Conferência de SEXA PR a convite da Fundação Eslovaca de Política Externa

Bratislava
02 de Julho de 2003


Senhor Presidente da Fundação Eslovaca de Política Externa
Senhores Embaixadores
Meus Senhores e Senhoras

Quero antes de mais agradecer as amáveis palavras que acabam de me ser dirigidas. Tomo-as como uma homenagem ao país que aqui represento e como um gesto de amizade para com Portugal.

Foi com particular agrado que aceitei o convite da Fundação Eslovaca de Política Externa para aqui vos falar sobre o novo horizonte político da Europa que resulta do projecto de Constituição Europeia, tal como apresentado, há escassos dias atrás, em Salónica. O tema não poderia ser de maior relevância e actualidade.

Enquanto cidadão europeu que sou, é-me grato, em primeiro lugar, reconhecer no projecto de Constituição Europeia elaborado pela Convenção um marco importante para o futuro da Europa alargada. Não só porque me incluo nos 63% dos cidadãos europeus que, segundo sondagens recentes efectuadas pelo Eurobarómetro, sufragam a ideia de uma Constituição Europeia. Mas também porque entendo que no actual Projecto estão consagrados alguns progressos fundamentais que tornarão possível mudar, estou seguro, o curso da construção europeia, no sentido pretendido, ou seja, permitindo obter mais e melhor Europa.

À satisfação do europeu que sou, acresce o júbilo do europeísta convicto e voluntarista que sempre fui. E nesta qualidade, não posso deixar de saudar no texto de que agora dispomos o resultado de uma aposta arriscada, que muitos pensavam votada ao fracasso, mas finalmente certa, a de confiar a uma Convenção o trabalho pioneiro de redacção de uma Constituição para a Europa alargada. Pela minha parte, apoiei desde a primeira hora esta opção e nunca cessei de pensar que o trabalho da Convenção seria determinante para o futuro da Europa. Apraz-me pois verificar que, mesmo apesar das dificuldades criadas por um situação internacional particularmente conturbada que gerou tensões entre os parceiros europeus, a Convenção conseguiu concluir com êxito a exigente missão que lhe fora confiada. Parece-me, pois, de toda a justiça prestar homenagem a todos os nossos representantes no seio da Convenção, ao trabalho que realizaram, ao seu sentido de missão pública europeia e ao seu renovado empenho europeu.

Creio que assistimos a uma viragem tangível da construção da Europa no sentido de uma aproximação aos cidadãos, em que estes, quer através dos seus legítimos representantes – parlamentos ou governos -, quer através da chamada sociedade civil, tiveram ocasião de manifestar as suas expectativas acerca da Europa e de exprimir a sua visão sobre o futuro da União Europeia. De facto, nunca o debate sobre a Europa foi tão transparente, aberto, amplo, generalizado e continuado no tempo. E se bem que as sondagens do Eurobarómetro indiquem que os europeus conhecem mal o teor dos trabalhos da Convenção, estas revelam, todavia, que muitos têm ideias claras sobre a Comissão, o Conselho ou o reforço da Política Externa e de Segurança Comum (PESC).

Sem dúvida de que a vantagem de se ter convocado uma assembleia com uma composição tão vasta está, também ao nível nacional de cada um dos nossos Estados Membros, a surtir um efeito positivo, o de gerar um consenso forte entre as oposições e os partidos no poder uma vez que todos participaram na feitura do Projecto constitucional, tendo-a sufragado nas suas linhas gerais. Do ponto de vista da consolidação, tão necessária, dos consensos nacionais nos nossos 25 Estados Membros em torno da futura Constituição Europeia que os parlamentos de cada um dos nossos países serão de resto chamados a aprovar, também a opção pela fórmula da Convenção se revelou judiciosa e plenamente justificada.

Parece-me assim que com o actual projecto de Constituição conseguimos desde já transformar uma parte dos desafios colocados pela reunificação do continente europeu numa oportunidade de reforço da própria União Europeia.

Antes de mais, conseguimos fazer da questão da reforma da Europa um projecto federador dos novos como dos antigos membros da União, proporcionando a todos a possibilidade de trabalhar em conjunto na definição do seu próprio futuro comum. A reunificação do continente europeu adquiriu assim uma útil dinâmica integradora que me parece importante para desenvolver as relações de confiança mútua entre os parceiros, para incitar à prática do diálogo, da concertação e do compromisso e para reforçar o sentimento de pertença a uma comunidade de destino e de valores partilhados que, a meu ver, tem constituído um dos traços definidores da construção europeia e que importa preservar. Conseguimos também criar um intenso movimento de opinião pública em torno das questões europeias – a Europa parece assim ter enfim extravasado dos círculos apertados das negociações diplomáticas para começar a apresentar-se como um projecto político mobilizador das sociedades e dos cidadãos. Conseguimos ainda restituir ao curso da história a sua capacidade renovadora, libertando o potencial de criatividade e de inovação que esta encerra – penso naturalmente na futura Constituição Europeia, ente absolutamente sui generis do ponto de vista jurídico e até político, que começou por suscitar grandes resistências e dúvidas, mas cujo princípio se tornou agora consensual. Por último, conseguimos fixar no futuro texto constitucional condições para dotar o projecto europeu de uma dinâmica renovada e abrir novos horizontes de cooperação, que permitirão à União continuar a aprofundar o processo político de integração em curso.


Senhor Presidente

Esta é a leitura positiva que faço dos trabalhos da Convenção, numa primeira abordagem globalmente favorável do projecto de Constituição.

Parece-me legítimo fazê-la, quer pelo que nos ensinam a história da integração europeia e as sucessivas reformas que foram sendo introduzidas aos Tratados fundadores, quer pela convicção de que a unificação da Europa em torno do projecto federador europeu é uma oportunidade que a mundialização deixa sem alternativas sustentáveis.

Não obstante, mantenho um olhar crítico em relação à arquitectura institucional proposta no actual projecto constitucional, do ângulo da sua adequação ao princípio da igualdade entre os Estados. Ora este último representa, a meu ver, uma premissa da viabilidade da União Europeia e um factor determinante da sua vitalidade política.

Até agora, o sistema das presidências rotativas do Conselho, a composição da Comissão, bem como a utilização das línguas nacionais no seio da União, materializavam o tratamento igualitário reservado aos Estados, contrabalançando os elementos de diferenciação que, na arquitectura comunitária, estão associados ao factor demográfico. É o caso, por exemplo, dos critérios de cálculo das maiorias qualificadas no seio do Conselho, da atribuição de assentos parlamentares ou ainda da composição da Comissão.

A questão que presentemente se coloca é a de avaliar se o modelo proposto no projecto constitucional configura um sistema suficientemente sólido e equilibrado por forma a impossibilitar discriminações e desigualdades de princípio. Como é sabido, defendi com outros – sem sucesso é certo - que só a criação de uma Segunda Câmara, que poderia resultar de uma adaptação do actual Conselho legislativo, asseguraria cabalmente tal igualdade. Caberá, no entanto, à próxima Conferência Intergovernamental (CIG) proceder a uma avaliação cuidada desta questão, sob pena de pormos em risco as fundações da construção europeia. Por outro lado, no que respeita às alterações introduzidas no sistema institucional, penso ainda que subsistem algumas imprecisões e indefinições no equilíbrio entre o Conselho e a Comissão, que importará igualmente afinar e esclarecer no âmbito da CIG.

Por fim, cabe assinalar - e acompanhar com atenção – a compreensível heterogeneidade das visões que os diferentes parceiros têm do processo integrador europeu e que se reflecte, de resto, em certas ambiguidades do texto do actual projecto constitucional. Não creio, no entanto, que de momento seja possível proceder a uma melhor sintonia a nível dos princípios e objectivos prosseguidos pela União.

Embora a Europa tenha sido construída na base de um pragmatismo criativo, a presente "explosão" do número de Estados Membros vai requerer um reforço continuado do grau de convergência acerca das finalidades da União por forma a contrariar o aumento natural das forças centrífugas induzidas pelo alargamento. Por outras palavras, temo que demasiadas fugas para a frente, uma eventual proliferação de cooperações reforçadas e a persistência de uma ambiguidade de fundo sobre as objectivos visados pelo projecto europeu prejudiquem a sua coerência e unidade global, retardem o seu aprofundamento e, em última instância, conduzam à sua diluição. Entendo, pois, que devemos manter o rumo inicial e que será necessária persistente cautela para não hipotecarmos o futuro da União enquanto projecto político igualitário, federador dos povos e dos Estados do continente europeu, visando dotar a Europa de uma presença forte no mundo. Parece-me, no entanto, que a margem de manobra disponível se joga, de momento, mais na forma como se procederá à aplicação dos futuros preceitos constitucionais e no plano humano – escolha das personalidades que desempenharão as futuras missões europeias - do que a nível do texto fundador que, a meu ver, procura corresponder já a um difícil denominador comum aos 25 Estados Membros.

Por conseguinte, caberá agora à Conferência Intergovernamental consolidar o texto de que dispomos, aperfeiçoando os aspectos menos bem conseguidos, definindo mais claramente outros pontos menos trabalhados e repensando algumas disposições mais polémicas. Mas, não creio que seja politicamente desejável reabrir negociações susceptíveis de fazer tábua rasa do debate já travado no seio da Convenção, nem alterar fundamentalmente os equilíbrios encontrados.


Meus Senhores

O desafio do actual alargamento da União é incomensurável, a aposta no aprofundamento ao abrigo da futura Constituição representará também um esforço ímpar. São duas frentes de combate que só travadas em uníssono permitirão à Europa afirmar-se como um projecto de futuro. Pela minha parte, acredito que o projecto de Constituição de que dispomos actualmente nos proporciona um quadro suficiente para podermos cumprir quatro metas que me parecem essenciais para a sustentação do projecto europeu: consolidar o espaço de segurança na Europa; preservar a coesão territorial, social e económica da União bem como salvaguardar o modelo social europeu; e reforçar o papel da Europa no mundo. É sobre estes dois últimos aspectos que escolhi debruçar-me mais em pormenor pela importância que encerram para o futuro do continente europeu.


Coesão Económica, Social e Territorial da União e o modelo de economia social de mercado

O primeiro ponto positivo que me parece importante salientar é o de que o actual projecto de Tratado Constitucional apresenta de forma mais clara o equilíbrio que deve existir entre os objectivos de carácter económico e os de índole social, de tal modo que deixa de se poder caracterizar a União Europeia apenas como um espaço económico sem referência aos objectivos sociais. A ilustrar este propósito, basta referir, por um lado, que entre os objectivos da União mencionados no Art.º I–3º, figura agora expressamente "uma economia social de mercado altamente competitiva, visando o pleno emprego e o progresso social" e, por outro, que a inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais no texto constitucional confere – e bem – a essas normas uma força jurídica de que até agora eram desprovidas.

Outro aspecto relativamente inovador diz respeito à atribuição à União Europeia da competência "para promover e assegurar a coordenação das políticas económicas e do emprego", estipulando o futuro Tratado que aquela adoptará não só "medidas com vista a garantir a coordenação das políticas de emprego dos Estados-Membros" (n.º 4 do Art.º I-14.º9), mas também "iniciativas destinadas a garantir a coordenação das políticas sociais" (n.º 5 do mesmo artigo).

Estas disposições e outras são, a meu ver, importantes porque vão no sentido da salvaguarda do modelo social europeu, para os actuais e os futuros membros da União Europeia, objectivo que reputo essencial.

É bom não esquecer que estamos perante matérias que têm um impacto directo na vida dos cidadãos, conferindo ao projecto político europeu um rosto humano.

No entanto, deve salientar-se que de um ponto de vista da política económica e social seria enganador atribuir à União Europeia poderes e responsabilidades sem lhe atribuir os meios necessários para a sua realização e cumprimento, tanto mais que as responsabilidades pelo emprego e pela inclusão social pertencem essencialmente aos Estados-Membros, muitos deles bastante carenciados de recursos e sujeitos a conhecidas disciplinas orçamentais restritivas.

A Europa económica e social, parafraseando Jacques Delors, baseia-se "na competição que estimula, na cooperação que reforça e na solidariedade que une", e a solidariedade europeia tem assentado em políticas estruturais que muito têm contribuído para um desenvolvimento económico mais equilibrado em todo o espaço comunitário. Mas, para que assim possa continuar, como obviamente deve ser, e tendo em vista o alargamento da União Europeia, é preciso que o orçamento comunitário esteja à altura do desafio.

É sabido que os Estados-Membros contribuintes líquidos oporão resistências ao aumento das suas contribuições para o orçamento comunitário, razão por que convirá recordar, por um lado, que a coesão económica e social é a contrapartida da abertura das economias menos desenvolvidas às exigências do mercado único, e, por outro lado, que as suas contribuições representam afinal e sobretudo um investimento nas referidas economias, colhendo um bom retorno proporcionado pelo mercado.

A negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio para o período 2007-2012 não será decerto fácil, atendendo à previsível escassez dos recursos face às necessidades de um maior número de Estados-Membros e ao facto de a sua aprovação ainda ser por unanimidade. Uma via complementar para apoiar os países mais necessitados – e na actual conjuntura também para ajudar a reanimar a economia europeia – poderia ser a realização de necessários investimentos em infra-estruturas financiados, em grande parte, por instituições comunitárias, como o Banco Europeu de Investimentos, na linha do que recentemente foi sugerido pela Itália.

Recordo que há dez anos o então Presidente Delors também apresentou um ambicioso plano para o Crescimento, Competitividade e Emprego, para cuja financiamento era proposta a emissão de obrigações pela própria União Europeia, ideia que esbarrou com a oposição de alguns Estados-Membros, impedindo assim a concretização do Plano. Mas, agora com a criação da moeda única em doze Estados Membros da União Europeia, a ideia de emissão de obrigações pelo Banco Europeu de Investimento ou pela própria União Europeia pode ser mais viável. Por um lado, porque, para esses países, já não há o risco de desestabilização por especulação cambial como no passado; e, por outro lado, porque também não surgem os problemas de balança de pagamentos que antes poderiam ocorrer, quer porque no interior da Zona Euro todos os pagamentos se fazem agora em euros, quer porque a prossecução do referido programa num qualquer Estado-Membro da União Europeia também beneficia as economias dos restantes pela via da expansão do rendimento e do comércio.

Este último aspecto mostra ainda quão importante e necessário é o reforço da coordenação das políticas económicas não só entre os membros do EuroGrupo mas de toda a União Europeia, pois há medidas que podem não ser viáveis ou aconselháveis à escala de um Estado-Membro mas que se revelariam bastante úteis à escala comunitária. A este respeito, entendo que o actual projecto constitucional contém alguns progressos, ao melhorar os procedimentos de coordenação na linha das propostas da Estratégia de Lisboa e ao reconhecer ao Eurogrupo um papel que lhe permitirá endossar responsabilidades acrescidas.


Senhor Presidente

Pela minha parte, gostaria de reafirmar a importância do modelo social europeu, enquanto parte do nosso legado civilizacional e elemento essencial da integração europeia. Julgo igualmente que deveríamos assumir que, até agora, se tem tentado enfrentar a questão social e o problema da solidariedade de um modo limitado. Reconheço, naturalmente, que estamos num domínio em que se jogam interesses nacionais ponderosos nem sempre convergentes e em que as particularidades de cada Estado-Membro são importantes. Mas, conto-me entre os que pensam que é indispensável criar sinergias no seio da União para tratar em conjunto de matérias de interesse comum, para encontrar um bom equilíbrio entre o desenvolvimento económico e o desenvolvimento social e procurar uma melhor coerência entre os objectivos de política monetária, o desempenho económico e os princípios da justiça social. Prosseguir nesta via permitirá, a meu ver, reforçar o exercício da cidadania europeia.


Política Externa de Segurança e de Defesa

A meu ver, neste domínio o projecto de Tratado constitucional abre úteis perspectivas de aprofundamento da União Europeia, dotando-a de instrumentos que lhe permitirão, no futuro, afirmar-se melhor na cena internacional.

De facto, nos termos do actual texto a União passa a dispor de uma "competência para a definição e a aplicação de uma política estrangeira e de segurança comum, incluindo a definição progressiva de uma política de defesa comum" (n.º 4 do artigo I-11.º). É um primeiro passo positivo. O segundo reside na instituição da figura de "Ministro dos Negócios Estrangeiros da União", mandatário do Conselho de Ministros e Vice-Presidente da Comissão, ao qual caberá a responsabilidade de conduzir a política externa e de segurança da União, incluindo a política de defesa comum. O terceiro diz respeito às novas disposições relativas ao desenvolvimento progressivo de uma política de defesa comum da União, as quais contemplam quer a possibilidade de serem instituídas cooperações reforçadas neste domínio, quer a criação de uma Agência Europeia de armamento, de investigação e de capacidades militares.

Considero que este novo enquadramento jurídico e funcional da PESC permitirá aos Estados Membros irem ao encontro de uma reivindicação que os cidadãos europeus exprimiram claramente aquando da crise iraquiana no sentido de a União Europeia desenvolver uma política externa própria e de se afirmar na cena internacional como um actor autónomo credível.

Mas parece-me também óbvio que não basta dispor de mecanismos institucionais de política externa para tornar possível a afirmação na cena internacional de uma identidade política europeia. É, sem dúvida, uma condição necessária, mas certamente não suficiente. Para realizar esta dupla condição, há que definir objectivos políticos coerentes, dispor de um conceito estratégico da União e garantir a vontade política de o executar. Esta é, de resto, uma das grandes dificuldades com que nos deparamos e em relação à qual se manifestam divergências evidentes entre os Estados Membros. Mas, se quisermos que a Europa adquira um peso político comparável ao seu peso económico, teremos de superar uma visão limitada da ordem internacional e da política externa, equacionada em termos de interesses meramente nacionais e em função de um conceito de soberania nacional que a mundialização tornou, pelo menos parcialmente, caduco.

Sendo a primeira potência comercial e a segunda potência económica, detentora de cerca de 25% da riqueza mundial, a Europa, tem sido, além disso, um dos principais financiadores internacionais – refira-se, por exemplo, que 80% da ajuda pública à Rússia tem sido assumida pelos contribuintes europeus, bem como praticamente todo o Processo de Paz no Médio Oriente. Ora, não só a Europa não tem recolhido os respectivos dividendos políticos desta situação, como não tem tido a projecção correspondente na cena internacional.

É um contrasenso insustentável que, como já referi, os europeus denunciaram com as manifestações que por toda a Europa ocorreram no passado dia 15 de Fevereiro. A este respeito, será útil ponderar a tese recentemente avançada por J. Habermas e J. Derrida, segundo a qual aquelas marcam o nascimento de uma nova opinião pública europeia que manifestamente sufraga a afirmação de uma autonomia política da União Europeia.

A dificuldade essencial da afirmação de uma identidade política europeia na cena internacional reside nas implicações que a mesma encerra a nível das relações transatlânticas, na dupla vertente externa e da defesa. De resto, o próprio objectivo da defesa europeia não pode ser um fim em si mesmo, mas tão só um instrumento ao serviço da afirmação da autonomia política da União Europeia. Neste quadro, o desenvolvimento de uma política de defesa europeia implicará que se repensem as relações com a Aliança Atlântica, mediante o reforço do pilar europeu e de um relacionamento de complementaridade, cooperação e confiança mútua.

Não obstante, nada disto é sustentável se não dispusermos de uma mais determinada vontade política assente num conceito estratégico para a União e em objectivos comuns definidos com clareza. Tão pouco conseguiremos afastar as nossas actuais debilidades de intervenção, se a União não dispuser de uma indústria de defesa, de capacidade autónoma de projecção de forças e de um sistema de informações próprio.

Quero, no entanto, acreditar que, a este respeito, a criação, agora prevista, de uma Agência de Armamento nos colocará no bom caminho, recorrendo, se for caso disso, à possibilidade, também agora contemplada, de criar cooperações reforçadas. Não sendo este procedimento o ideal, é provável que seja uma via catalizadora para uma mais efectiva política externa e de segurança europeia, na condição de evitarmos tentações exclusivistas e de previamente definirmos critérios objectivos, passíveis de serem partilhados por todos.


Meus amigos

Embora os progresso alcançados com vista à afirmação internacional de uma identidade europeia possam parecer lentos ou hesitantes, não nos podemos esquecer que a União Europeia é um projecto recente, aberto e em evolução e que a re-configuração geo-estratégica do mundo do pós-guerra fria acelerou a história e veio criar uma situação radicalmente nova. Permitiu desde já a reunificação do continente europeu, em torno dos valores e ideais comuns da paz, da democracia, da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade de oportunidades, da solidariedade e do bem-estar social e da qualidade de vida. Mas, permitirá também, estou seguro, a pouco e pouco, consolidar o peso da Europa no mundo, ampliando a projecção da sua voz em defesa dos valores universalistas, da paz, do pluralismo, da justiça, do respeito pelos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável.

Tenho para mim que a construção europeia avançará sempre, nas suas diferentes vertentes, desde que mantenhamos clara a visão política e solidária que a enforma. A elaboração da futura Constituição Europeia representa a este respeito uma oportunidade que devemos saber não desperdiçar. Está nas nossas mãos fazer dela um marco histórico. É um desafio que a todos nos deve convocar.