Conferência sobre Ordenamento do Território e Revisão dos PDM

Figueira da Foz
08 de Julho de 2003


1. Oportunidade do debate sobre o território enquanto, recurso fundamental do País, num momento em que:

. é necessário interpretar correctamente as mudanças que estão a ocorrer no plano das dinâmicas populacionais e urbanas, sem o que o planeamento territorial e urbano não passa de um exercício formal e burocrático [e note-se, à volta deste tema já se geraram muitas ideias feitas, imprecisas e injustas, fazendo dos municípios bodes expiatórios para as insuficiências do País e de políticas nacionais];

. se torna indispensável, para um Estado pequeno e com fragilidades face à globalização, dispor de meios e estruturas territoriais que enfrentem eficazmente os novos desafios (como a atracção de investimento, a gestão de equipamentos públicos locais, o ambiente, as políticas de juventude e outras políticas sociais);


. estamos a avançar, de uma forma que importa seja bem sucedida, para um novo modelo de organização institucional do território.

[Porque julgo oportuno este debate, que aliás sempre tenho incentivado, para ele na medida do possível também contribuindo, é que aqui estou. Agradeço o convite. Naturalmente não devo furtar-me a partilhar convosco as minhas preocupações nesta matéria tão sensível. As minhas preocupações e, porque não dizê-lo, a minha experiência.]


1. Reforço de uma cultura de planeamento territorial e urbano
Concluímos há poucos meses a 1ª geração de PDMs [com talvez uma década de atraso], aperfeiçoámos e legislação e formámos quadros. Mas menos de 1/3 do território está coberto por Planos de Ordenamento do Território. E, apesar de instrumentos de intervenção em cidades, como o Polis [dizem-me que com atrasos], continuam a faltar políticas e medidas concretas para a qualificação das cidades.


A minha primeira palavra não pode deixar de ser de incentivo à elaboração dos planos, desta 2ª geração de PDMs.

Com especial ênfase no tema da cidade e da vida urbana. A qualidade de vida urbana é, e será cada vez mais, uma das exigências prioritárias dos portugueses. Porque é cada vez maior a percentagem da população que vive em cidades e porque essa é uma das expectativas das classes médias. E porque a competitividade das actividades económicas depende também, e em medida crescente, da qualificação das cidades.

Se tanto pugnei para que a elaboração da 1ª geração se processasse dentro de um enquadramento estratégico, devo agora, por maioria de razão, insistir neste ponto. É fundamental que os PDMs equacionem as potencialidades de desenvolvimento de cada concelho e apontem as opções e projectos estruturantes que as viabilizem. Importa que definam as redes de equipamentos que pretendem implementar e sejam rigorosos na identificação das áreas de preservação/valorização ambiental dos espaços urbanos e rurais.

2. O planeamento estratégico não são porém os PDMs que, por si sós, o garantem.
Esperamos pois todos, e desejamos, que a 2ª geração de PDMs seja mais estratégica e mais sustentável. Por outras palavras, que assegurem um melhor futuro para os territórios urbanizados, utilizando melhor os recursos públicos para orientar as iniciativas dos privados, sem prejuízo dos valores patrimoniais irrenunciáveis.

Ora aqui está exactamente uma ideia feita, um risco. De facto, seria um erro de perspectiva pensar que esse objectivo maior podia ser alcançado por obra e graça de um PDM, por mais cuidado posto na sua elaboração

Uma estratégia municipal é o resultado de um trabalho contínuo de definição de prioridades e criação de oportunidades e parcerias, enquanto o PDM será sempre um instrumento estático, dada a sua natureza regulamentar ainda que incorpore dispositivos de flexibilização adequados.


Por outro lado, a implementação de um plano, no actual contexto de incerteza, exige dos municípios uma gestão proactiva, com transparência e equidade, para a qual necessitam de equipas técnicas proporcionadas e treinadas para os desafios de cada tipo de território. E se alguns municípios deverão simplificar os seus serviços, em nome da eficácia, muitos outros continuam com dificuldades para chegar aos mínimos que a assegurem. Mas todos terão que dar prioridade à formação contínua dos seus técnicos. E uma das formas primeiras de o fazer poderá ser o seu envolvimento activo na própria revisão dos planos – o que não aconteceu, com muitos casos, nos planos que agora terminam a sua vigência.


3. O ordenamento, a sustentabilidade, a estratégia territorial não é questão do âmbito meramente municipal
Por outro lado, há responsabilidades de planeamento que incumbem ao Estado e que não estão integralmente assumidas. Por exemplo, no capítulo do ordenamento, ha Planos Regionais de Ordenamento do Território em falta. E também não foi elaborado o Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do Território [previsto na Lei desde 1999], como instrumento das opções básicas.


Outro problema é o do crescente carácter inter e supra-municipal do ordenamento das aglomerações, sobretudo as maiores ou mais difusas.

Não seria realista pedir aos municípios em causa que elaborem "planos intermunicipais", que suporiam aprovações conjuntas para as quais as actuais instituições representativas não têm competências nem legitimidade decisória.

Mas devemos esperar que os municípios encontrem formas exigentes de compatibilização inter-municipal, de carácter voluntário, que, através de estratégias para o conjunto estabelecidas em comum, corrijam tendências autistas que têm sido denunciadas em relação às práticas passadas, agravando as situações de desigualdade de condições e oportunidades de que, a médio prazo, sofrerá todo o conjunto.


[Cabe, neste ponto uma referência ao tema, que não estando directamente em cima da mesa nesta Conferência, está nas agendas de todos os autarcas neste momento: o da aplicação da legislação que prevê a criação de Areas Metropolitanas, Comunidades Urbanas e Intermunicipais]


4. Avançar, com segurança e clareza, para um novo modelo de organização institucional do território
Estamos hoje confrontados com o desafio de criar novos quadros territoriais, ultrapassando, por um lado, o quadro municipal herdado de um passado muito diferente do de hoje e, por outro, o quadro de referência da regionalização administrativa que não foi popularmente sufragado.

É um desafio crucial. Porque põe à prova dois princípios:

. o princípio da descentralização – transferindo atribuições, competências e recursos para entidades de base territorial;

. o princípio da diferenciação – tratando de forma distinta situações territoriais também diferentes.


Ou seja: se conseguirmos operar uma organização mais descentralizada e mais racional do território, poderemos obter:

. uma escala geográfica de intervenção pública mais eficaz e mais ajustada ás necessidades específicas de cada comunidade;
. economias de escala e complementaridades incompatíveis com a dimensão individual de cada município;
. o tratamento diferenciado de realidades que não são idênticas;
. enfim, um novo escalão de decisão pública, muito importante para dar maior coerência local aos investimentos do Estado e mais competências estratégicas aos municípios.

Devo porém reconhecer que é preciso criar condições – elas efectivamente não o estão – para que este desafio crucial seja respondido com êxito.

Condições políticas [efectivamente elas não dependem só da legislação].


[É neste ponto que normalmente apelo ao consenso interpartidário, sempre visto com ironia por alguns comentadores; mas, pergunto, será possível conduzir um processo de agregação inter-municipal sem um consenso entre partidos; mais, se será possível discutir seriamente com os responsáveis locais as modalidades de associação enquanto os partidos disputam novas fronteiras municipais? Mais ainda: os sinais que queremos dar ás populações vão no sentido das possibilidades e vantagens do nível da rede ou vão no sentido da fragmentação? No sentido da complementaridade, ou no sentido do afastamento e da ruptura entre vizinhos?]

Ora o ponto delicado do processo, actualmente em curso, de definição de novas unidades territoriais, é que se não pode deixar de exigir que ele seja conduzido com visão estratégica e liderança política consensual ao nível nacional.

Se esta visão estratégica do território nacional não for garantida, diversos riscos se podem correr, diminuindo as capacidades nacionais ou as potencialidades locais, enfraquecendo em vez de fortalecer a acção pública nacional e local.


O meu apelo, apelo muito veemente, à Associação Nacional de Municípios Portugueses, ao Governo, aos Partidos Políticos é este: a condução política do debate e decisão desta reforma institucional é decisiva.

Formulei esse apelo solenemente perante a Assembleia da República no dia 25 de Abril. Faço-o hoje aqui, de novo. A coesão e competitividade dos territórios é um recurso nacional que não pode ser desbaratado. Não podemos tornar mais frágil o nosso território, deixando que nele se instalem configurações aberrantes, sem escala nem pertinência.

Pelo contrário, precisamos de um território mais integrado, mais equitativo, com mais competências e portanto mais competitivo.

Creio que todos concordarão comigo que esta oportunidade não pode ser desperdiçada. A definição de espaços jurídico-administrativos serve para potenciar os territórios enquanto espaços de acção e de interacção, não para os tolher ou diminuir.


Pagaríamos caro uma deriva de criação de territórios à "la carte", somando concelhos de forma errática e descoordenada.

Neste ponto temos que ser ambiciosos, colocar a fasquia mais alto, ser capazes de ir mais longe na concertação e, portanto, mais longe também tanto na formulação dos projectos como na reunião de capacidades operacionais.

Temos, em suma, de fazer dos territórios entidades inteligentes, dinâmicas, eficientes.