Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão Solene de Abertura do Seminário "A Educação da Juventude: Carácter, Liderança, Cidadania"

Lisboa
07 de Outubro de 2003


Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Agradeço o convite que me dirigiram para usar da palavra neste seminário sobre "A Educação da Juventude", tema a que tenho procurado dedicar a maior atenção por o considerar decisivo para o futuro do país.

De entre a diversidade de questões que se prendem com este tema, a da educação cívica dos jovens – cidadãos de amanhã, é uma das mais delicadas, mas é, também, inadiável.

Colocam-se, neste contexto, importantes desafios à educação, para os quais há que encontrar respostas. Entre esses desafios quero sublinhar a necessidade de preparar os alunos para a compreensão do mundo em que vivemos; para a participação no aperfeiçoamento da democracia; para a defesa dos direitos humanos; para o conhecimento e prática dos seus direitos e deveres; para a capacidade de organização e análise crítica da informação transmitida pelos media; para a defesa do planeta, na perspectiva do desenvolvimento sustentável.


Minhas Senhoras e Meus Senhores

A educação cívica dos jovens exige uma concepção mais activa do papel do Estado, a interiorização da sua importância no contexto curricular, um debate, sempre difícil, sobre conteúdos e práticas, e uma pedagogia, junto de pais e alunos, para que encarem esta área de formação ao mesmo nível que as demais disciplinas.

O papel do Estado não se restringe, assim, a preparar "profissionalmente" os alunos, ministrando-lhes um conjunto de conhecimentos científicos e técnicos nos diversos domínios do conhecimento. A essa função do Estado acresce a de formar cidadãos para a participação, individual e colectiva, na definição do futuro da comunidade nacional a que eles pertencem. Ao assumir esta função – o que acontece de forma muito incipiente em Portugal – o Estado assume a responsabilidade de contribuir de forma pedagógica e pluralista para o debate em torno de concepções diversas de princípios e valores, ensinando a pensar, a cultivar a dúvida e a interrogação, a procurar caminhos e a fazer opções. Formar civicamente um aluno é ensiná-lo a pensar e a decidir, não é impor-lhes acriticamente valores. Só neste quadro de referência nos poderemos todos entender quanto ao desenvolvimento e reforço da área de educação cívica no contexto curricular.

Depois, temos de convergir no estatuto que essa área de ensino deve ter. Parece-me que ele deve ser o de igualdade com as outras disciplinas na clareza dos objectivos, dos conteúdos e na exigência de avaliação. Conferir-lhe um estatuto diverso é desvaloriza-la, diminuindo a eficácia da sua função pedagógica, e desprestigiá-la aos olhos dos alunos que a encararão – como a encaram – como um conteúdo supletivo e, porventura, desnecessário.

Estimular a interrogação e a dúvida, ensinar a procura, a diversidade e a pluralidade de perspectivas sobre o real e aguçar o interesse na participação individual, nas escolhas que no presente são determinantes para o nosso futuro colectivo, parecem-me objectivos fáceis de consensualizar num programa. A minha preocupação é sempre a mesma: ajudar a pensar a vida e a sociedade e desenvolver a capacidade de intervir.

Pais e alunos devem, por isso, ser ajudados a compreender a importância da educação para a cidadania. Os pais-educadores reconhecê-la-ão mais facilmente se perceberem que ela não se quer substituir aos princípios e valores que lhes compete incutir à educação dos seus filhos, antes os ampliam.

Temos, todavia, de reconhecer que há um conjunto mínimo, sublinho mínimo, de princípios e de valores que se devem defender como "património" comum, porque os reputamos essenciais, numa sociedade democrática. É sobre eles que devemos procurar um consenso.

Vivemos hoje em sociedades abertas, fortemente individualistas, muito globalizadas e que passam por um momento particularmente delicado da história dos regimes democráticos. Caracteriza-se ele por um certo desencanto pelos modelos de representação política tal como eles se definiram no pós 2ª Guerra Mundial. Não podemos ignorar nenhum desses elementos. Os cidadãos confrontam-se perante eles com duvidas e inquietações. Olham com incerteza, e tantas vezes com angústia, para o futuro. Muitos vivem alheados da participação cívica e política, outros procuram restringi-la às áreas de interesse profissional, a movimentos cívicos, nacionais ou locais, ou a práticas religiosas; isto é, atomizam ou localizam a sua participação junto da comunidade.

No passado viveram-se momentos como este. Ciclicamente os regimes democráticos atravessam crises de representação das quais emergem, mais cedo ou mais tarde, saltos qualitativos nos modelos de relação entre eleitores e eleitos. Olhemos um pouco para a última grande crise: a que afectou as democracias liberais na primeira metade do século XX. A crise de representação e a incapacidade, em muitos países, de dar respostas às necessidades e anseios das populações fez nascer uma vaga de populismo, que alimentou regimes autoritários baseados no culto do líder como solução para os problemas da sociedade. Na altura as democracias liberais foram incapazes de perceber que a solução só poderia passar, como aconteceu mais tarde, por ampliar direitos políticos, ampliar a participação democrática, chamar, cada vez mais, os cidadãos para o processo de tomada de decisão.

Hoje, ao procurarmos uma solução para os problemas com que nos defrontamos, temos de seguir o mesmo caminho e não procurar invertê-lo. As sociedades democráticas constroem-se ou consolidam-se da base para o topo, do indivíduo para a representação. Só motivando e reforçando a participação cívica e política, só com o envolvimento activo dos cidadãos nas escolhas – seja a escolha entre opções políticas, seja a escolha daqueles que os representam – se ultrapassa o desencanto actualmente existente. A autonomia de um líder político é apenas e tão só a que resulta da legitimidade democrática de que ele dispõe. A liderança não é um valor de substituição da representação democrática, nem sequer, nas sociedades modernas, um atributo eficaz se a acção do líder não resultar da aplicação estrita das escolhas democraticamente feitas pelos cidadãos. Vale a pena, a título comparativo, ver a evolução que os modelos de gestão empresarial – sociedades em micro-escala – tiveram nos últimos anos.

De uma fase em que a aposta era no líder e na sua capacidade de liderança empresarial, passou-se para a actualidade em que a preocupação assenta na equipa, na participação no processo de decisão, no incentivo à criatividade e à iniciativa individual, em vez do prémio à capacidade de cumprir eficazmente directivas. A produtividade e a competitividade empresariais dependem cada vez mais de modelos democráticos de gestão participada.

Se quisermos mobilizar os cidadãos para a participação política não podemos de deixar de reflectir – sempre dentro da minha preocupação de alcançar consensos mínimos – em que sentido devemos orientar as suas interrogações e preocupações. Deixo-vos três vectores possíveis para uma reflexão. Julgo que em torno deles nos poderíamos entender definindo-os como programa mínimo. Esses vectores são: Tolerância, Solidariedade e Bem Comum. São simples e, digo-o sem rodeios, são praticamente óbvios.

Julgo que será em tornos deles que poderemos construir uma sociedade mais humanizada, mais justa, mais equilibrada. Se conseguirmos fazer reconhecer e respeitar a diferença, estimular a preocupação pelo destino do Outro, e não apenas pelo nosso, e ensinar a olhar para a comunidade como uma preocupação nossa, acima de interesses pessoais ou corporativos, estaremos sem dúvida a contribuir para um futuro melhor para Portugal.

Defender estes princípios e valores parece-me ser uma responsabilidade inalienável na educação da nossa juventude.

Oxalá se consiga.