Discurso de SEXA PR por ocasião do Congresso Nacional de Auditores da Defesa Nacional

Coimbra
21 de Junho de 2003


Começo por vos agradecer o convite que me haveis feito para inaugurar o vosso encontro sobre "Cidadania e cultura de segurança".

Agradeço-vos sinceramente pois interpreto o vosso convite como a manifestação da vossa vontade de alargar a um número cada vez maior de cidadãos a problemática da segurança na República democrática – uma problemática que tem de ser colocada no plano nacional, que represento.

E tem que ser colocada no plano nacional pela dupla razão de só nesse plano ter solução e por a Nação não existir com dispensa da problemática da segurança.

Como sabeis, a articulação entre a cidadania e a segurança é um tema que subjaz a muitas das minhas preocupações que, como Presidente da República, tenho sentido o dever de exteriorizar.
Acompanho com permanente interesse a actividade do Instituto de Defesa Nacional cuja actividade está na origem do Congresso que hoje nos reúne.

É uma actividade importante e bem singular entre nós pois visa articular, de forma coerente e metódica, o pensamento militar e o meio civil, com o objectivo de alcançar uma síntese democrática e republicana de defesa nacional.

Por isso, por mais de uma vez me dirigi ao Instituto de Defesa Nacional com a preocupação de o confortar no cumprimento da sua missão e de dar o meu contributo pessoal e institucional para a execução dessa missão tão determinante para a nossa vida colectiva.
Não posso deixar também de felicitar, mais uma vez, a organização de «Coimbra, capital nacional da Cultura» por incluir no seu variado e qualificado programa uma reflexão sobre a problemática da defesa nacional.

Minhas Senhoras e meus Senhores

É para mim evidente que há uma tensão entre a república democrática e a defesa.

A república quer a paz e coloca o bem estar social à frente da afirmação simbólica.

A república prefere as vicissitudes do comércio a enriquecer pela conquista – mas a república sabe que só o comércio livre e estruturado enriquece verdadeiramente.

A república quer a liberdade e o enriquecimento dos cidadãos ao passo que os requisitos da segurança parecem diminuir a liberdade e entravarem a possibilidade de um mais célere desenvolvimento económico social.

A república democrática reduziu sempre a defesa nacional a um estrito mínimo – e por isso, salvas raras excepções, e em função desta escolha, situou as forças armadas como o principal e mais visível instrumento da defesa nacional.

Ninguém ignora que esta atitude tem perigos.

Se uma república democrática tiver inimigos, aquela quase automática secundarização da defesa acarreta o risco de não haver força organizada para responder a uma ameaça.

São conhecidas as linhas gerais da resposta a esta tensão entre a necessidade de segurança e a república democrática.

A república democrática tende a não iniciar as guerras e a terminá-las como vencedora por uma única e mesma razão.

A república democrática só entra em guerra quando a maioria dos seus cidadãos – geralmente uma esmagadora maioria - está disposta a entrar em guerra – e geralmente apenas para se defender. A maioria que quis a guerra quer também a vitória.

A guerra não resulta da vontade de um príncipe – resulta da vontade do príncipe da república que é o povo.


Minhas Senhoras e meus Senhores

Regressemos a uma realidade mais perto de nós.

A república democrática entrosa a sua defesa nacional numa opinião pública esclarecida e estruturada.

Dito de outro modo: a república democrática só sabe defender-se se os cidadãos quiserem e os cidadãos só quererão defender-se se estiverem bem informados.

Já não é a primeira vez que saliento aos senhores auditores a dimensão da opinião pública na república moderna no relativo às questões de defesa – e não quero deixar de referir o papel que os cursos de auditores têm tido e por certo continuarão a ter, não só na formação de uma elite mas também como fermento que, com outras correntes, informe suficientemente o conjunto dos cidadãos.

Todos estamos hoje certos que a divisão social do trabalho nos permite dispensar exércitos de cidadãos e manter vigorosa a República democrática.

Embora muitos continuem a considerar que o princípio da nação em armas é o que melhor satisfaz os ideais republicanos.

Mas todos julgamos saber que uma cidadania informada e firme nas suas convicções é a base que compatibiliza a República moderna e a defesa nacional, as forças armadas, as necessidades de segurança.
A formação da opinião pública requer uma interacção positiva entre os profissionais da defesa nacional e os outros cidadãos.

As instituições públicas têm nessa interacção uma responsabilidade peculiar.

A sociedade civil – outro nome para o conjunto dos cidadãos – é em última análise a grande responsável pela articulação entre os especialistas de defesa e o príncipe moderno – que é, precisamente, o corpo eleitoral.

A vossa associação de auditores de defesa nacional assumiu as suas responsabilidades neste campo e não posso se não incentivar-vos a concretizarem.

Há porém muito a fazer no terreno da informação da opinião pública.
Os problemas de defesa nacional são muitas vezes abordados de modo irresponsável, como se fossem noticiados apenas por terem dado escândalo ou por a notícia ser susceptível de escândalo – escândalo real ou suposto, digamo-lo de passagem.


Minhas Senhoras e meus senhores:

Já o disse e julgo ser meu dever repeti-lo: os cidadãos portugueses necessitam de mais e melhor informação sobre as forças armadas e a defesa nacional. De uma informação que rejeite todos os excessos e que revele todos os factos relevantes.

Formulo votos que este vosso congresso seja um momento importante na renovação deste esforço de informação sobre os problemas de defesa nacional numa república democrática moderna.