Discurso do Presidente da República por ocasião da Visita ao Tribunal de Contas

Lisboa
03 de Outubro de 2003


Senhor Presidente do Tribunal de Contas
Senhor Procurador-Geral da República
Senhores Conselheiros
Senhores Procuradores-Gerais Adjuntos
Senhor Prof. Sousa Franco
Senhores Auditores e demais funcionários do Tribunal de Contas

É-me muito grato estar presente nesta prestigiada instituição, cuja actividade, de resto, acompanho com o maior interesse.

Correspondendo ao estatuto constitucional de que goza desde 1976 e às sucessivas reformas da sua legislação orgânica, o Tribunal, mercê do trabalho dos seus juízes e funcionários, conquistou um lugar de grande relevo na sociedade portuguesa.

Havemos de convir que esse mérito foi obtido em condições que não são isentas de dificuldade.

Por um lado, a instituição comparticipa de um duplo estatuto que faz dela uma instituição simultaneamente jurisdicional e de auditoria, sem esquecer os poderes que detém em matéria de fiscalização prévia da actividade administrativa.

Por outro lado, o campo sobre o qual exerce a sua competência é, hoje, vasto e heterogéneo.

Coexistem na Administração Pública formas de organização inovadoras a par de outras que mantêm, intacto, um modelo pensado para as necessidades dos meados do século passado.

Multiplicam-se estatutos jurídicos diferenciados, alguns dos quais parecem visar justamente, embora de forma não declarada, o abrandamento do controlo.

Por outro lado, uma certa lassidão e o alastrar da cultura de irresponsabilidade fazem aumentar a pressão para que este Tribunal possa ser visto como instância para suprir os frágeis ou inexpressivos mecanismos de responsabilidade política, ou até os morosos, e por vezes ineficazes, processos de responsabilidade criminal.

O Tribunal de Contas não é, no entanto, uma instância de apuramento de responsabilidades políticas, assim como não é um tribunal criminal.

A situação actual só nos pode levar, portanto, a desejar que nos locais constitucionalmente adequados sejam reforçados os mecanismos de apuramento da responsabilidade política.

No entanto, é com preocupação que vemos, por exemplo, a aprovação das contas do Estado sem qualquer demonstração relevante de interesse pelos pareceres emitidos pelo Tribunal e com total ausência de consequências perante os reparos ali formulados, ao menos em termos da progressiva correcção das ilegalidades apontadas.

Apesar das dificuldades a instituição tem sabido, as mais das vezes, evitar um tom "justiceiro".

Não podemos, contudo, deixar de preocupar-nos com imputações sumárias que fazem “manchetes” e aberturas de serviços noticiosos em matérias de grande melindre, como as que se relacionam com dinheiros públicos e que vêm, mais tarde, a ficar reduzidas a bem pouco.

Bom será que aquele tom jamais possa penetrar as paredes desta entidade tão decisiva para a Justiça financeira do país e para a necessária e reiterada confiança dos cidadãos quanto à correcta utilização dos impostos que pagam (já que não está na competência deste Tribunal preocupar-se directamente com os impostos que as pessoas não pagam).

As instituições de controlo dos dinheiros públicos são hoje, assim, mais do que nunca, meios insubstituíveis para a manutenção da transparência na Administração Pública e para a consistência da democracia.