Intervenção de SEXA PR no Colóquio "Direito e Justiça no século XXI

Coimbra
29 de Maio de 2003


Jus suum cuique tribuendi - dar a cada um o que de direito lhe pertence - continua a ser a fórmula mais simples e mais curial de falar da Justiça, no século XXI, e de dizer que o Direito existe sempre para a realizar.

O que não é de somenos importância, nesta hora tão difícil, em que está na ordem do dia, nem sempre com a serenidade e contenção que é exigível a todos, a medida em que o Direito e as instituições que o aplicam estão a realizar a Justiça, para cujo serviço - e só para ele - foram estabelecidas..

É uma realidade que tem de ser defrontada, quando não é possível, muito menos para o Presidente da República, fazer de conta que os acontecimentos dos últimos dias não foram motivo de grande perplexidade e consternação social; ou que tudo fique na mesma, quando, entre outros, é declarado suspeito de um crime grave, e preso preventivamente, um deputado à Assembleia da República e porta-voz do principal partido da oposição parlamentar.

A acção da Justiça, que se espera célere no esclarecimento de tudo o que haja a esclarecer, só pode ser julgada quando for definitiva. Como sempre, quando se trata de decisões judiciais.

Por isso, não cabe, nesta fase, ao Presidente da República, comentar, louvar ou censurar a acção da Justiça.

Há, também, a questão das escutas telefónicas a titulares de órgãos de soberania, que, segundo é voz pública, terão ocorrido no denominado processo da Casa Pia.

Também aqui importa ter por claro que não é possível verberar tais escutas, sejam quem forem os visados, quando os tribunais estão a interpretar e a aplicar o generoso regime legal que, segundo muita opinião respeitável, pode estar estabelecido nesta matéria, sobretudo sem serem conhecidos os fundamentos que terão ocasionado aquelas medidas.

Importante, minhas senhoras e meus senhores, é que cada um assuma as suas responsabilidades.

Enquanto o Presidente da República entender que não está em causa o regular funcionamento das instituições, as do poder judicial serão apreciadas em tempo e sede próprias - pelos tribunais superiores, e, quando as suas decisões se tornarem definitivas, por todos nós, cidadãos, de quem a Justiça é serva.

As responsabilidades do legislador, para clarificar e, se necessário, alterar, o quadro em que o poder judicial pode actuar.

E se o debate que a questão está a suscitar for motivo de medidas legislativas que abranjam esta matéria, pari passu com o regime da prisão preventiva e do segredo de justiça, caber-me-á, então, e só então, uma palavra própria sobre a razoabilidade dos regimes legais que sejam instituídos.

No sentido que acabo de dar para os acontecimentos dos últimos dias e nos caminhos para que aponto, vai o entendimento que tenho do conteúdo e da medida da intervenção do Presidente da República, nestas horas difíceis que estamos a viver, como garante do regular funcionamento das instituições - de todas, sejam a Assembleia da República, o Governo ou os Tribunais; repito, de todas, para o que dispõe o Presidente da República, se necessário, dos poderes suficientes.

E nem se diga, porque é injusto para muitos, a começar pelo Presidente da República, que a preocupação com estas questões surgiu apenas quando passaram a estar em causa os políticos. Nestes dias de tanta confusão e alarido, impõe-se dizer e repetir que não é verdade, como é amplamente confirmado pelo que tenho dito nos últimos anos.

Mas se o facto de, agora, também serem abrangidos os poderosos chamar a atenção dos responsáveis e da opinião pública para as deficiências existentes e levar, em tempo oportuno, às reformas necessárias, então esta suspeita e a presunção de inocência que sempre terá de a acompanhar terão, pelo menos, o benefício de suscitar algum aperfeiçoamento do Estado de direito democrático, que é outra forma de falar da Justiça e do Direito que hoje nos reúne aqui.

Mas não se esqueça que, por mais reforçadas que sejam as garantias em processo penal, e por mais equilibrados que sejam os regimes da prisão preventiva e do segredo de justiça, sempre poderão ocorrer, nestas áreas, danos dificilmente reparáveis, que constituem, pela nossa natural imperfeição, o preço a pagar por alguns pela liberdade e pela segurança de todos. Sem que, por esse facto, possa ser posta em causa a credibilidade das instituições judiciárias e a garantia que representam para todos nós.

Minha senhoras e meus senhores,

Tudo isto acontece no âmbito do denominado processo da Casa Pia.

Perante o horror de que, por continuada incúria, foram vítimas tantas crianças, que nos tinham sido confiadas para guardar e educar, impõe-se proclamar, aqui, a certeza do Presidente da República de que os culpados serão severamente castigados e os inocentes serão absolvidos e que cessará, finalmente, a impunidade que, décadas a fio, fez deste caso uma vergonha para todos nós.