Discurso de SEXA PR por ocasião da Sessão de Abertura da Conferência Europeia "Desaparecimento e Exploração Sexual de Crianças"

Lisboa
09 de Outubro de 2003


Merece todo o meu apreço esta Conferência Europeia promovida pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC). Não tanto por se realizar num momento de extrema sensibilidade aos problemas das crianças maltratadas mas sobretudo por duas outras razões: porque esses problemas não suscitaram, no passado, a devida atenção; e porque se impõe homenagear as instituições que – ao longo dos anos e apesar de todas as limitações – procuraram atenuar tão grave chaga social. O IAC é um rosto visível, moderno e humanista das dimensões positivas desta longa tradição. Louvo nele, especialmente, a sua Presidente, Sra. Dra. Manuela Eanes pelo pioneirismo, lucidez e persistência da sua dedicação a tão nobre causa. Congratulo-me também com o facto de a Conferência se encontrar extremamente valorizada com a participação de instituições e personalidades com créditos bem firmados no exigente domínio da protecção e dos direitos das crianças.

Antes e depois de Abril de 74 diversas forças políticas e sociais de Portugal, das mais variadas orientações, atribuíram toda a prioridade à defesa das liberdades humanas, contra todas as formas de opressão; nomeadamente contra a tortura e maus tratos policiais. Em boa hora o fizeram, e há que louvá-las por essa orientação.

No entanto, em contrapartida, não souberam – e ainda não sabem – enfrentar os maus tratos e a tortura registados em milhares de famílias, incidindo com mais violência, precisamente, nas crianças e também nas mulheres. Tanto à escala nacional como à internacional, não temos sabido enfrentar o «desaparecimento e exploração sexual de crianças», nem o tráfico monstruoso que, muitas vezes, se lhes encontra associado.

Chega a ser chocante a apatia a que vêm sendo votadas estas situações-limite. E tanto mais chocante quanto, provavelmente, a gravidade e a quantidade de tais situações não ficam aquém de outros tipos de violência.

Nesta ordem de ideias, parece-me altamente recomendável que se atribua a mais alta prioridade à atenuação de algumas insuficiências jurídico-administrativas verificadas nalguns países. No caso português realço, em especial, o imperativo do acompanhamento das situações familiares problemáticas, tendo em vista a prevenção e superação de comportamentos de violência. Não basta o acompanhamento por trabalhadores sociais (remunerados ou voluntários). Também não é suficiente a intervenção policial nem a judicial. Torna-se indispensável, para além disso, não só o estreitamento da articulação entre o poder judicial e as comissões de crianças e jovens mas também a delegação de algumas competências em entidades locais – de proximidade – que possam tomar decisões imediatas, embora sujeitas a confirmação, perante situações de maus tratos, de abandono ou de carência económico-social inaceitável.

Relativamente ao desaparecimento de crianças – que atinge, pela negativa, o âmago da sensibilidade humana – impõe-se garantir às suas famílias o apoio psicológico necessário e o direito a informações regulares prestadas pelas instituições policiais e por outras entidades envolvidas. Sabemos que as exigências da investigação policial e judicial podem implicar limitações à prestação de informações; nada, porém, justifica a utilização deste argumento para se agravar ainda mais o sofrimento das famílias atingidas pelo drama do desaparecimento. Mais do que isso: importa fazer tudo o que fôr possível para a facilitação das comunicações consideradas necessárias por essas famílias e para o andamento acelerado dos processos.

Fico a aguardar, com grande expectativa, as conclusões desta importante Conferência. Prestar-lhes-ei toda a minha atenção, e tudo farei para que o "desaparecimento e exploração sexual de crianças" bem como todas as formas de maus tratos, abandono e carência recebam, da sociedade e do Estado portugueses, a primeira prioridade entre as nossas preocupações.

Faço votos de bom trabalho nesta vossa Conferência que, desde já, vos agradeço.