Nota de Sua Excelência o Presidente da República sobre Questões Europeias

Palácio de Belém
15 de Julho de 2005


Perante a actual crise europeia e as suas implicações para Portugal, entendi desejável ouvir o Conselho de Estado, órgão de consulta e de aconselhamento do Presidente da República, como aliás o fizera já sobre este tema em precedentes ocasiões, designadamente quando estavam em curso os trabalhos da Conferência Intergovernamental que conduziu ao Tratado Constitucional Europeu.

Como é sabido, decidi também encetar paralelamente um conjunto mais vasto de contactos com diversas personalidades para troca de impressões sobre o mesmo assunto, numa iniciativa a que desejo dar continuidade.

É bem conhecido o empenho que tenho dedicado tanto ao acompanhamento dos temas europeus, como à promoção do debate em Portugal relativamente ao futuro da Europa.

Não tenho dúvidas, mais uma vez o repito, sobre a decisiva importância que a opção europeia representa para Portugal, quer para uma maior capacidade de afirmação externa, quer para o seu próprio desenvolvimento e modernização.

Mas tal como ocorre em outros Estados Membros, as questões europeias não têm estado suficientemente presentes na nossa agenda interna. Com efeito, a sociedade portuguesa não tem acompanhado de forma adequada a evolução do projecto europeu, o que se tem reflectido, por exemplo, no crescente alheamento dos cidadãos das eleições para o Parlamento de Estrasburgo.

Alguns resultados do processo referendário mostram, aliás, os riscos decorrentes do generalizado défice de uma continuada e equilibrada informação que conduz muitas vezes ao cómodo reflexo desresponsabilizador de culpabilizar Bruxelas e denegrir a Europa quando, como agora, se acumulam problemas e diversas incertezas nos vários planos nacionais.

Mais do que qualquer outra anterior, a crise que o projecto europeu actualmente atravessa obriga – pela sua preocupante densidade – à exigente procura de respostas para as inquietações e pessimismos que a alimentam ou nela se cruzam.

Desde logo, porque ele afecta todos e cada um dos seus Estados membros, num momento particularmente complexo da vida internacional, em que se espera da Europa uma real capacidade de intervenção. Por isso, cabe a todos, e naturalmente também a nós portugueses, a responsabilidade de contribuir para a solução das presentes dificuldades que o processo de integração hoje defronta. Importa, pois, analisar as suas causas, avaliar sensibilidades e dúvidas, inventariar sucessos e lacunas, e, sobretudo, mobilizar vontades para elaborar uma renovada visão estratégica capaz de reconciliar os cidadãos com um projecto político a que tanto já devem. Esta é uma tarefa também para nós, portugueses, pois será necessário retrabalhar a todos os níveis da sociedade – nos planos político, académico, e dos media – o consenso nacional em torno do desígnio de uma Europa unida, forte e solidária, sem prejuízo do pluralismo e diversidade de posições que têm acompanhado este debate. Foi uma observação que ouvi a muitas das personalidades que consultei, e que subscrevo.

Em segundo lugar, esta crise é tanto mais preocupante quanto somos um dos países para quem, além do mais, a aprovação atempada das Perspectivas Financeiras para 2007-2013 é necessária para prosseguir o nosso ciclo de modernização e de desenvolvimento. Ora, no debate agora aberto, que também versa inevitavelmente sobre o modelo de integração, começam já a aflorar teses que poderão afectar a prazo políticas essenciais de coesão e solidariedade com inevitáveis consequências para Portugal. Convirá, assim, estarmos atentos às decisões a tomar no quadro das negociações das Perspectivas Financeiras, pois elas assumirão particular relevo na definição do futuro rosto político da Europa. Também muitos exprimiram esta preocupação, que igualmente partilho.

Em terceiro lugar, no que respeita ao processo de ratificação do Tratado Constitucional, Portugal enfrenta agora uma realidade europeia delicada que exige sereno exame. Importa aproveitar o período de reflexão, acordado no Conselho Europeu, para avaliar qual a melhor forma de garantir a esclarecida participação dos seus cidadãos nas futuras escolhas europeias, assim reforçando a defesa dos interesses nacionais em próximas negociações. Esta questão foi também abundantemente abordada por todas as personalidades que ouvi.

Finalmente, a par da reflexão decidida, é indispensável não abrandar o esforço para imprimir um novo alento à Estratégia de Lisboa e às suas prioridades económicas e sociais, nomeadamente nos domínios do emprego e da competitividade, por constituir um dos caminhos de resposta a muitas inquietações manifestadas no espaço europeu. Igualmente esta matéria foi com insistência referida pelos meus interlocutores.

Quis dar-vos parte de um primeiro balanço das consultas que tenho efectuado, necessariamente muito sintético e parcelar, tendo em conta a multiplicidade de matérias examinadas. Irei continuá-las e, se julgar oportuno, não me furtarei a promover novas iniciativas na convicção de que, na evolução da Europa – que estou certo saberá superar a presente crise – se joga também o nosso futuro.

Palácio de Belém, 15 de Julho de 2005