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Discurso de SEXA O Presidente da República na Sessão Comemorativa do 93º Aniversário da Implantação da República
Câmara Municipal de Lisboa Excelências,
Esta homenagem aos fundadores da República que anualmente celebramos apesar de singela na forma de que se reveste, constituiu-se sempre como uma oportunidade de reflectir colectivamente sobre os valores republicanos e sua importância para a comunidade portuguesa. A 1ª República não foi tudo o que quis ser. Nem sempre correspondeu às expectativas que gerou. Teve de lutar contra as naturais resistências à implantação de um novo regime político e enfrentou uma conjuntura internacional adversa. Mas apesar das adversidades e dos erros que hoje reconhecemos que se cometeram, o legado da República marca uma viragem na história contemporânea portuguesa que em muitos aspectos nem a Ditadura inverteu. Hoje visitamos o seu legado com serenidade, distantes das polémicas que durante tantos anos dividiram facções republicanas e anti-republicanas. O tempo transforma a realidade em História e é nela que devemos procurar as continuidades e as rupturas que determinam a forma como hoje olhamos o momento presente. A curta duração 1ª República foi atravessada pela Grande Guerra de 14-18 confrontando o novo regime com a necessidade de formular uma política externa que clarificasse o papel de Portugal. Anos mais tarde a Ditadura confrontou-se com a mesma necessidade. As respostas foram diversas. Salazar optou pela neutralidade, os republicanos optaram pela participação na guerra. Ambos procuraram, no seu modo diverso, defender os interesses dos portugueses e a integridade das colónias, interpretar as alianças históricas e procurar um lugar para Portugal no concerto das nações, como então se dizia. Uma política de isolamento ou uma política de abertura: este foi um debate importante na nossa política externa. O regime autoritário. perto do seu fim, já tinha claramente percebido que a política de isolamento internacional, seguida durante décadas, não tinha futuro. Iniciou o estudo da adesão à Europa sem saber, contudo, como resolver com clareza e aceitação internacional o problema das colónias portuguesas que, desde 1961, desenvolviam uma luta armada para alcançar uma independência que o regime então negava perante a clara e inequívoca condenação da comunidade internacional. O 25 de Abril permitiu a solução desse problema e só uma corrente minoritária se opôs à política de adesão à Comunidade Económica Europeia. Ao fazê-lo a Democracia assegurou aos portugueses a participação num projecto que transcende em muito o desenvolvimento económico que já permitiu ao país o acesso a melhores condições materiais de vida. Muitos portugueses, permitam que lhes diga, tendem a olhar erradamente para a União Europeia como uma fonte de fundos comunitários. A esses a Europa parece melhor, quando os fundos são muitos; e menos radiosa quando os fundos diminuem. Compreende-se essa posição. Primeiro porque o impacto dos fundos comunitários foi enorme. Transformou o país. Gerou riqueza. Permitiu a melhoria das condições materiais de vida de milhões de portugueses. Depois, porque foi pouca a pedagogia e escasso o debate sobre todas as outras dimensões do projecto europeu. A União Europeia já não é apenas e sobretudo uma comunidade económica. Já não é composta apenas por um conjunto pequeno de países, que só com a adesão de Portugal, da Espanha e da Grécia chegou à dúzia. Desde essa adesão, em 1986, em menos de 20 anos, a União Europeia transformou-se num crescente projecto político e num projecto de cidadania que envolve 25 países e que, quando se consolidar e estabilizar, ficará como um marco na história da Humanidade. A ideia europeia nasceu da destruição da 2ª Guerra Mundial e, por isso, é o primeiro projecto de construção de um espaço supra nacional sem recurso á guerra. Talvez, na vertigem do quotidiano, na luta contra as dificuldades individuais das pessoas e das famílias, a dimensão desse projecto pareça pequena, distante e, pior do que isso, pouco decisiva. É possível que nos inevitáveis momentos de crise porque esse projecto passou e passará no futuro, exista o instinto de questionar a sua validade e a possibilidade de alcançar os fins a que se propõe. E, nos momentos críticos, em que cada país individualmente considerado tem de se confrontar com as consequências concretas dos princípios de partilha e de solidariedade que estão na génese da ideia de Europa, sobrevêm dúvidas, e frequentemente se levante o espectro da destruição da soberania dos Estados tal como até então os tínhamos conceptualizado. Não devemos ignorar nem estigmatizar a indiferença, a dúvida ou a crítica. Os regimes democráticos fundam-se na escolha e ela só pode assentar no esclarecimento, no debate constante dos desafios e das escolhas que se nos oferecem. Poder ir de Portugal à Polónia sem fronteiras, sem necessidade de passaporte, pode parecer um simples acto administrativo, a remoção de um empecilho burocrático e, nesse sentido, uma irrelevância. Mas, em boa verdade isso simboliza a essência da Europa que estamos todos a construir; uma cidadania europeia que se vive como projecto de valores democráticos a par da cidadania nacional. Centralizar num orçamento comum um envelope financeiro que é partilhado pelos países que dele necessitam para se desenvolverem a um ritmo maior e, assim, procurar equilibrar os níveis de prosperidade e riqueza no seio da União é um acto de solidariedade e coesão que são o fundamento e a razão da existência da Europa e esses são também valores republicanos. Coesão essa que continua, infelizmente, a constituir uma aspiração que está por cumprir em Portugal. Mas a União Europeia não gravita em torno dos fundos comunitários, repito. Ela não é boa se os fundos são muitos e má se os fundos diminuem. Se 25 países olharem para a Europa numa estrita lógica nacional o projecto seria inviável e nunca teríamos chegado onde chegámos. É em nome da Europa de valores que rasgam a cada cidadão horizontes transnacionais de definição das suas estratégias de vida que o projecto se tem construído ao longo de cinco décadas. A União Europeia demorará ainda a consolidar-se. Enfrentará dúvidas e crises. Terá de reafirmar os seus valores e procurar, em cada momento, as formas equilibradas de partilha entre os Estados, seja a partilha de quotas de produção, seja a partilha do poder no seio das instâncias comunitárias. Vamos entrar num ano importante para a União Europeia e para os cidadãos europeus. Os resultados da Conferência Inter-governamental, as eleições para o Parlamento Europeu, que se realizarão em 2004, serão uma oportunidade importante para debater o presente e o futuro da Europa. Para esclarecer dúvidas e perceber melhor o momento em que nos encontramos, neste inevitavelmente longo processo de consolidação da União Europeia. Devemos fazê-lo com verdade, centrando o debate político nas questões essenciais, não iludindo dúvidas nem críticas, antes procurando-as, argumentando, esclarecendo. Só com o esclarecimento dos cidadãos, a consciência clara do que está em causa em cada momento, dos compromissos que os países têm de fazer, do caminho que se quer seguir e do seu valor intrínseco, só com tudo isto se pode construir uma União Europeia forte. É a propósito da necessidade desse esclarecimento que julgo competir-me indicar como vejo as várias questões à nossa frente. Na verdade, a aprovação de um tratado constitucional na União Europeia coloca-nos perante solicitações de índole diversa que importa não confundir. Só uma percepção clara da diversidade das questões que estão em jogo permitirá uma participação informada e uma decisão consequente. Em primeiro lugar, trata-se da definição de conteúdo do futuro tratado no âmbito dos trabalhos da CIG, pelo que importa, nesta fase, perceber o que está em discussão e procurar consensualizar as posições que melhor assegurem os interesses de Portugal no quadro da construção Europeia. Trata-se, em segundo lugar, de verificar em que medida o resultado definitivo desses trabalhos, ou seja, o conteúdo do novo tratado será, em toda a sua extensão, compatível com a Constituição Portuguesa e, nesse sentido, considerar qual a melhor solução que compatibilize a nossa ordem Constitucional e as exigências da integração Europeia. Será, neste plano, que deverá ser avaliada a eventual necessidade de uma revisão constitucional extraordinária que, à semelhança do que ocorreu noutras ocasiões, salvaguarde aqueles interesses e permita uma ratificação juridicamente incontroversa do nosso tratado. Caberá, por último, ponderar quais as modalidades mais adequadas de participação popular na decisão de ratificar o novo tratado, incluindo aí a questão de saber se essa decisão deve ou não ser precedida de uma consulta nacional através de um processo de referendo.
A República tem de assentar numa cidadania forte. Ou seja: tem de fortalecer-se em cidadãs e cidadãos informados das opções possíveis e intervenientes nas decisões que determinam o nosso futuro colectivo. Os cidadãos são o garante da democracia. Por isso, a sua mobilização e empenhamento cívico, a todos os níveis, são decisivos a uma República moderna. E isso é um dos mais nobres deveres que impendem sobre aqueles que têm responsabilidades políticas. Cumprir esse dever é combater o divórcio - que temos que reconhecer que existe - entre eleitores e eleitos. É dar vida aos valores republicanos naquilo que eles têm de mais nobre. Viva Portugal
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