Discurso de SEXA PR por ocasião do Banquete de Estado em Honra de SEXA o Presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva

Palácio Nacional da Ajuda
10 de Julho de 2003


Senhor Presidente
Excelentíssima Senhora D. Marisa Letícia
Excelências
Minhas Senhoras e meus Senhores

Passados seis meses sobre a tomada de posse de Vossa Excelência como Presidente da República, em cerimónia histórica a que tive o privilégio de assistir, é com grande alegria que o recebemos entre nós, naquela que é a sua primeira Visita de Estado a um país europeu.

Que tenha reservado para Portugal essa distinção, é um gesto que muito nos sensibiliza. Interpretamo-lo como sinal de amizade e confirmação da importância dos laços que unem os nossos dois povos e Estados. Laços sedimentados na História, que as transformações ocorridas nos últimos anos nos nossos dois países têm vindo a enriquecer, abrindo novas perspectivas a brasileiros e portugueses.


Senhor Presidente

O seu admirável percurso pessoal, que acompanho com amizade desde a sua primeira visita a Portugal, altura em que tive o prazer de o conhecer, constitui uma extraordinária lição de vida e um exemplo para todos nós. Exemplo de perseverança, de coerência, de humildade. Prova de que é sempre possível ir mais longe, prova de que só o esforço nos permite descobrir o alcance das nossas capacidades e que vale a pena investir nelas, colocando-as ao serviço dos valores em que mais genuinamente acreditamos : a paz, a liberdade, a solidariedade, o respeito pelo próximo, o progresso económico e social.

Tive esta manhã o grato prazer de o agraciar, em nome do Estado português, com o Grande Colar da Ordem da Liberdade, condecoração criada para distinguir e galardoar serviços relevantes prestados à causa da democracia e da liberdade. Tenho a certeza, Senhor Presidente, que nenhuma outra distinção portuguesa melhor se adequaria ao seu perfil de incansável lutador em prol dos direitos cívicos e da dignidade humana. Nenhuma outra, sem dúvida, poderia também ser mais justamente merecida.

Creia, pois, que é para mim uma honra muito especial, enquanto cidadão e enquanto Chefe de Estado, recebê-lo aqui hoje na qualidade de Presidente da República desse grande país que é o Brasil, pátria de 175 milhões de homens e mulheres, a mais vasta e industrializada nação de todo o hemisfério sul, cuja voz, estou seguro, crescentemente se fará ouvir na cena internacional.

Portugal tem, desde o primeiro momento, acompanhado com confiança e apreço, a rigorosa e exigente política económica levada a cabo pelo Governo de Vossa Excelência. Estamos certos de que, uma vez ultrapassada esta fase de maior austeridade, o Brasil poderá, dentro em breve, relançar o seu crescimento, gerador de novos investimentos e de emprego.

Apreciamos, Senhor Presidente, a forma serena e segura, mas nem por isso menos ambiciosa, como iniciou um conjunto de reformas consideradas indispensáveis ao desenvolvimento do seu país, de modo a que a necessária "mudança", palavra chave do seu mandato, se processe gradualmente, em bases sólidas e precisas.

Partilhamos a sua visão humanista quanto à necessidade de construção de uma ordem económica internacional mais justa e democrática. Temos de encontrar os instrumentos de governabilidade, a nível internacional, que permitam imprimir um novo rumo à globalização, de modo a reduzir as chocantes desigualdades económicas e sociais que se fazem sentir nos planos interno e externo, prevenir agressões contra o ambiente, atacar flagelos como a epidemia do HIV/SIDA e combater a criminalidade organizada. Só assim poderemos colocar a economia mundial no caminho de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e equitativo.

Temos acompanhado a forma inteligente e corajosa como Vossa Excelência tem defendido posições que vão neste sentido, quer a nível multilateral, quer bilateralmente. Enquanto potência emergente e elemento aglutinador essencial à construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, o Brasil tem vindo a conquistar na cena internacional um protagonismo crescente, que jogará a favor da sua batalha por um sistema económico mundial mais aberto e humanizado.

Saudamos a aposta decidida do Brasil no reforço do processo de integração económica e política do MERCOSUL, bem como a forma confiante, clarividente e solidária, como o Governo de Vossa Excelência soube encarar uma conjuntura regional particularmente adversa. Um MERCOSUL revitalizado, forte e unido, constituirá seguramente uma importante mais valia para todos os seus membros e desempenhará, estou certo, um papel decisivo na estabilização do sub-hemisfério.

Portugal apoia, naturalmente, a rápida conclusão do Acordo de Associação União Europeia-MERCOSUL, instrumento decisivo que irá permitir um significativo aumento do fluxo bilateral entre estes dois grandes blocos e em particular um desenvolvimento dos investimentos e das trocas comerciais entre a Europa e o Brasil, parceiros privilegiados de um relacionamento que se pretende agora mais aberto e dinâmico. As autoridades portuguesas, conscientes das vastas potencialidades do património da cooperação regional, têm procurado, com todo o empenho, impulsionar este processo. Saudamos, com satisfação, os progressos ultimamente registados nas negociações em curso, iniciadas durante a última Presidência portuguesa da União Europeia, as quais esperamos possam dentro em breve chegar a bom termo.


Senhor Presidente

É minha convicção profunda e os desenvolvimentos recentes têm-na reforçado, que cabe às Nações Unidas um papel primordial na preservação da paz e da segurança internacionais.

Num mundo cada vez mais vulnerável e sujeito a novos riscos e desafios, deveremos continuar a lutar para que, nas relações entre os Estados, o direito internacional e a cooperação multilateral mantenham a primazia, enquanto garantes dos valores fundamentais em que acreditamos. Só pela via da cooperação conseguiremos fazer frente às ameaças com que nos defrontamos.

Urge assim reforçar o sistema das Nações Unidas, valorizar a sua actuação e reiterar a sua credibilidade. Acreditamos que ao Brasil caberá um importante papel neste domínio e por isso merece todo o nosso apoio a sua inclusão no grupo dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tão logo este orgão venha a ser objecto de reforma.

Acompanhamos com interesse a abertura do Brasil a todo o continente africano, com o qual mantém profundos laços históricos e de sangue. Também Portugal, por razões igualmente decorrentes da História, da língua e da amizade, tem relações privilegiadas com aquele continente, procurando contribuir activamente para o desenvolvimento das suas enormes potencialidades. É importante que África consiga quebrar o ciclo de marginalização em que se tem visto enredada, libertando-se dos flagelos da guerra, da fome e da doença e ingressando de uma vez por todas na senda do progresso e da paz.

O Brasil e Portugal são vértices de um triângulo estratégico, que assenta o seu outro extremo no continente africano. Portugal está inteiramente aberto a cooperar com o Brasil no desenvolvimento de projectos de vocação africana, sobretudo nos países de língua oficial portuguesa, em que ambos beneficiamos dessa preciosa mais valia que é, justamente, a língua.

Brasileiros e portugueses partilham esse riquíssimo património comum, elo de ligação, factor de identidade, instrumento de afirmação.

Tivemos esta tarde o privilégio de entregar conjuntamente o Prémio Camões, precisamente a um escritor brasileiro, num acto fortemente simbólico do carácter universalista desse importante elo. Portugal e o Brasil orgulham-se de ter estado na génese da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, projecto vivo, da maior relevância política, económica e cultural, já com assinalável implantação nas sociedades civis dos seus Estados membros e significativa projecção no panorama internacional. Alegra-nos saber que o Brasil, a quem cabe actualmente a Presidência da Comunidade, tudo fará no sentido da sua permanente dinamização, do reforço das suas virtualidades e de um acréscimo do seu protagonismo, nos mais diversos domínios.


Senhor Presidente,

Na última década, o relacionamento luso-brasileiro sofreu profundas transformações, em resultado não apenas das alterações entretanto verificadas na vida económica e social de cada um dos nossos dois países, mas também da aposta decidida dos nossos Governos na revitalização dos laços bilaterais.

Os brasileiros descobriram Portugal e os portugueses redescobriram o Brasil, daí resultando, penso que com benefício mútuo, uma maior aproximação entre ambos. Caíram por terra as imagens feitas e muitas vezes deturpadas, que uns e outros alimentavam acerca do outro lado do Atlântico. Os brasileiros olharam pela primeira vez para Portugal como uma terra de futuro e não do passado e os portugueses passaram a encarar o Brasil de uma forma diferente, entrevendo possibilidades até há pouco desconhecidas. As relações entre os dois Estados ganharam assim um novo dinamismo, criando também novas exigências, a que se buscou dar resposta.

Foram primeiro as grandes empresas portuguesas que encontraram no Brasil um mercado de eleição para os seus investimentos, apostando decididamente na economia brasileira, através de importantes projectos, marcados pela sua diversidade e abrangência geográfica.

Depois, foram inúmeros os brasileiros que, à semelhança do que acontecera anteriormente com os portugueses no Brasil, procuraram em Portugal novas perspectivas de trabalho.

Vivem actualmente em Portugal várias dezenas de milhares de brasileiros, que, de Norte a Sul, aqui se dedicam às mais variadas actividades e que hoje fazem já parte da nossa sociedade. Quero que se saiba que Portugal, não obstante as limitações decorrentes de uma conjuntura económica e social complexa, os acolhe fraternalmente, do mesmo modo que ao longo de décadas e décadas o Brasil considerou bem vindos os portugueses que ali aportaram, muitos fugindo à perseguição política, a maioria em busca, simplesmente, de um futuro melhor.

Saúdo, com satisfação, a estreita cooperação registada entre as nossas autoridades, a qual deve ser constante e habitual, tendo em vista a resolução das questões por vezes suscitadas pela situação destes compatriotas. Gostaria de reiterar-lhe, Senhor Presidente, a permanente abertura desde há longa data manifestada pelo meu país neste domínio.

O empresariado português tem mantido intacta a sua confiança no comportamento da economia brasileira, independentemente das conjunturas, confiança que a solidez das medidas adoptadas pela equipa económica de Vossa Excelência tem vindo a reforçar. O carácter estrutural dos investimentos portugueses, por outro lado, constitui uma garantia acrescida da sua perenidade. Estou certo, Senhor Presidente, e penso ser essa também a convicção dos inúmeros empresários hoje aqui presentes, que o investimento português no Brasil poderá dentro em breve ascender a níveis próximos dos anteriormente registados, sendo significativo que, nos primeiros meses do corrente ano, tenham já sido anunciados diversos novos projectos.

São estas realidades que ontem nos eram desconhecidas e que quase nos surpreendiam pela sua novidade, mas que hoje fazem já parte do nosso quotidiano, com a naturalidade que advém da proximidade existente entre brasileiros e portugueses.

As necessidades de internacionalização da economia, há alguns anos atrás sentidas por Portugal, assemelham-se às agora experimentadas por muitos grupos e empresas brasileiras, para cujos projectos de expansão o mercado interno se mostra já exíguo. Acreditamos que o mercado português poderá proporcionar a essas empresas condições vantajosas de investimento, abrindo-lhes simultaneamente as portas do gigantesco mercado europeu, em que Portugal em boa hora se integrou, e por isso as encorajamos a estabelecerem-se no nosso país ou a aqui desenvolverem parcerias com congéneres portuguesas.

Sei, Excelência, que se faz acompanhar de uma importante comitiva empresarial, que no decurso da sua estadia entre nós explorará todas as virtualidades abertas através desta nova dimensão do nosso relacionamento bilateral. Saudando-os calorosamente, a todos formulo os melhores votos de sucesso nos seus trabalhos e a todos manifesto a total abertura de Portugal para a busca de soluções que melhor permitam servir as aspirações de brasileiros e portugueses.


Senhor Presidente, meu caro Amigo

Esta sua primeira visita oficial a Portugal, que nos enche de alegria, reflecte ela própria o desígnio que tão positivamente tem marcado as relações entre os nossos dois países: consolidar a amizade secular, a confiança, a cooperação estreita, a solidariedade de todos os momentos e, ao mesmo tempo, modernizar as nossas relações, adaptando-as às novas realidades, superando dificuldades, descobrindo novos e inéditos caminhos, rasgando horizontes para o futuro.

Estamos certos, Senhor Presidente, de que a sua significativa presença entre nós marcará o início de um novo patamar do nosso relacionamento bilateral, dando assim continuidade a esta estimulante caminhada, de que brasileiros e portugueses se podem orgulhar.

Peço a todos que me acompanhem num brinde pelo reforço e desenvolvimento das relações de cooperação e amizade entre Portugal e o Brasil, pelo progresso e bem estar do povo brasileiro e pela felicidade pessoal do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e de sua mulher, Senhora D. Marisa Letícia.