Discurso de SEXA PR por ocasião do Jantar na Associação Comercial do Porto

Porto
09 de Maio de 2003


Ao tomar a palavra neste emblemático lugar do nosso património histórico, perante um conjunto de cidadãos que fazem do seu dia a dia um combate empenhado pelo desenvolvimento, gostaria de propor uns tantos temas de reflexão que, sendo inspirados numa avaliação dos nossos problemas colectivos, remetem para as questões da identidade: identidade nacional, identidade regional, identidade local.

É inevitável que a interrogação sobre os caminhos da identidade nacional surja, hoje, com frequência, quer no discurso corrente, quer no dos responsáveis políticos, a propósito dos problemas resultantes do processo de integração da economia e da sociedade portuguesas num espaço europeu em alargamento.

Não é raro encontrar na polémica posições que, embora aparentemente muito distanciadas, convergem na ideia de que o futuro do País está traçado independentemente da nossa vontade e energias.

Há, por um lado, a posição dos que, com preocupação e vontade de isolamento, quase anunciam o fim da portugalidade, com o argumento de que a fragilidade do País conduzirá à dissolução dos seus traços específicos mais genuínos, nomeadamente os que relevam de uma cultura própria. E há, por outro lado, a posição dos que, fascinados pelo movimento de uma globalização sem freio, aceitam, de ânimo leve, que o destino dos portugueses pertença por inteiro às lógicas, alegadamente incontornáveis, do mercado.

Tenho procurado chamar a atenção para o facto de, num contexto que me parece inevitavelmente associado a mais interconexão e a mais competitividade entre as economias, ser indispensável continuar a reservar um lugar de destaque às políticas nacionais, em todos os sectores em que elas se desdobram - economia, emprego, assuntos sociais, cultura, educação e formação profissional, investigação científica e tecnológica, inovação, etc.). E isto de par com a responsabilidade de identificarem um sentido estratégico claro e mobilizador para o País.

Nesse esforço importa, todavia, não esquecer que o Estado-nação constituiu, historicamente, um espaço de organização das actividades económicas e um espaço de criação de princípios e práticas de solidariedade social responsáveis por progressos humanos assinaláveis. E, por isso, é indispensável que os patamares civilizacionais assim alcançados não recuem, só porque a pressão da internacionalização dos mercados e das relações sociais se intensificou.

Impõe-se, sem dúvida, prestar atenção ao que muda e ter consciência que certos problemas não poderão, hoje, ter resolução satisfatória a não ser no quadro supranacional.

Mas isso não pode significar o abandono de preocupações com a defesa de centros de decisão económica nacionais ágeis, criativos e apostados na criação de condições de sustentabilidade para o desenvolvimento português. Como não pode significar recuo na descoberta de caminhos para recriar as nossas vantagens competitivas no concerto das nações. Como não pode significar, finalmente, menos atenção pelo aperfeiçoamento de redes e políticas de protecção que salvaguardem princípios elementares de justiça social e garantam às novas gerações um horizonte de igualdade tendencial de oportunidades, dentro e fora das fronteiras nacionais.

Volto a invocar a espessura histórica associada ao espaço físico e institucional onde vos falo. Haverá lugar capaz de representar melhor do que este o modo como uma economia nacional pode prosperar ligando-se, com visão estratégica, a outras economias? Não é verdade que aqui se desenhou, tantas vezes, o ponto de intersecção certo entre a abertura ao cosmopolitismo e a vontade de equacionar com rigor e profundidade os problemas sociais específicos do País e da Região? E não será com uma tal abertura à diversidade do Mundo que, mais saudavelmente, nos aproximamos de nós próprios?


Minhas Senhoras e Meus Senhores:

A alguns metros daqui, corre, umas vezes em paz, outras vezes denotando alguma rebeldia, o magnífico rio Douro.

O Douro tem o condão de lembrar às populações do Grande Porto quanto estas têm estado e estão ligadas à vasta região do País que ele percorre antes de aqui chegar. Velhas ligações económicas, sem dúvida; mas também ligações culturais profundas, através da integridade de toda uma paisagem, de costumes que circulam rio abaixo e rio acima, de um precioso vinho depurado, década após década, graças ao trabalho e cooperação de pessoas, empresas, associações e entidades públicas as mais diversas.

Traço de união entre o litoral e o interior do País, o rio Douro pode então constituir uma espécie de metáfora do esforço que entre nós é preciso desenvolver para dar mais coerência e coesão ao espaço nacional, orientando criteriosamente e com sentido solidário os investimentos, estimulando formas de cooperação interinstitucional capazes de optimizar os recursos existentes, dando melhores oportunidades aos sectores mais frágeis e menos audíveis, e não apenas aos que conseguem impor-se às agendas política e mediática.

Mas hoje o rio são também as suas pontes, erguidas graças ao trabalho e ao talento de várias gerações de engenheiros, de arquitectos, de técnicos e de operários, a imporem-se como sinal óbvio de que a vida das populações deixou há muito de estar condicionada pelos limites traçados no mapa administrativo do País.

Falar, aqui e agora, dos problemas e projectos de uma Cidade como o Porto obriga a falar dos problemas e projectos da Área Metropolitana envolvente.

Este alargamento de perspectivas, que começou por se impor no domínio do planeamento e construção de algumas infraestruturas físicas indispensáveis à satisfação de necessidades básicas dos cidadãos, tem de alargar-se hoje a todos os sectores da vida económica, cultural e social, tantas são as conexões e interdependências envolvendo as populações em causa, tantas são as sinergias que é possível fazer frutificar.

Uma Cidade como o Porto, que, não obstante toda a vitalidade económica que mantém, toda a riqueza arquitectónica que ostenta, todo o dinamismo cultural, científico e desportivo que projecta internacionalmente, se queixa do declínio demográfico não resolvido, e de algum apagamento político no espaço nacional – não pode senão empenhar-se em equacionar os seus problemas e objectivos de desenvolvimento no quadro de unidades territoriais mais amplas, ou seja, antes de mais, no quadro da Área Metropolitana em que se integra.

Creio, sinceramente, que, na ausência deste salto, que obriga a aperfeiçoamentos institucionais, mas, sobretudo, a vontade efectiva de diálogo de todos os responsáveis políticos, e a uma defesa não localista de interesses locais, jamais se constituirá, neste precioso pedaço do Noroeste Português, um pólo capaz de consolidar e irradiar, por toda a região, os padrões de desenvolvimento que estão ao seu alcance.

Vou mais longe: se o Porto quiser continuar a ser – e era bom que assim fosse – um centro respeitado de defesa das liberdades cívicas e de salutar reivindicação da descentralização do poder político-administrativo, tem de afinar a sua voz pela da Área Metropolitana em que se insere, ousando, a partir daí, falar em nome de todas as regiões do País – sejam elas do Litoral ou do Interior, do Norte, do Centro ou do Sul – que ao longo do tempo foram marginalizadas e arredadas dos níveis de desenvolvimento a que tinham direito.

Um Porto menos portocêntrico, sem deixar de ser um Porto reivindicativo. Um Porto menos Lisbofóbico, sem deixar de ser um Porto defensor da descentralização política e administrativa – eis o que me parece poder ser a sua forma de afirmação mais estimulante.


Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Comecei a minha intervenção sugerindo que a identidade nacional, para se reforçar, não tem de se construir no isolamento e na recusa da diversidade alheia. Procurei, em seguida, defender que a identidade de uma cidade pode ganhar com a redescoberta das suas ligações históricas a regiões mais vastas; e avancei, finalmente, o argumento de que a afirmação do Porto não pode consumar-se, hoje, sem plena abertura às dinâmicas da sua Área Metropolitana.

Creiam que, subjacente ao enunciado das minhas preocupações, está uma genuína estima pelos cidadãos e instituições desta cidade.
Numa terra em que os homens e mulheres se distinguem por dizer alto, e com as vogais bem abertas, tudo o que lhes vai na alma e percorre os seus legítimos anseios, falar com frontalidade dos problemas do Porto e do País parece-me ser uma obrigação elementar.

Asseguro-vos que com a frontalidade vai, também, neste caso, grande respeito pelos destinatários das minhas palavras e o estímulo para que desta terra continue a haver nome Portugal