Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão Comemorativa do 100º Aniversário do Automóvel Clube de Portugal

Lisboa
15 de Abril de 2003


Senhor Presidente do Automóvel Club de Portugal
Senhor Presidente da Sociedade de Geografia
Minhas Senhoras e meus Senhores


É com grande prazer que me associo a esta cerimónia comemorativa dos cem anos duma instituição tão prestigiada como o Automóvel Club de Portugal, que, ao longo de um século de actividade, desempenhou um tão importante papel.

Para além do simbolismo que se traduz no facto de estarmos reunidos na mesma Sociedade de Geografia onde, há exactamente um século, nasceu o ACP, é de assinalar a permanente actualidade de muitos dos objectivos que então presidiram à sua criação, não obstante se ter passado das dezenas para os milhões de veículos em circulação, e das primeiras estradas para os milhares de quilómetros de vias de todos os tipos.

O Automóvel Club de Portugal foi talvez a primeira associação de consumidores do país, pugnando pela adequada regulamentação de tudo o que ao automóvel e aos automobilistas respeita. A preocupação com a melhoria do estado das estradas e com a segurança da circulação rodoviária, pela enorme e permanente actualidade que mantém, bastaria para evidenciar a importância e o pioneirismo da instituição. Muitos de nós ainda se lembram de que ao ACP chegou a caber a responsabilidade pela sinalização rodoviária e toponímia nas estradas portuguesas!

Especialmente a partir do fim da primeira Guerra Mundial, o ACP teve um papel de enorme importância na divulgação do automóvel e na promoção do turismo, que com ele se desenvolveu de forma rápida, e marcando decisivamente o século XX.

Também a introdução do desporto automóvel foi uma das actividades marcantes do Club, quer como promotor e divulgador, quer como regulador da sua prática. As corridas, como então se dizia, e os rallyes, permitiam enquadrar a atracção do homem pela velocidade e desde sempre estiveram na base do extraordinário progresso tecnológico que o automóvel desde então alcançou, com a emergência das linhas de fabrico e montagem.

Desse tempo até ao nosso tempo, o mundo tornou-se outro. Mas vale a pena assinalar que a indústria automóvel continua a ser um dos pilares do desenvolvimento económico actual, pelos múltiplos efeitos que origina, sendo, como todos sabemos, também um sector vital na modernização de Portugal.

A grande revolução neste campo foi a originada pela democratização do uso do automóvel que, de bem elitista, há cem anos, passou, em sociedades como a nossa, a integrar o modo de vida de uma grande maioria dos cidadãos. Esta mudança veio, desde há muito, pôr a legislação e a regulamentação de tudo o que ao automóvel, às vias de comunicação e à circulação respeita em lugar de enorme importância.
Defrontamo-nos hoje, sobretudo, com um problema que, a nível mundial, de há muito é considerado uma questão de saúde e segurança públicas - o da sinistralidade rodoviária, que, em Portugal, como todos infelizmente reconhecemos, é uma autêntica uma calamidade. Cinco portugueses morrem na estrada cada dia; muitos outros ficam com graves sequelas para a vida.

Permitam-me, por isso, que mais uma vez, aqui, hoje, apele ao dever de cidadania que é dizermos basta! a esta situação. Os diagnósticos estão feitos. Aos técnicos pede-se que sejam rigorosos na elaboração dos projectos, no controlo da sua eficácia e na avaliação dos resultados. Aos dirigentes, que sejam rigorosos na selecção e gestão dos programas escolhidos e, sobretudo, firmes na sua aplicação. Aos utentes, isto é, a todos nós, exige-se que sejamos cidadãos responsáveis nas atitudes e comportamentos adoptados.

Há muito a melhorar no estado e qualidade das vias de circulação, muito a modificar e adaptar em leis e regulamentos, há novas e melhores forma de encarar o fenómeno automóvel, o seu papel e os direitos dos cidadãos, muito a alterar e a regular na relação do automóvel com o fenómeno urbano. Mas há, sobretudo, duas coisas que temos que erigir em prioridade nacional, face ao flagelo da sinistralidade rodoviária: a educação e a formação cívica, a actuação rigorosa, firme e pedagógica das autoridades policiais, administrativas e judiciais.

É preciso que se diga com clareza que a primeira razão dos acidentes são, apesar de tudo o resto, os condutores: por falta de civismo e de educação, por irresponsabilidade e por falta de formação adequada.
A Escola tem uma função muito importante, mas a formação específica do condutor e a promoção dos comportamentos cívicos são também decisivas. Cabe aqui um papel importante à comunicação social, pois o seu contributo é fundamental nas campanhas de segurança e educação rodoviária. Mas esse papel cabe também aos fabricantes de automóveis, que nas suas campanhas publicitárias deveriam recorrer mais à promoção da segurança activa e passiva e menos ao anúncio de velocidades vertiginosas, que nem sequer são possíveis, legalmente, no espaço público. Faz parte da sua responsabilidade social contribuírem mais, e em vários domínios, para a divulgação dos comportamentos responsáveis.

Mas se o comportamento de todos nós, utentes da estrada, é factor determinante para a segurança rodoviária, não devemos deixar de referir, com igual ênfase, que o ambiente rodoviário - ou seja, a organização dos sistemas de transportes, a gestão do trânsito, o ordenamento do espaço, a qualidade das infraestruturas, a coerência dos preceitos legais, o controlo sério do estado das viaturas, a eficácia da assistência de emergência médica e, sobretudo, o sistema de fiscalização e punição - tem importância decisiva.

Também a tem uma presença maior, mais activa e mais vigilante das autoridades nas estradas, e a simplificação do nosso sistema legal punitivo, assegurando uma maior imediatez entre a infracção e a efectivação da punição.


Minhas Senhoras e meus Senhores

Apontar objectivos ambiciosos e ser competente e eficaz na sua realização é um desafio que a sociedade portuguesa e os responsáveis pelo sector têm que, de uma vez por todas, assumir como uma questão decisiva para o nosso desenvolvimento. É por isso que, saudando este centenário do ACP e enaltecendo o papel que tem desempenhado, me permito lançar aos seus dirigentes o desafio de colocarem, de forma ainda mais visível, forte e prioritária, as questões da segurança rodoviária no seu programa de acção, articulando com as autoridades, com os outros agentes do sector e com a comunicação social uma actuação urgente que permita deixar de lado o tradicional passar de responsabilidades, dos utentes para os governos e destes para a falta de civismo. Só assim se pode mudar mesmo a situação.

Este é um desafio exigente e urgente. Confio que o ACP estará à sua altura, celebrando o seu passado tão rico e de tanto relevo social, e entrando no seu segundo século de existência com a vontade de continuar a prestar relevantes serviços ao país.

Aos seus dirigentes e associados, todos os que trabalham no ACP felicito calorosamente e desejo as maiores felicidades. Bom trabalho!