Discurso de SEXA PR por ocasião da deslocação à Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho

Braga
27 de Junho de 2003


Há três anos, quando visitei a Universidade do Minho, tive a oportunidade de conhecer o projecto da Escola de Ciências da Saúde. É com muito prazer que tomo conhecimento do percurso realizado pela vossa escola. Percurso que significa um grande esforço, mas também uma grande esperança.

Tenho acompanhado, com muito interesse, a evolução da educação médica, área de grande exigência. Conheço muito do que se faz no nosso país e tenho contactado de perto com aspirações e expectativas de professores e alunos. O desenvolvimento de percursos pedagógicos e científicos inovadores como este são da maior importância quer neste domínio quer também no que diz respeito ao ensino superior em geral.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

A educação e em particular o ensino superior têm sido alvo de grande preocupação da minha parte. Considero a educação como o sector que mais decisivamente pode contribuir para o futuro das pessoas e do país.

No último mês reuni, em vários encontros que tiveram lugar na Presidência da República, estudantes, responsáveis pelas instituições de ensino superior universitário e politécnico, público, particular e cooperativo, e também reconhecidos especialistas deste sector. Foi um processo extremamente rico do qual elegi seis preocupações/desafios que gostaria de partilhar convosco nesta primeira parte da minha intervenção.

O primeiro desafio diz respeito à necessidade de envolver os diferentes parceiros educativos no processo legislativo em curso. A Assembleia da República e o Governo têm agora uma oportunidade de ouro para contribuir, de modo decisivo, para a melhoria da educação e, em particular, do ensino superior no nosso país. Este momento é decisivo. As questões que se colocam exigem a implicação de todos. Os problemas do nosso país e os desafios internacionais obrigam a um novo olhar sobre o ensino.

O processo legislativo em curso deve assumir este novo olhar e deve procurar envolver os vários parceiros na procura de consensos e soluções credíveis e exequíveis. Existem hoje numerosos estudos e propostas que devem ser consideradas.

A legislação deve poder constituir um desafio para as instituições e um motor de entusiasmo e de produção de novas respostas. Para tal é necessário que a sua elaboração seja associada a processos de debate e concertação.

Não podemos correr o risco de produzir legislação de difícil aplicação, inadaptada à realidade do país ou divorciada das incontornáveis evoluções internacionais. É, pois, grande a responsabilidade de envolvimento dos vários parceiros no debate das transformações a realizar.

A segunda preocupação diz respeito à necessidade de valorizar os recursos que o país produziu nos últimos anos.

Assistimos a um processo de desenvolvimento muito significativo do ensino superior em vários domínios: expansão do acesso, da rede, diversificação dos cursos e das instituições, formação pós-graduada que contribuiu de modo significativo para o progresso da capacidade científica. Foi um grande esforço financeiro que é importante valorizar. Devemos, por isso, desmistificar a ideia falsa de que temos licenciados a mais. O ensino superior deve ter entre as suas missões a promoção cultural de um povo, sendo necessário desenvolver ensino e ciência mesmo em áreas consideradas de menor procura ou empregabilidade. Esta missão essencial do ensino superior não é incompatível com a necessária racionalização.

A tentação de suprimir cursos com relevância cultural e científica por se considerar que têm menores saídas profissionais conduzirá inevitavelmente ao empobrecimento cultural. Há que manter ofertas nestas áreas informando, todavia, os alunos sobre as saídas profissionais de modo a que possam fazer escolhas conscientes.

Não podemos desinstalar capacidades. Temos sim de aproveitar a diminuição da pressão ao nível do acesso à formação inicial para reorientar o desenvolvimento e definir novas estratégias de aprendizagem ao longo da vida, de intervenção no desenvolvimento local, económico e cultural, de inovação e de instrumentos de gestão que viabilizem essas estratégias.

O terceiro desafio é um apelo às instituições do ensino superior para que possam assumir decisivamente missões indispensáveis ao desenvolvimento do país, designadamente no que diz respeito à qualificação e reconversão de activos. Portugal tem a população adulta menos qualificada de toda a União Europeia (incluindo nesta comparação os novos países que a integrarão em breve), mas o acesso destas populações ao ensino superior é muito limitado e os regimes de frequência não são, muitas vezes, conciliáveis com as responsabilidades sociais, familiares e profissionais.

É preciso saber diversificar os públicos que acedem ao ensino superior. Estas exigências dizem igualmente respeito aos outros níveis de ensino e requerem das instituições a capacidade de validar e creditar competências e conhecimentos adquiridos fora da escola. Considero urgente que exista legislação e meios para que esta missão, decisiva para o futuro do país, possa finalmente ser prosseguida.

É preciso mobilizar os portugueses para terem vontade de aprender mais e as instituições para desenvolverem novas missões.
Em quarto lugar é essencial que este sector possa dedicar uma parte significativa da sua actividade ao apoio ao desenvolvimento da inovação e à ciência.

Esta é uma séria preocupação dos sectores económico e científico do país.

O espaço que a evolução demográfica nos proporcionou para repensar o futuro das instituições deve poder ser aproveitado para aumentar o potencial científico. A investigação científica é essencial para a afirmação do país. Temos de ser capazes de organizar a vida pedagógica e a vida científica de modo a que, uma e outra, tenham o espaço necessário à qualidade do ensino e da ciência aí produzidos, valorizando os que melhor ensinem e os que melhor investiguem. A rigidez e uniformidade dos modelos vigentes e os obstáculos à integração das gerações mais jovens de cientistas devem ser ultrapassados. Investimos somas consideráveis e possibilitámos a formação pós-graduada de milhares de pessoas, grande parte dos quais jovens. Temos hoje que criar processos para atrair para o nosso país os melhores. Há que rever as formas de avaliação da produção científica e da qualidade pedagógica do pessoal docente, criar estímulos à mobilidade e evitar situações de endogamia.

O contacto ao longo da vida profissional com realidades e ambientes de trabalho diversificados é estimulante e fonte de criação.
O quinto desafio diz respeito à necessidade de adaptar a oferta educativa aos desafios que se colocam hoje no plano internacional, nomeadamente no que diz respeito ao processo de Bolonha.
Temos de tornar o nosso sistema mais atractivo para estudantes e cientistas de outros países que queiram vir estudar ou investigar. Há aqui grandes alterações a introduzir a diferentes níveis com especial realce para o plano da organização do ensino e da pedagogia. Há que passar, progressivamente, do ensino centrado na transmissão da matéria pelo docente para o ensino mais centrado no trabalho dos alunos, visando objectivos de aprendizagem e em que são avaliados, não só os conhecimentos, mas também as competências.

A diversificação de modelos pedagógicos no trabalho universitário, por exemplo através de experiências como a que hoje visitei no curso de medicina, contribuirá, seguramente, para enriquecer o debate sobre o ensino superior.

O sexto desafio prende-se com a necessidade de promover uma cultura de avaliação das instituições, das aprendizagens realizadas e competências desenvolvidas, da qualidade dos diplomas e da investigação. É necessário incentivar e aperfeiçoar o funcionamento desses sistemas de avaliação e garantir que os resultados obtidos são tidos em conta nos projectos de ensino e investigação.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Tive o privilégio de contactar uma nova realidade hoje. Permitam-me que nesta segunda parte sublinhe quatro aspectos do projecto que visitei, que não sendo específicos da formação médica anunciam interessantes caminhos para o ensino superior.

A grande exigência colocada neste modelo de formação a professores e alunos. Os alunos são permanentemente confrontados com um ritmo de trabalho intenso avaliado ao longo de todo o ano lectivo.

A organização do ensino é centrada no percurso de formação dos alunos e não nas aulas que os professores dão e que os alunos podem frequentar ou não. Aqui o trabalho quotidiano e o apoio dos professores são decisivos. Há um novo entendimento sobre os percursos universitários que se encontra igualmente na matriz do processo de Bolonha que, acredito, poderá estar na base de uma educação onde se trabalha e se aprende mais, uma educação marcada pela preocupação com os alunos, pelo desenvolvimento de competências profissionais e cívicas.

A formação teórica organizada em contacto com problemas colocados pelo desenvolvimento científico e por exigências da profissão, considerando igualmente a necessidade de ligação entre as diferentes áreas do saber.

A organização de uma escola atenta a três missões decisivas para o futuro do ensino superior: a formação inicial, a investigação científica e a educação ao longo da vida. Foi muito grato verificar a ligação existente entre o ensino e a investigação quer no que diz respeito aos processos de estudo e formação quer no que diz respeito à organização do tempo dos docentes.

A inovação em curso é objecto de permanente avaliação considerada como um instrumento essencial de auto-regulação.

A avaliação é, aqui, considerada como uma componente essencial do processo educativo e permite conferir maior qualidade e estabilidade à inovação introduzida.

Permitam-me que, a propósito da necessidade de combinar a inovação com a avaliação, vos faça uma breve referência sobre o sistema de saúde português no quadro da administração pública.

A empresarialização dos hospitais e a utilização do direito privado foram ganhando terreno e existe, hoje, um progressivo consenso no sentido de que o Estado não tem de ser o prestador directo de serviços públicos, mas sim um garante da prestação desses serviços e um regulador das respectivas actividades: se a década de oitenta se pode considerar a década da privatização, a de noventa é a da regulação, ou seja, do controlo das escolhas privadas por imposição de regras públicas, precisamente em domínios dos quais o Estado se haja retirado.

Esta preocupação pode ir mais além com a defesa do Estado enquanto regulador, mas também enquanto estratega. Regulador porque, perante novas formas de organização das instituições sociais, mutações tecnológicas e mercados competitivos, se impõe garantir a aplicação de regras de jogo básicas, proteger sectores produtivos essenciais e corrigir assimetrias sociais e territoriais. Estratega porque, no quadro da nova economia global, valores essenciais como a equidade e a solidariedade dependem da capacidade política das instituições nacionais para anteciparem, com rigor, cenários de evolução credíveis e para criarem condições para o desenvolvimento da inovação tecnológica e organizacional e a formação necessária de recursos humanos.

A utilização do direito privado e o abandono dos institutos clássicos do direito público, a diluição da fronteira entre o direito público e o direito privado, entre entes públicos e privados, não pode, pois, significar uma fuga às garantias constitucionais dos cidadãos, nomeadamente o respeito dos direitos fundamentais.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

Na saúde como na educação o país precisa de instituições de qualidade onde as mudanças necessárias se façam com base no rigor, no esforço, na avaliação e na auto-regulação. Só assim conseguiremos criar ambientes favoráveis às novas ideias, à solução de problemas, às reformas. Não nos podemos acomodar, mas temos de estudar, conhecer e ter segurança nos percursos a seguir.

Pela vossa dedicação, esforço e entusiasmo quero deixar-vos uma palavra de apreço. O país necessita de exemplos como o vosso.