Discurso de SEXA PR por ocasião do banquete em honra do Presidente da RFA Johannes Rau

Palácio Nacional da Ajuda
05 de Maio de 2003


Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores


É uma honra e um prazer acolher Vossa Excelência nesta visita de Estado a Portugal. A sua presença entre nós, a que atribuo excepcional significado, é expressão da estreita parceria que existe entre os nossos dois países e do desejo mútuo de a reforçar.

Vossa Excelência foi testemunha privilegiada e actor destacado das grandes transformações que a Alemanha atravessou ao longo do século XX. Presenciou, na juventude, os horrores indizíveis da guerra. Adulto, empenhou-se a fundo na reconstrução, que, em poucos anos, transformou a Alemanha Ocidental numa democracia forte e numa das economias mais desenvolvidas do mundo. Nas décadas da guerra fria, quando a reunificação do seu país parecia uma meta inatingível, nunca deixou de acreditar nela. A história deu-lhe razão: hoje, Vossa Excelência preside a uma nação unida, respeitada, com um papel de primeira linha na Comunidade Internacional.

Foi no quadro do processo de integração europeia que a Alemanha se reinventou. Assumindo-se como um esteio fundamental desse processo, a Alemanha tem dado um contributo decisivo para o sucesso deste projecto que não tem cessado de se alargar e aprofundar. Também Portugal, fechado o ciclo imperial da sua história, encontrou na União Europeia um novo rumo. Sabemos que, para os nossos países, a União Europeia representa uma opção irreversível e uma comunidade de destino, que reforçou de forma decisiva os nossos laços bilaterais. A visita de Vossa Excelência a Lisboa, neste momento em que União Europeia se alarga a Leste, é mais uma prova da amizade que nos une e que queremos ainda reforçar.

Com efeito, no âmbito da União Europeia, mas também no plano bilateral, a Alemanha constitui, para Portugal, um parceiro de importância vital. É o nosso segundo maior parceiro comercial e uma das fontes principais de investimento estrangeiro em Portugal. Empresas como a Volkswagen, a Siemens ou a Bosch constituem pólos de excelência da nossa economia, dando emprego a milhares de portugueses e contribuindo com uma parcela muito significativa das nossas exportações. Os elevados níveis de produtividade e rentabilidade alcançados por esses empreendimentos demonstram que Portugal continua a ser uma boa opção para o investimento alemão.

Centenas de empresas portuguesas trabalham com o mercado alemão e são muitas já a efectuarem ali investimentos. Em Hamburgo, Estugarda, Frankfurt, Colónia e tantas outras cidades alemãs, vivem dezenas de milhares de portugueses. Também eles são um factor de aproximação entre os nossos dois países, que quero valorizar.

Mas não são apenas laços económicos que nos prendem ao vosso país. Admiramos a cultura alemã, musical, literária, filosófica. Não me refiro apenas a nomes gloriosos do passado como Beethoven, Goethe, ou Kant, mas também a figuras do presente como Pina Bausch, Jurgen Habermas ou Guenter Grass.

Não ignoramos, também, o bom acolhimento reservado na Alemanha aos nossos escritores e artistas. Obras como as de Fernando Pessoa ou de António Lobo Antunes deram, a muitos alemães, um conhecimento mais profundo da cultura portuguesa.

É crucial que prossiga e se intensifique a todos os níveis este trabalho de aproximação entre os nossos povos. A Europa que queremos construir não depende unicamente das relações entre Governos. Ela exige também um melhor conhecimento recíproco entre os povos que a compõem. Só assim, afinal, se poderá consolidar a noção de que, apesar de todas as diferenças que os individualizam, existe um património cultural que lhes é comum, o qual constitui a base para que os cidadãos europeus se possam reconhecer na União como em cada uma das suas pátrias.


Senhor Presidente
Excelências

Encontramo-nos num momento crucial do percurso histórico da União Europeia. Em Atenas, foram recentemente assinados os protocolos de adesão com dez países que, dentro em breve, serão membros a parte inteira da União, naquele que constitui o maior alargamento da sua história. Portugal, como a Alemanha, sempre apoiou, sem reservas, este passo de alcance histórico. Não o fizemos, antes pelo contrário, por qualquer interesse material, mas apenas por dever de solidariedade e por convicção de que todos temos a ganhar com uma Europa unida, sem as linhas divisórias que tão cruelmente marcaram o seu passado.

A par do alargamento, está em discussão, no âmbito da Convenção, um projecto de tratado constitucional para a União, que visa criar uma estrutura legal e institucional que, de forma duradoura, dê resposta aos desafios externos e internos com que a União se confronta.

Este processo, em si mesmo muito complexo, foi perturbado pela crise do Iraque, que provocou acentuadas divisões entre os países europeus. Importa agora, acima de tudo, refazer a nossa unidade, que é o segredo da nossa força. Uma Europa dividida é uma Europa fraca e impotente. Uma Europa unida é uma força incontornável na cena internacional. A existência de pontos de vista diversos entre os Estados da União sobre algumas matérias obriga-nos a um esforço acrescido de aproximação, de modo a permitir uma acção concertada no plano internacional, mais do que nunca necessária.

Não podemos consentir que o projecto europeu fique refém de agendas que lhe são alheias, nem que divisões surgidas a propósito de certas questões impeçam a União Europeia de progredir e de se afirmar na cena internacional. A obra que temos entre mãos — refazer a unidade do continente europeu, encontrando uma fórmula original de construção política capaz de acomodar unidade e diversidade — exige visão, dedicação e esforço. Não nos podemos distrair dela.

Para chegar onde hoje estamos, foi necessário vencer descrenças, superar crises, ultrapassar inércias que, por mais de uma vez, pareceram ameaçar a nossa capacidade de avançar. O património colectivo que construímos nestas curtas décadas de vida do projecto europeu demonstra todavia que a nossa vontade e capacidade para trabalhar em conjunto acabou sempre por prevalecer . Ele é razão suficiente para acreditar na solidez e perenidade do nosso desígnio.

Na base desse projecto está um conjunto de valores partilhados nos quais se reconhecem os nossos povos e que constituem um exemplo para o mundo: valores de paz, de respeito pelo direito internacional, de defesa dos direitos humanos, de solidariedade. Neste tempo marcado por inúmeras tensões, políticas, religiosas, económicas e sociais, é com base nesses valores que devemos projectar a presença da União Europeia no mundo. Temos de forjar a nossa própria agenda, concentrando-nos, desde logo, nas regiões nas quais temos especiais interesses, seja por razões de vizinhança, ou por laços históricos e culturais.

Temos a consciência aguda de que estamos a viver momentos históricos, bem como da importância do que está em jogo. Sem abdicar dos nossos princípios, temos que trabalhar em conjunto, para erguer um mundo mais justo e mais solidário, um mundo em que prevaleça, como valor e meta, a dignidade de todos os seres humanos.


Senhor Presidente

Espero que esta viagem permita a Vossa Excelência, a sua mulher e a todos os que vos acompanham enriquecerem a vossa imagem de Portugal, permitindo-vos, nomeadamente, apreciar melhor o significado concreto para o nosso país da adesão à União Europeia. Espero, também, que esta visita sirva como testemunho de gratidão pelo inestimável apoio que recebemos da Alemanha desde o 25 de Abril.

É por isso com sincera amizade que levanto o meu copo para brindar ao aprofundamento dos laços entre Portugal e a Alemanha, que desejo duradouros e profundos, à paz e à prosperidade para os nossos dois povos e à felicidade pessoal de Vossa Excelência e da Senhora Christina Rau, que nos dão hoje o prazer de partilharem connosco este momento.