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Sessão na Assembleia Legislativa
Senhora Presidente da Assembleia Legislativa,
Excelências, Minhas Senhoras e meus Senhores, Senhor Bispo de Macau, Excelência Reverendissíma É-me muito grato estar, de novo, nesta Câmara, agora, como no futuro, órgão de governo próprio do Território; agora, como no futuro, sede exemplar da legítima representação política da comunidade de Macau. Bem haja, assim, Senhora Dra. Anabela Ritchie por continuar a presidir, com elevado sentido da função, incontornável tacto político e reconhecido cuidado pelo futuro de Macau, a este colégio de individualidades, que pela sua valia pessoal e pela sua integração na comunidade que os viu nascer ou a que vieram acolher-se, dá voz qualificada às gentes desta terra. E nesta hora singular, que vai pondo em perspectiva Macau e o seu futuro, não posso deixar de prestar homenagem a um dos mais ilustres filhos da terra, figura eminente que, décadas a fio, deu a Macau o melhor do seu insubstituível talento, e contribuiu, de modo decisivo, para o modelo político que nesta casa se singulariza - o Dr. Carlos Assumpção, primeiro Presidente da Assembleia Legislativa e referência permanente para a comunidade de Macau.
Nesse labor, teve a Assembleia Legislativa importância singular, como expressão permanente daqueles princípios e daqueles valores, e como símbolo vivo do modelo político pactuado para o território de Macau e do projecto de vida comunitária que ele terá de cumprir. Nunca será demais reafirmar que toda a organização do poder, toda a produção de leis, toda a aplicação do direito ao caso, toda a governação, em suma, haverão de respeitar, agora, como no futuro, a maneira de viver de Macau - princípio e fim de toda a arquitectura política que a Declaração Conjunta estabeleceu para o Território. É hoje bem claro que essa maneira de viver não se esgota na gestão de bens e serviços em economia livre de mercado. Ela é, antes de mais, e sobretudo, uma exigência permanente de respeito e protecção dos valores da vida e da liberdade, do pluralismo de ideias e da sua afirmação comunitária, de segurança das pessoas e dos bens, sem intervenções arbitrárias e com proporcionada aplicação de meios, tudo num quadro de relações em que o primado do Direito seja a forma habitual de regular interesses, resolver conflitos, promover o progresso da comunidade e assegurar o bem-estar das pessoas que nela se integram. A Assembleia Legislativa tem sido expressão continuada da maneira de viver própria de Macau assim compreendida - e isto tanto no acompanhamento e apreciação política da actividade da Administração, como no contributo valioso que vem dando à incorporação em direito local dos valores que exprimem a sua especificidade. Dotar o Território de um ordenamento jurídico que, respeitando direitos, liberdades e garantias, estivesse adaptado à realidade e experiência locais, era objectivo essencial do período de transição. E esse objectivo comportava tanta mais complexidade quanto se tornava necessário compatibilizar a autonomia institucional desta Assembleia com as condições políticas em que se garantisse que o Direito de Macau se manteria basicamente inalterado nos próximos cinquenta anos. O engenho e o labor de todos permitiu encontrar as formas de compatilização necessária e criar um quadro de actuação que, tendo-se revelado de inegável fecundidade, sustenta a legítima expectativa de que, no termo do período de transição, o ordenamento jurídico de Macau traduzirá, no essencial, a sua maneira de viver.
Leva consigo uma reiterada prática de cooperação entre o legislativo e o executivo, quer na produção de leis que constituem as traves mestras do direito local, quer nas críticas e recomendações à actividade da Administração, no respeito rigoroso das competências próprias. Nessa frutuosa cooperação, a Assembleia Legislativa assumiu sempre como suas as aspirações e os anseios da comunidade de Macau, com o insubstituível conhecimento e experiência das coisas que os seus deputados, gente da terra e com a gente da terra partilhando o mesmo projecto de vida comum, trouxeram ao debate político e às propostas de progresso. Mas acima de tudo, a Assembleia Legislativa tem sido, e terá de continuar a ser, o penhor dos direitos, liberdades e garantias, dos residentes de Macau. É que só homens livres - reafirmo-o nesta casa -, e com correspondente estatuto, poderão ser representados e dar permanente cooperação a deputados igualmente livres, que sejam para os governos, quer quando louvam, quer quando criticam, elementos essenciais na prossecução do bem comum.
Ela é também a garantia assumida perante as gentes de Macau e perante a comunidade internacional de que o território gozará de um largo grau de autonomia, que será governado pelos seus residentes, e que tanto a sua identidade sócio-cultural, como as suas tradições, serão escrupulosamente preservadas e protegidas. A preparação e consolidação deste estatuto tem sido objecto de permanente diálogo entre a China e Portugal e tem contado com o labor continuado dos órgãos de governo próprio do Território. Naquele diálogo, densificaram-se os laços de amizade entre a China e Portugal e ganhou acrescido relevo o papel de Macau como meio privilegiado de relacionamento entre o Oriente e o Ocidente. Esse papel não poderá, nem deverá, cessar pós-99. É que a preservação da identidade de Macau e da maneira de viver das suas gentes não seria integralmente respeitada, se o Território fosse amputado desse secular desempenho como mediador de culturas e de convivências, que nesta Assembleia encontrou tão fecunda concretização. Num mundo que procura os meios de garantir, por forma duradoura, o progresso dos povos e a paz entre as nações, o paradigma de Macau é prova de que podem conviver e organizar-se em comum culturas, povos e interesses diversificados. Que esse seja sempre o projecto de Macau são os votos de Portugal. |