Discurso do Presidente da República por ocasião da Sessão de Abertura do XVII Congresso Mundial da Consumers International

Centro Cultural de Belém
13 de Outubro de 2003


Exma. Senhora Presidente da "Consumers International"
Exmo. Senhor Presidente da DECO
Exma. Representante da Comissão Europeia
Senhoras e Senhores Congressistas

É com grande prazer que me dirijo a todos os participantes neste 17º Congresso da "Consumers International", que em boa hora escolheu Lisboa para se reunir.

A importância e representatividade da vossa organização e dos seus membros são o resultado de um longo caminho que, durante o último século, a divisão do trabalho e o progresso económico e social possibilitaram, na continuada afirmação dos cidadãos enquanto consumidores, com deveres e direitos específicos.

A crescente complexidade e inter-relação que caracterizam os sistemas produtivos e de distribuição, à escala planetária, vieram colocar na primeira linha das políticas públicas a necessidade de encontrar formas de regulação que protejam o lado, à partida, mais fraco e atomizado nas relações de troca, que é o cidadão consumidor. Mas a colocação na agenda das questões relevantes e a eficácia dos mecanismos criados dependem, de forma crítica, da existência de organizações e associações de consumidores que alertem para os problemas e monitorizem o cumprimento das normas.

Quem, senão as organizações de consumidores, pode alertar para as práticas de publicidade enganosa ou para políticas de preços e de concorrência ilegítimas? Quem, melhor que os consumidores organizados, pode intervir para prevenir ou remediar tempestivamente práticas lesivas dos direitos, da saúde ou da segurança dos cidadãos?
Por outro lado, e sendo certo que a diversificação dos produtos e serviços e das suas origens é um movimento imparável e com grandes benefícios para os consumidores em sociedades abertas, é também preocupante a forma mais difusa e menos linear como, em muitos casos, se poderá assegurar a protecção dos cidadãos perante as redes de produção e distribuição que, cada vez mais, ultrapassam as fronteiras dos Estados, obrigando a esforços de harmonização legislativa e penal nem sempre eficazes.

Acresce ainda que muitos dos valores e interesses relevantes para os cidadãos consumidores têm hoje um carácter semelhante ao de "bens públicos", obrigando, por isso, a mecanismos de regulação e protecção que os poderes públicos devem assegurar, através de uma audição sistemática das organizações de consumidores as quais, aliás, e numa lógica de parceria social pro-activa, devem também ser interlocutores de produtores e distribuidores naturalmente preocupados com a protecção da propriedade intelectual e industrial e contra o uso indevido. Estes, por seu lado, só terão a ganhar se cultivarem a aproximação aos problemas que preocupam os cidadãos organizados enquanto consumidores, dando provas de uma actuação socialmente responsável.

A crescente globalização vem, entretanto, colocar novas questões, umas de relevância imediata na qualidade de vida dos cidadãos, como a segurança alimentar e as transacções electrónicas, e outras tendo a ver com a sustentabilidade dos nossos modelos de crescimento.

Com efeito, a problemática do desenvolvimento, dos seus modelos, da sua sustentabilidade e por aí da sua responsabilidade social, intra e inter-geracional, é de enorme importância. E, neste quadro, a discussão sobre a responsabilidade dos cidadãos, enquanto consumidores, é fundamental.

Essa responsabilização actua a dois níveis – por um lado, orientando o seu consumo e perspectivando-o num quadro de deveres sociais e, por outro, actuando com exigência na defesa dos seus interesses em vertentes como as da saúde, da qualidade e da segurança. Consumidores mais educados, responsáveis e exigentes são sempre a melhor defesa perante o consumismo acrítico e uma arma fundamental na promoção da coesão económica e social.

E tanto assim é quanto, infelizmente, não podemos dizer que, em muitos casos, estejamos habituados a que, abertamente, se questionem os paradigmas em que assentam os nossos modelos de crescimento, e menos ainda de desenvolvimento, sobretudo face àqueles que, por serem actores importantes nas actividades produtivas têm, por isso mesmo, uma responsabilidade objectiva inquestionável.

As preocupações com a maximização dos resultados de curto prazo e a generalizada miopia – quando não irresponsabilidade – relativamente aos efeitos de mais longo prazo, muitos deles cumulativos e dificilmente reversíveis, de muitas actividades produtivas, obrigam-nos a pensar numa mudança de rumo que permita, enquanto é tempo, preservar bens que são públicos, internalizando custos e por aí também obrigando a questionar aqueles modelos.

Estas preocupações com a sustentabilidade, em que o desenvolvimento são e continuado da economia de mercado é indissociável da responsabilidade social dos seus agentes, levam a um repensar da estrutura e sinalização dos sistemas produtivos, que permita não apenas poupar recursos, mas sobretudo procurar novos produtos, melhores processos, outras dimensões ou escalas, novos materiais, melhores localizações, em suma, modelos diferentes.

E não poderá pedir-se ao Estado que seja apenas ou sobretudo ele a corrigir o percurso. Se é verdade que, tantas vezes, as práticas burocráticas e rígidas da administração pública geram sinais errados ou são desmotivadoras da acção dos cidadãos, não devemos perder de vista que estamos perante desafios de ordem cultural, mas também económicos, a que há que responder, trabalhando em horizontes temporais alargados.

A compatibilização de objectivos económicos e ecológicos e a introdução da alteração climática como factor condicionante de qualquer estratégia de longo prazo, obrigam a repensar e articular as políticas económicas, sociais e ambientais de uma forma integrada, mais do que forçá-las a sucessivos compromissos.

Daqui decorrem também as novas e exigentes tarefas que se colocam às organizações de consumidores e que, estou certo, terão oportunidade de debater neste Congresso.

Todos esses temas, que vão estar no centro dos vossos trabalhos, são, desde há muito, alvo da minha reflexão e preocupação – e essa é mais uma razão para vos desejar um trabalho profícuo e para ficar atento às vossas conclusões.