Discurso do Presidente da República por ocasião da Conferência "Participação Pública e Desenvolvimento Sustentável

Fundação Calouste Gulbenkian
29 de Setembro de 2003


São tempos de complexidade, de conflitualidade e de incerteza estes em que vivemos. Mas, talvez por isso mesmo, maior responsabilidade sentimos em equacionar correctamente as grandes questões que temos de resolver, os problemas centrais que precisamos de gerir.

A sustentabilidade é, sem dúvida alguma, uma das mais fundamentais, e mais prementes, questões que se põem às gerações que entraram neste novo século. A sustentabilidade é um compromisso de honra que assumimos face às gerações vindouras. É uma afirmação de confiança na capacidade criativa e na inteligência colectiva dos seres humanos.

Para que o futuro não nos denuncie como parceiros pouco dignos, ou mesmo irresponsáveis, em termos do contrato que nos une aos destinos do planeta, teremos de saber antecipar e ajustar-nos às mudanças - quer as oriundas do exterior, quer as causadas pela nossa actividade - de modo coerente, atempado e proactivo.

Quer isto dizer que a condução dos assuntos gerais numa sociedade avançada exige cada vez mais informação, maior esclarecimento, mais comunicação, maior participação, mais consciência, maior compreensão. O futuro das nossas democracias, sabê-mo-lo, depende em larga medida da possibilidade de decidirmos bem, em ambientes de incerteza e de insuficiente estabilização. Mas, para que as decisões a tomar sejam correctas, há que garantir de antemão a aderência à realidade e a pertinência das perguntas a que temos de responder. De outro modo, as respostas que produzirmos terão sempre consequências desastrosas.

A ciência e a experimentação científica, as tecnologias que delas derivam e a circulação de informação que veiculam, deram origem a uma nova fase da vida da humanidade que trouxe – e continua a trazer – mudanças radicais em todos os domínios.

Por este motivo, o que os países têm de mais precioso reside na sua capacidade de inventar, de descobrir, de realizar, de transformar. A inovação é o caminho que construímos para criar, todos os dias, um futuro sustentável, um futuro que, ao transformar-se no presente, possa servir de base a uma nova caminhada. A inovação exige, pois, um nível de desenvolvimento social e cultural na comunidade que sirva de garantia à participação plena e à expressão da vontade dos cidadãos.

Nos últimos quinze anos a ideia de sustentabilidade do desenvolvimento tem penetrado praticamente todos os sectores da vida pública e faz parte das agendas das instituições da esfera política, das organizações e associações não-governamentais, e das empresas.
O seu sucesso como princípio unificador do comportamento nas suas dimensões económica, social, ambiental e institucional, contrapõe-se à dificuldade de construir e pôr em prática planos de acção efectivos focados nas diversas vertentes da sustentabilidade.

O nosso principal objectivo deve ser, portanto, o de assegurar o desenvolvimento social e económico de modo equitativo, mas sem ultrapassar limiares de elevado risco potencial para o ambiente, tanto à escala global, como regional e nacional.

Por este motivo, teremos à partida de conseguir utilizar novas formas de energia, nomeadamente as renováveis, o que constitui um desafio à escala planetária. Sabemos que mais de um terço da população mundial não tem acesso a fontes modernas de energia, recorrendo ao uso de lenha e outros resíduos.

O Plano de Implementação que resultou da reafirmação de compromissos assumidos na Cimeira Mundial realizada em Joanesburgo no ano passado é bem claro a este respeito: é preciso aumentar de forma significativa, a curto prazo, a quota parte das energias renováveis na produção de energia primária, bem como melhorar o acesso a serviços de energia sustentáveis.

Porque um dos problemas mais gravosos e de maiores implicações que defrontamos neste século é o das alterações climáticas, problema que se encontra intrinsecamente ligado à sustentabilidade das nossas sociedades e das nossas economias.

A transição para uma economia menos dependente do carbono irá colocar desafios, ainda mais difíceis de superar, do que o curto prazo do cumprimento das metas acordadas no âmbito do Protocolo de Quioto.

Proteger o sistema climático da Terra, através da redução das emissões de gases com efeito de estufa, e adoptar medidas para minorar os efeitos adversos das alterações climáticas, são desafios cruciais para os próximos cem anos.

A determinação do potencial efectivo da floresta portuguesa para actuar como sumidouro de carbono depende de se porem, ou não, em prática, medidas para minimizar os efeitos do aumento do risco de incêndios florestais, provocado pelas alterações climáticas.

Nenhuma sociedade se pode alhear do meio exterior em que evolui. Esta é a complexidade intrínseca do nosso tempo.

A evidência empírica mostra que as actividades económicas são causadoras de emissões de gases com efeito de estufa, as quais influem em parâmetros sensíveis do processo de alterações climáticas da Terra. Ou seja, não podemos esperar que a tempestade passe, porque nós fazemos parte da tempestade.

É preciso actuar. Na certeza de que não há soluções globais que não sejam colectivas, partilhadas, aceites e defendidas por todos. Há que dirigir o melhor do nosso esforço para as tarefas essenciais à sustentabilidade, tarefas que não se coadunam com quaisquer unilateralismos.

Assim, em primeiro lugar, importa apostar em contrariar a tendência negativa em que estamos mergulhados, que vai no sentido de tornar ainda mais frágeis os laços vinculativos do direito internacional em matéria ambiental, fragmentando o que deveria ser coordenado, e tornando bilateral aquilo que deveria ser, progressivamente, multilateral e contratualizado num espírito de partilha e equidade.

A necessidade de criar um novo quadro institucional a nível internacional é evidente. Um dispositivo que, maximizando a experiência internacional acumulada, baseie a sua actuação em três vertentes, uma científica, uma organizacional, e uma última financeira, avaliando e monitorizando o estado do ambiente a nível global, valorizando as entidades já no terreno, e articulando eficazmente o seu esforço, racionalizado e incrementando o uso de fundos públicos e privados.

Em segundo lugar, precisamos de inscrever, igualmente, a luta pelos princípios e liberdades democráticos, bem como pelo exercício pleno da cidadania, no conjunto das condições essenciais para um desenvolvimento sustentável. Só assim será possível atingi-lo no futuro. Num futuro que, espero, esteja tão perto quanto a nossa coragem e generosidade em o determinar. O nível de participação pública neste esforço é a medida da capacidade de o atingir.

E, ao falar de participação pública, não nos devemos esquecer do papel fundamental das instituições públicas como promotoras e demonstradoras do exemplo a seguir nestas matérias. Uma administração pública inteligente e consciente dos desafios a que se tem de dar resposta é a interlocutora desejada das entidades privadas mais competitivas.

Não podemos descurar, também, a criação de novas tecnologias e instrumentos capazes de contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa a médio e longo prazo e, supletivamente, a curto prazo. Vários países membros da União Europeia já adoptaram activamente este tipo de iniciativas. O seu objectivo principal consiste em desenvolver estratégias de penetração e aplicação das energias renováveis como pilares da infra-estrutura material das nossas sociedades.

Quero com a minha presença significar-vos quanto aprecio a actividade de reflexão e intervenção desenvolvida pelo Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, o CNADS, que promoveu esta conferência. O Conselho é um órgão da Administração que integra a nova geração de instrumentos públicos inspirados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Deve, por este motivo, ser dotado dos meios que lhe permitam exercer cabalmente a missão de natureza cultural e política que lhe está cometida.

Quero, também, agradecer o contributo da Fundação Calouste Gulbenkian para a realização da conferência, sabendo bem como o papel que desempenha na sociedade civil portuguesa a impele a continuamente introduzir mais racionalidade e solidariedade nos procedimentos que usamos para interagir.

Quero, ainda, agradecer em particular a presença dos convidados estrangeiros, que nos visitam para connosco discutirem visões e experiências que se querem partilhadas, bem como a dos especialistas portugueses, pelos esclarecimentos que nos darão e que beneficiarão, certamente, todos os participantes.

Desejo um merecido e sustentável sucesso aos trabalhos desta Conferência.