremos a solidez dos pilares que têm garantido à Europa estabilidade política, prosperidade, paz e segurança. O reforço da Política Europeia de Segurança e Defesa traduz, sem dúvida, uma aspiração legítima de uma Europa que pretende prosseguir a sua integração política, alargando-a ao campo externo. Mas representa, não tenho também qualquer dúvida, um desafio para o qual não dispomos ainda de respostas claras. A meu ver, no tratamento desta questão há, no entanto, dois escolhos a evitar: por um lado, não devemos ignorar o papel fulcral da NATO na estabilidade e na segurança da Europa; por outro, não deverá ser prejudicado o estreito relacionamento transatlântico, essencial para os equilíbrios da ordem mundial.


Senhor Presidente
Senhoras e senhores deputados

Vivemos num período de mudança marcado por algumas incertezas em que cada uma das nossas democracias e o seu conjunto se encontram confrontadas com enormes desafios. Para evitar o ressurgimento de tendências antidemocráticas e a violência que sempre lhes está associada, há que constantemente valorizar o papel do Parlamento enquanto sede indefectível de legitimidade democrática e como instância privilegiada para o debate de ideias e dos projectos que moldarão o futuro colectivo.

Nesta aventura europeia em que Portugal e a Lituânia se encontram ambos empenhados, cabe aos parlamentos nacionais um papel fundamental na promoção do debate sobre o futuro da Europa, na criação de um espaço público europeu, verdadeiro sustentáculo da Europa e da cidadania europeia. Nunca será demais insistir na necessidade de aprofundamento de uma cultura democrática europeia, indissociável da cidadania, da aproximação entre governantes e governados e da aproximação da Europa aos cidadãos.

Este é também um campo novo que se abre à cooperação parlamentar a nível bilateral e estou seguro que animará os contactos profícuos que desejo ver estabelecidos entre os parlamentares aqui representados e os deputados do meu país. A reunião, em Lisboa, dos Presidentes dos Parlamentos dos países do Alargamento da União Europeia no passado dia 25 de Abril, por ocasião do vigésimo nono aniversário da Revolução dos Cravos, constitui desde já um marco no aprofundamento das relações interparlamentares. As Conclusões adoptadas aquando desse encontro apontam claramente para a necessidade de estreitar os contactos entre os parlamentos nacionais por forma a reforçar o seu papel na construção de uma Europa dotada de uma maior legitimidade democrática e próxima dos cidadãos.


Senhor Presidente

Portugal e a Lituânia partilham das mesmas opções. São agora parceiros nas estruturas euro-atlânticas. A reunificação das democracias europeias em torno de um conjunto de princípios e valores partilhados, formando uma comunidade de destino constituirá, quero crer, o marco fundador do século XXI. É uma oportunidade histórica, mas será também um incomensurável desafio, a que estou certo, Lituanos e Portugueses saberão dar resposta.

Termino, formulando votos de sucesso para a cooperação parlamentar luso-lituana, para a consolidação das nossas democracias e, naturalmente, para o futuro da União Europeia, alicerçada numa Constituição em que todos os europeus se revejam.

Muito obrigado a todos.